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LIGAÇÕES PERIGOSAS
Dantas diz que maior cliente mundial da empresa de investigação é o Citi e que brigar com fundos foi "péssimo"
Contrato com Kroll foi legal, diz banqueiro
DA COLUNISTA DA FOLHA
Leia a seguir a continuação da
entrevista de Daniel Dantas, em
que o banqueiro admite que seu
conflito com os fundos de pensão
"foi péssimo". Afirma ainda que
não vê uma postura do governo
contrária a ele.
Folha - O sr. não tem medo de que
as pessoas não façam mais negócios com o sr.?
Dantas - Nós temos vários outros sócios muito satisfeitos conosco. E isso que o Citi está fazendo não é uma ação judicial. É uma
campanha. Ele pediu que o processo se tornasse público para me
pôr pressão, acreditando que já
temos outros dois conflitos [com
fundos de pensão e a Telecom Italia] e que não conseguiríamos nos
defender num terceiro. O que é
mais perverso nisso é que os dois
outros conflitos que possivelmente nos fragilizaram aconteceram
para que defendêssemos os ativos
do Citibank, de quem os fundos,
em conjunto com a Telecom Italia, queriam tomar o controle. E
ele hoje se une aos dois para tomar a nossa parte. Então o que o
Citi está fazendo é uma atitude da
pior categoria. Da pior categoria.
É imoral. É uma manobra intimidatória para que cedamos direitos
que não temos obrigação de ceder.
Folha - Que direitos?
Dantas O Citi estava tendo problemas em vários lugares do
mundo -EUA, Europa, Itália, Japão-, que estavam erodindo a
marca do banco. O Citi sofreu
mudanças internas, e houve o
anúncio de que a prioridade do
banco era a ética. Nesse contexto,
a Telecom Italia começou a botar
uma pressão enorme em cima do
Citi, e o banco disse à empresa
que tinha poderes para influenciar a solução do nosso assunto
no Brasil. A reação da Telecom
Italia foi mista: negociar com o Citi [para comprar as ações do banco na Brasil Telecom], mas aumentar a pressão também. O
[Marco Tronchetti] Provera suspendeu todas as transações e disse
que o Citi era uma instituição inidônea. No caso Parmalat, o Citi
foi pego para Cristo, numa campanha na imprensa estimulada
pela Telecom Italia. E houve então
uma ordem para parar o barulho
[no Brasil]. Ao preço que fosse. Aí
começaram as negociações com a
Telecom Italia para solucionar os
problemas. O Citi queria que fizéssemos muitas concessões de
direitos, para conseguir viabilizar
suas negociações com a Telecom
Italia [o banco pretenderia vender
sua participação acionária aos italianos]. Nós, do nosso lado, não
entendíamos que tínhamos que
fazer tantas concessões por conta
dos interesses estratégicos do Citi.
Folha - O sr. se considera traído
por eles?
Dantas - Se eu me considero traído? Me considero. Nós tivemos
um trabalho enorme, imenso, para conseguir defender a integridade do patrimônio do Citi nos últimos anos, e a pressão que ele está
fazendo neste presente momento
é para que sacrifiquemos direitos
nossos. O Citi quer alimentar a fome do atacante com pedaços do
corpo do aliado.
Folha - O sr. foi indiciado na semana passada por formação de
quadrilha, corrupção ativa e divulgação de segredo. O sr. teve medo
de ser preso nas últimas semanas?
Dantas - Eu, para falar a verdade,
não tive não. Não achei que seria
preso. Mas depois os advogados
me disseram que os riscos eram
maiores do que eu estava imaginando.
Folha - E qual foi a sua sensação?
Dantas - Repare o seguinte:
quantas pessoas no Brasil foram
presas e têm razão? O grande problema no Brasil é você ser preso
com motivo. Preso sem motivo,
tem gente aí que acha motivo de
júbilo. Um foi preso pela ditadura, o outro foi preso por não sei o
quê. Se for preso injustamente, o
que eu posso fazer?
Folha - Mas o sr, não sente nem
um tremor na barriga?
Dantas - É uma sensação muito
desagradável. É completamente
desconfortável. Não recomendo
para ninguém (risos).
Folha - Depois do indiciamento, o
sr. acha que foi acertado contratar
a Kroll?
Dantas - Isso está sendo uma
coisa bizantina. O contrato da
Kroll não tem nada de ilegal. Sabe
quem é o maior cliente do mundo
da Kroll? O Citi. Na semana passada, o presidente mundial da Kroll,
Jules Kroll, esteve no Brasil com a
ex-embaixadora dos EUA no Brasil Donna Hrinak para explicar o
trabalho dele.
Folha - Eles vieram dar explicações para quem?
Dantas - Parece que iam se encontrar com autoridades, acho
que com o [Antônio] Palocci [ministro da Fazenda] e o ministro da
Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
Falei com ele também por telefone. Ele acredita que, no caso deles,
Kroll, esses fatos visam desacreditar a empresa porque ela foi contratada pelo síndico da falência da
Parmalat para investigar o caso. A
intenção seria tirar a força do relatório preparado por eles.
Folha - O que se questiona não é a
contratação da Kroll, mas sim o fato de que ela teria seguido pessoas,
interceptado correspondências e
conversas telefônicas, violado o sigilo fiscal.
Dantas - Não tem nenhuma evidência de que a Kroll tenha feito
algo de errado. A Kroll diz que o
relatório objeto da investigação e
onde constam informações obtidas irregularmente é adulterado.
Eu não tenho motivo nenhum para supor que a Kroll fez algo ilícito. Eu estive numa apresentação
que a Kroll fez ao Citibank em
Nova York sobre essa investigação, e não havia nada de ilegal. Estavam Paulo Caldeira e Michael
Carpenter, do banco.
Folha - Foram relatados dois encontros do ex-presidente do Banco
do Brasil Cassio Casseb com executivos da Telecom Italia. Então, parece evidente que ele foi seguido
pela Kroll.
Dantas - Não sei.
Folha - O sr. tem dúvida de que
ele foi acompanhado?
Dantas - Eu não sei como é que a
Kroll obtém informação. Você, por
exemplo, como obtém informação?
Folha - Eu não sigo as pessoas.
Dantas - Você pergunta. Eu fui
me aprofundar para entender como eles trabalham. Eles têm no
corpo de funcionários da Kroll
mais jornalistas do que outra coisa qualquer.
Folha - E como o Casseb entrou na
investigação?
Dantas - Como o Casseb entrou?
Foi o seguinte: o Casseb teve uma
reunião comigo. Recordo precisamente de toda a conversa. Ele foi
muito pesado, muito forte, e disse
que nós tínhamos que abrir mão
de todos os acordos de acionistas
para que os fundos ficassem soltos [pelo acordo então existente,
os fundos tinham direito de ter
voto no conselho, mas teriam que
acompanhar o voto do Opportunity em boa parte das deliberações sobre as teles]. Aí eu fui para
Nova York e conversei com o Citi,
que enviou uma carta a ele dizendo que não concordava.
Folha - Como é a sua relação com
o governo federal? A impressão
que se tem é que ela também é conflituosa.
Dantas - Eu não tenho nenhum
conflito. Já estive com o Palocci,
com o [ministro da Casa Civil] José Dirceu. O Luís Octávio [Motta
Veiga, presidente do Conselho da
Brasil Telecom] já esteve com o
presidente Lula. O que falam é
que existe um problema do [ministro de Comunicação, Luiz]
Gushiken comigo. Agora, eu não
tenho motivos para achar que
exista uma postura de governo
contrária a nós.
Folha - Gushiken coordenava a
campanha presidencial de Lula em
2002 e vetou uma contribuição do
Opportunity ao candidato.
Dantas - O Opportunity nunca
tentou fazer contribuição à campanha eleitoral do Lula.
Folha - Permita-me discordar.
Houve uma tentativa, e o Gushiken
vetou. Ele também disse, na época,
que era para que o sr. fosse avisado
de que estaria "perdido" no governo do PT.
Dantas - Eu também escutei isso,
de uma pessoa da Telecom Italia.
Folha - Ele discordava da forma
como o sr. conduzia os acordos com
os fundos. O que eu pergunto é se o
preço de suas atitudes não foi alto:
o seu rolo compressor em cima dos
fundos não acabou gerando uma
reação...
Dantas - [Interrompendo] Não
houve rolo compressor em cima
dos fundos. Pelo contrário. Os
fundos têm associações em que
perderam todo o dinheiro. Nos
nossos negócios, eles ganharam.
O que existe é uma disputa pelo
controle de um ativo valioso, de
empresas boas, bem geridas. Os
fundos de pensão tentaram
apoiar uma iniciativa da Telecom
Italia de tomar o controle da Brasil Telecom. A disputa dos fundos
conosco me parece muito mais
uma questão de ter querido favorecer interesses da Telecom Italia
que o interesse econômico deles.
Folha - Por que eles quereriam favorecer a Telecom Italia?
Dantas - Qualquer interesse.
Folha - Que tipo?
Dantas - Você teria que perguntar a eles.
Folha - O sr. tem alguma opinião?
Dantas - Que eu queira lhe dar,
não.
Folha - A alegação deles é de que
os acordos feitos por antigas gestões amarraram os fundos de pensão. Eles simplesmente colocaram
dinheiro e fizeram acordos de acionistas em que não mandavam em
nada. Não poderiam sequer votar
contra a opinião do Opportunity.
Dantas - Nós só estávamos dispostos a comprometer energia e
capital, nosso e do Citi, na privatização se a gestão dos negócios
fosse nossa. Era uma precondição. E os fundos concordaram.
Aderiram a esses contratos voluntariamente. Eles ficariam com o
resultado econômico dos investimentos sem ter grande influência
gerencial nas empresas. Esse foi o
contrato.
Folha - Mas foram acordos assinados por antigas diretorias dos fundos, que tinham uma concepção diferente da dos atuais dirigentes.
Dantas - Como diferente? Se
contratou aquilo, é aquilo que está contratado. A verdade é que se
esses ativos [de telefonia] estivessem perdidos, a disputa não estava acontecendo. Olha os personagens que estão aí: Tronchetti Provera, presidente da Pirelli, Michale Carpenter, do Citi. A disputa é
grande. Para nós o conflito foi
ruim? Foi péssimo. Agora, a condição existente [com os fundos]
foi a condição contratada? Foi.
Acabou. Se os fundos dizem
"bom, não queremos mais essa
condição", então vamos sentar
para negociar.
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