São Paulo, domingo, 17 de abril de 2005

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LIGAÇÕES PERIGOSAS

Dantas diz que maior cliente mundial da empresa de investigação é o Citi e que brigar com fundos foi "péssimo"

Contrato com Kroll foi legal, diz banqueiro

DA COLUNISTA DA FOLHA

Leia a seguir a continuação da entrevista de Daniel Dantas, em que o banqueiro admite que seu conflito com os fundos de pensão "foi péssimo". Afirma ainda que não vê uma postura do governo contrária a ele.

Folha - O sr. não tem medo de que as pessoas não façam mais negócios com o sr.?
Dantas -
Nós temos vários outros sócios muito satisfeitos conosco. E isso que o Citi está fazendo não é uma ação judicial. É uma campanha. Ele pediu que o processo se tornasse público para me pôr pressão, acreditando que já temos outros dois conflitos [com fundos de pensão e a Telecom Italia] e que não conseguiríamos nos defender num terceiro. O que é mais perverso nisso é que os dois outros conflitos que possivelmente nos fragilizaram aconteceram para que defendêssemos os ativos do Citibank, de quem os fundos, em conjunto com a Telecom Italia, queriam tomar o controle. E ele hoje se une aos dois para tomar a nossa parte. Então o que o Citi está fazendo é uma atitude da pior categoria. Da pior categoria. É imoral. É uma manobra intimidatória para que cedamos direitos que não temos obrigação de ceder.

Folha - Que direitos?
Dantas
O Citi estava tendo problemas em vários lugares do mundo -EUA, Europa, Itália, Japão-, que estavam erodindo a marca do banco. O Citi sofreu mudanças internas, e houve o anúncio de que a prioridade do banco era a ética. Nesse contexto, a Telecom Italia começou a botar uma pressão enorme em cima do Citi, e o banco disse à empresa que tinha poderes para influenciar a solução do nosso assunto no Brasil. A reação da Telecom Italia foi mista: negociar com o Citi [para comprar as ações do banco na Brasil Telecom], mas aumentar a pressão também. O [Marco Tronchetti] Provera suspendeu todas as transações e disse que o Citi era uma instituição inidônea. No caso Parmalat, o Citi foi pego para Cristo, numa campanha na imprensa estimulada pela Telecom Italia. E houve então uma ordem para parar o barulho [no Brasil]. Ao preço que fosse. Aí começaram as negociações com a Telecom Italia para solucionar os problemas. O Citi queria que fizéssemos muitas concessões de direitos, para conseguir viabilizar suas negociações com a Telecom Italia [o banco pretenderia vender sua participação acionária aos italianos]. Nós, do nosso lado, não entendíamos que tínhamos que fazer tantas concessões por conta dos interesses estratégicos do Citi.

Folha - O sr. se considera traído por eles?
Dantas -
Se eu me considero traído? Me considero. Nós tivemos um trabalho enorme, imenso, para conseguir defender a integridade do patrimônio do Citi nos últimos anos, e a pressão que ele está fazendo neste presente momento é para que sacrifiquemos direitos nossos. O Citi quer alimentar a fome do atacante com pedaços do corpo do aliado.

Folha - O sr. foi indiciado na semana passada por formação de quadrilha, corrupção ativa e divulgação de segredo. O sr. teve medo de ser preso nas últimas semanas?
Dantas -
Eu, para falar a verdade, não tive não. Não achei que seria preso. Mas depois os advogados me disseram que os riscos eram maiores do que eu estava imaginando.

Folha - E qual foi a sua sensação?
Dantas -
Repare o seguinte: quantas pessoas no Brasil foram presas e têm razão? O grande problema no Brasil é você ser preso com motivo. Preso sem motivo, tem gente aí que acha motivo de júbilo. Um foi preso pela ditadura, o outro foi preso por não sei o quê. Se for preso injustamente, o que eu posso fazer?

Folha - Mas o sr, não sente nem um tremor na barriga?
Dantas -
É uma sensação muito desagradável. É completamente desconfortável. Não recomendo para ninguém (risos).

Folha - Depois do indiciamento, o sr. acha que foi acertado contratar a Kroll?
Dantas -
Isso está sendo uma coisa bizantina. O contrato da Kroll não tem nada de ilegal. Sabe quem é o maior cliente do mundo da Kroll? O Citi. Na semana passada, o presidente mundial da Kroll, Jules Kroll, esteve no Brasil com a ex-embaixadora dos EUA no Brasil Donna Hrinak para explicar o trabalho dele.

Folha - Eles vieram dar explicações para quem?
Dantas -
Parece que iam se encontrar com autoridades, acho que com o [Antônio] Palocci [ministro da Fazenda] e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Falei com ele também por telefone. Ele acredita que, no caso deles, Kroll, esses fatos visam desacreditar a empresa porque ela foi contratada pelo síndico da falência da Parmalat para investigar o caso. A intenção seria tirar a força do relatório preparado por eles.

Folha - O que se questiona não é a contratação da Kroll, mas sim o fato de que ela teria seguido pessoas, interceptado correspondências e conversas telefônicas, violado o sigilo fiscal.
Dantas -
Não tem nenhuma evidência de que a Kroll tenha feito algo de errado. A Kroll diz que o relatório objeto da investigação e onde constam informações obtidas irregularmente é adulterado. Eu não tenho motivo nenhum para supor que a Kroll fez algo ilícito. Eu estive numa apresentação que a Kroll fez ao Citibank em Nova York sobre essa investigação, e não havia nada de ilegal. Estavam Paulo Caldeira e Michael Carpenter, do banco.

Folha - Foram relatados dois encontros do ex-presidente do Banco do Brasil Cassio Casseb com executivos da Telecom Italia. Então, parece evidente que ele foi seguido pela Kroll.
Dantas -
Não sei.

Folha - O sr. tem dúvida de que ele foi acompanhado?
Dantas - Eu não sei como é que a Kroll obtém informação. Você, por exemplo, como obtém informação?

Folha - Eu não sigo as pessoas.
Dantas -
Você pergunta. Eu fui me aprofundar para entender como eles trabalham. Eles têm no corpo de funcionários da Kroll mais jornalistas do que outra coisa qualquer.

Folha - E como o Casseb entrou na investigação?
Dantas -
Como o Casseb entrou? Foi o seguinte: o Casseb teve uma reunião comigo. Recordo precisamente de toda a conversa. Ele foi muito pesado, muito forte, e disse que nós tínhamos que abrir mão de todos os acordos de acionistas para que os fundos ficassem soltos [pelo acordo então existente, os fundos tinham direito de ter voto no conselho, mas teriam que acompanhar o voto do Opportunity em boa parte das deliberações sobre as teles]. Aí eu fui para Nova York e conversei com o Citi, que enviou uma carta a ele dizendo que não concordava.

Folha - Como é a sua relação com o governo federal? A impressão que se tem é que ela também é conflituosa.
Dantas -
Eu não tenho nenhum conflito. Já estive com o Palocci, com o [ministro da Casa Civil] José Dirceu. O Luís Octávio [Motta Veiga, presidente do Conselho da Brasil Telecom] já esteve com o presidente Lula. O que falam é que existe um problema do [ministro de Comunicação, Luiz] Gushiken comigo. Agora, eu não tenho motivos para achar que exista uma postura de governo contrária a nós.

Folha - Gushiken coordenava a campanha presidencial de Lula em 2002 e vetou uma contribuição do Opportunity ao candidato.
Dantas -
O Opportunity nunca tentou fazer contribuição à campanha eleitoral do Lula.

Folha - Permita-me discordar. Houve uma tentativa, e o Gushiken vetou. Ele também disse, na época, que era para que o sr. fosse avisado de que estaria "perdido" no governo do PT.
Dantas -
Eu também escutei isso, de uma pessoa da Telecom Italia.

Folha - Ele discordava da forma como o sr. conduzia os acordos com os fundos. O que eu pergunto é se o preço de suas atitudes não foi alto: o seu rolo compressor em cima dos fundos não acabou gerando uma reação...
Dantas -
[Interrompendo] Não houve rolo compressor em cima dos fundos. Pelo contrário. Os fundos têm associações em que perderam todo o dinheiro. Nos nossos negócios, eles ganharam. O que existe é uma disputa pelo controle de um ativo valioso, de empresas boas, bem geridas. Os fundos de pensão tentaram apoiar uma iniciativa da Telecom Italia de tomar o controle da Brasil Telecom. A disputa dos fundos conosco me parece muito mais uma questão de ter querido favorecer interesses da Telecom Italia que o interesse econômico deles.

Folha - Por que eles quereriam favorecer a Telecom Italia?
Dantas -
Qualquer interesse.

Folha - Que tipo?
Dantas -
Você teria que perguntar a eles.

Folha - O sr. tem alguma opinião?
Dantas -
Que eu queira lhe dar, não.

Folha - A alegação deles é de que os acordos feitos por antigas gestões amarraram os fundos de pensão. Eles simplesmente colocaram dinheiro e fizeram acordos de acionistas em que não mandavam em nada. Não poderiam sequer votar contra a opinião do Opportunity.
Dantas -
Nós só estávamos dispostos a comprometer energia e capital, nosso e do Citi, na privatização se a gestão dos negócios fosse nossa. Era uma precondição. E os fundos concordaram. Aderiram a esses contratos voluntariamente. Eles ficariam com o resultado econômico dos investimentos sem ter grande influência gerencial nas empresas. Esse foi o contrato.

Folha - Mas foram acordos assinados por antigas diretorias dos fundos, que tinham uma concepção diferente da dos atuais dirigentes.
Dantas -
Como diferente? Se contratou aquilo, é aquilo que está contratado. A verdade é que se esses ativos [de telefonia] estivessem perdidos, a disputa não estava acontecendo. Olha os personagens que estão aí: Tronchetti Provera, presidente da Pirelli, Michale Carpenter, do Citi. A disputa é grande. Para nós o conflito foi ruim? Foi péssimo. Agora, a condição existente [com os fundos] foi a condição contratada? Foi. Acabou. Se os fundos dizem "bom, não queremos mais essa condição", então vamos sentar para negociar.


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