São Paulo, domingo, 17 de abril de 2005

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LIGAÇÕES PERIGOSAS

Banqueiro diz que não vai desistir, fala das denúncias de corrupção nas privatizações e de favorecimento à Telemar

Dantas diz ser Inglaterra resistindo a nazistas

DA COLUNISTA DA FOLHA

Leia a seguir o final da entrevista com o banqueiro Daniel Dantas, no qual ele fala sobre privatização e suas relações com o governo petista. Ele diz que se sente como a Inglaterra resistindo à Alemanha nazista, mas admite ser inflexível.

Folha - As pessoas dizem que o sr. é inflexível. É verdade?
Daniel Dantas -
Posso até ser inflexível. Eu não sou obrigado a ser flexível.

Folha - Mas não é legítimo que os fundos de pensão queiram renegociar?
Dantas -
Acho perfeitamente legítimo. Só que as duas partes têm que concordar. Eu não concordei. Se fosse uma flexibilização menor, seria possível. Mas ela era vital. Na verdade, era o controle das empresas. O curioso é que em outros negócios eles aceitam essa situação. Aceitam na Iberdrola, ela manda e eles ficam lá.

Folha - O sr. diz que foi chamado a Brasília pelo então presidente do Banco do Brasil, Cassio Casseb, para falar sobre esse conflito. Não foi uma tentativa de negociação?
Dantas -
Não. Não foi uma negociação. Foi um ultimato [para desfazer os acordos com os fundos de pensão].

Folha - Com o José Dirceu [ministro da Casa Civil] os srs. estiveram também.
Dantas -
Com o José Dirceu...mas o José Dirceu nunca colocou pressão.

Folha - Falaram com ele?
Dantas -
Com o José Dirceu... nem me lembro. Tivemos um encontro em Brasília, expliquei alguns assuntos que ele queria saber e pronto.

Folha - Um dos aspectos polêmicos das privatizações diz respeito à espionagem industrial, com grampos ilegais. O Opportunity foi acusado de ter circulado interceptações telefônicas de Nelson Tanure, dono do "Jornal do Brasil", de seu assessor Paulo Marinho e do jornalista Ricardo Boechat.
Dantas -
De jeito nenhum. Nós não fizemos isso. Nunca fomos acusados de ter feito.

Folha - O Tanure atuava para a canadense TIW, que estava em disputa com o sr., e o Paulo Marinho era um de seus principais assessores. Ele foi grampeado por ordem judicial num inquérito que investigava o traficante Fernandinho Beira-Mar, uma situação no mínimo estranha.
Dantas -
É bem possível que tenha sido um grampo proposital. Só que não foi nosso. E aquilo nós nunca entregamos para publicação alguma. Não é verdade. Eu tomei conhecimento da existência, mas não recebi o grampo.

Folha - Outro grampo foi colocado no BNDES [nele o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, das Comunicações, aparece articulando para que a Previ se aliasse ao consórcio do Opportunity nas privatizações, em 1998]. Quem grampeou e distribuiu a transcrição das conversas?
Dantas -
Não sei quem foi.

Folha - Os grampos mostram uma interferência do governo para que a Previ formasse um consórcio com os srs. para o leilão da Telebrás.
Dantas -
Para que o consórcio que não tinha dinheiro não ganhasse. O outro consórcio [Telemar, que acabou comprando a empresa de telefonia do Rio de Janeiro e de outros 16 Estados] não era verdadeiro. O que aconteceu? Ele [Mendonça de Barros] montou uma figura fictícia, um espantalho para nos assustar e obrigar a oferecer um ágio maior pela empresa do Rio. No grampo, ele aparece dizendo que não queria a vitória do espantalho, porque só daria confusão. Então o que havia ali era um desfavorecimento, para nos forçar a pagar US$ 1,5 bilhões a mais.

Folha - Mas o espantalho está aí até hoje.
Dantas -
Deu o acidente. Que eu não sei como aconteceu. Aconteceram coisas estranhas. Na prática, tinha alguma organização para que aquilo se materializasse daquela forma ou aquilo se materializou espontaneamente?

Folha - De qualquer forma, o espantalho está aí, a empresa funciona.
Dantas -
Mas deu problema. O BNDES teve que entrar com dinheiro, os fundos entraram. Deixaram de arrecadar um dinheiro líquido que estava entrando do exterior. No fundo, a empresa [Telemar] foi privatizada sem ter sido vendida. O fato é esse.

Folha - Recentemente o presidente Lula disse que um dirigente de uma instituição do governo revelou a ele que houve corrupção na privatização. Na época, o senador Antonio Carlos Magalhães falou de pagamento de propina na privatização e que a fonte da informação tinha sido o sr.
Dantas -
Não é verdade. Ele nunca disse que eu teria sido a fonte dele. O que aconteceu ali foi que eu perguntei ao senador, porque tinha escutado, que a motivação para o resultado do leilão no Rio teria sido um pagamento de US$ 30 milhões de dólares para a campanha de José Serra. Eu perguntei a ele se ele achava que era possível. E ele me disse que achava que não. Que, se houvesse pagamento, não era para a campanha.

Folha - A impressão que às vezes se tem de pessoas que acumulam muito poder, como o sr., é a de que elas não percebem os momentos em que devem parar, recuar. Alguma vez alguém falou para o sr. "pára, vai jogar golfe, parte para outra"? Isso passa pela sua cabeça?
Dantas -
A pergunta que você faz é a seguinte: você deveria entregar seus direitos aos agressores simplesmente porque o conflito está em doses elevadas? Ou deveria resistir e resolver o conflito?

Folha - A sua situação é muito difícil.
Dantas -
Se você olhar a nossa trajetória, verá que sofremos ataques constantes e conseguimos resolver cada uma das situações.

Folha - Mas agora, não.
Dantas -
Agora apareceu o negócio do Citi. Mas é muito prematuro para poder dar alguma informação. Eu de fato não sei exatamente o que está acontecendo ali [no Citibank].

Folha - Enfim, o sr. não pensa em desistir?
Dantas -
Por enquanto, não. A Alemanha tentou invadir a Inglaterra [na 2ª Guerra]. Era melhor a Inglaterra desistir? Será que era? Agora, vamos supor que tudo isso se resolva e que, mais tarde, o Bank of America [banco dos EUA] bata na minha porta propondo fazer novo fundo para investir na América Latina. Eu vou dizer: você não tem outra porta para procurar, não? Eu não teria a menor disposição de repetir a experiência. Nenhuma.


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