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LIGAÇÕES PERIGOSAS
Banqueiro diz que não vai desistir, fala das denúncias de corrupção nas privatizações e de favorecimento à Telemar
Dantas diz ser Inglaterra resistindo a nazistas
DA COLUNISTA DA FOLHA
Leia a seguir o final da entrevista com o banqueiro Daniel Dantas, no qual ele fala sobre privatização e suas relações com o governo petista. Ele diz que se sente
como a Inglaterra resistindo à
Alemanha nazista, mas admite
ser inflexível.
Folha - As pessoas dizem que o sr.
é inflexível. É verdade?
Daniel Dantas - Posso até ser inflexível. Eu não sou obrigado a ser
flexível.
Folha - Mas não é legítimo que os
fundos de pensão queiram renegociar?
Dantas - Acho perfeitamente legítimo. Só que as duas partes têm
que concordar. Eu não concordei.
Se fosse uma flexibilização menor, seria possível. Mas ela era vital. Na verdade, era o controle das
empresas. O curioso é que em outros negócios eles aceitam essa situação. Aceitam na Iberdrola, ela
manda e eles ficam lá.
Folha - O sr. diz que foi chamado a
Brasília pelo então presidente do
Banco do Brasil, Cassio Casseb, para falar sobre esse conflito. Não foi
uma tentativa de negociação?
Dantas - Não. Não foi uma negociação. Foi um ultimato [para
desfazer os acordos com os fundos de pensão].
Folha - Com o José Dirceu [ministro da Casa Civil] os srs. estiveram
também.
Dantas - Com o José Dirceu...mas o José Dirceu nunca colocou pressão.
Folha - Falaram com ele?
Dantas - Com o José Dirceu...
nem me lembro. Tivemos um encontro em Brasília, expliquei alguns assuntos que ele queria saber e pronto.
Folha - Um dos aspectos polêmicos das privatizações diz respeito à
espionagem industrial, com grampos ilegais. O Opportunity foi acusado de ter circulado interceptações telefônicas de Nelson Tanure,
dono do "Jornal do Brasil", de seu
assessor Paulo Marinho e do jornalista Ricardo Boechat.
Dantas - De jeito nenhum. Nós
não fizemos isso. Nunca fomos
acusados de ter feito.
Folha - O Tanure atuava para a canadense TIW, que estava em disputa com o sr., e o Paulo Marinho era
um de seus principais assessores.
Ele foi grampeado por ordem judicial num inquérito que investigava
o traficante Fernandinho Beira-Mar, uma situação no mínimo estranha.
Dantas - É bem possível que tenha sido um grampo proposital.
Só que não foi nosso. E aquilo nós
nunca entregamos para publicação alguma. Não é verdade. Eu tomei conhecimento da existência,
mas não recebi o grampo.
Folha - Outro grampo foi colocado no BNDES [nele o ex-ministro
Luiz Carlos Mendonça de Barros,
das Comunicações, aparece articulando para que a Previ se aliasse ao
consórcio do Opportunity nas privatizações, em 1998]. Quem grampeou e distribuiu a transcrição das
conversas?
Dantas - Não sei quem foi.
Folha - Os grampos mostram uma
interferência do governo para que
a Previ formasse um consórcio com
os srs. para o leilão da Telebrás.
Dantas - Para que o consórcio
que não tinha dinheiro não ganhasse. O outro consórcio [Telemar, que acabou comprando a
empresa de telefonia do Rio de Janeiro e de outros 16 Estados] não
era verdadeiro. O que aconteceu?
Ele [Mendonça de Barros] montou uma figura fictícia, um espantalho para nos assustar e obrigar a
oferecer um ágio maior pela empresa do Rio. No grampo, ele aparece dizendo que não queria a vitória do espantalho, porque só
daria confusão. Então o que havia
ali era um desfavorecimento, para
nos forçar a pagar US$ 1,5 bilhões
a mais.
Folha - Mas o espantalho está aí
até hoje.
Dantas - Deu o acidente. Que eu
não sei como aconteceu. Aconteceram coisas estranhas. Na prática, tinha alguma organização para que aquilo se materializasse daquela forma ou aquilo se materializou espontaneamente?
Folha - De qualquer forma, o espantalho está aí, a empresa funciona.
Dantas - Mas deu problema. O
BNDES teve que entrar com dinheiro, os fundos entraram. Deixaram de arrecadar um dinheiro
líquido que estava entrando do
exterior. No fundo, a empresa
[Telemar] foi privatizada sem ter
sido vendida. O fato é esse.
Folha - Recentemente o presidente Lula disse que um dirigente de
uma instituição do governo revelou a ele que houve corrupção na
privatização. Na época, o senador
Antonio Carlos Magalhães falou de
pagamento de propina na privatização e que a fonte da informação
tinha sido o sr.
Dantas - Não é verdade. Ele nunca disse que eu teria sido a fonte
dele. O que aconteceu ali foi que
eu perguntei ao senador, porque
tinha escutado, que a motivação
para o resultado do leilão no Rio
teria sido um pagamento de US$
30 milhões de dólares para a campanha de José Serra. Eu perguntei
a ele se ele achava que era possível. E ele me disse que achava que
não. Que, se houvesse pagamento, não era para a campanha.
Folha - A impressão que às vezes
se tem de pessoas que acumulam
muito poder, como o sr., é a de que
elas não percebem os momentos
em que devem parar, recuar. Alguma vez alguém falou para o sr. "pára, vai jogar golfe, parte para outra"? Isso passa pela sua cabeça?
Dantas - A pergunta que você faz
é a seguinte: você deveria entregar
seus direitos aos agressores simplesmente porque o conflito está
em doses elevadas? Ou deveria resistir e resolver o conflito?
Folha - A sua situação é muito difícil.
Dantas -Se você olhar a nossa
trajetória, verá que sofremos ataques constantes e conseguimos
resolver cada uma das situações.
Folha - Mas agora, não.
Dantas - Agora apareceu o negócio do Citi. Mas é muito prematuro para poder dar alguma informação. Eu de fato não sei exatamente o que está acontecendo ali
[no Citibank].
Folha - Enfim, o sr. não pensa em
desistir?
Dantas - Por enquanto, não. A
Alemanha tentou invadir a Inglaterra [na 2ª Guerra]. Era melhor a
Inglaterra desistir? Será que era?
Agora, vamos supor que tudo isso
se resolva e que, mais tarde, o
Bank of America [banco dos
EUA] bata na minha porta propondo fazer novo fundo para investir na América Latina. Eu vou
dizer: você não tem outra porta
para procurar, não? Eu não teria a
menor disposição de repetir a experiência. Nenhuma.
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