São Paulo, domingo, 17 de junho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Novo pacote de Cavallo tenta reativar economia

DE BUENOS AIRES

Na noite de sexta-feira, Domingo Cavallo lançou a segunda perna do seu plano de emergência para a economia argentina: na prática, desvalorizou o peso a fim de dar algum alento aos deprimidos produtores argentinos. Antes, evitara o iminente calote ao refinanciar a dívida do governo, no começo do mês. São os últimos cartuchos que o superministro da Economia dispara para evitar o calote, a fuga de investidores ou mesmo da tão temida desvalorização do peso.
A economia argentina é, na prática, dolarizada desde 1991. O governo, por exemplo, só pode gastar aumentar seu gasto em mais um peso se o país conseguir trazer ou atrair um dólar adicional para sua economia. Um dólar vale um peso e os pesos são lastreados em dólares.
A Argentina precisa, pois, de dólares para pagar suas dívidas interna e externa. Não os consegue devido à baixa competitividade de seus produtos no mercado internacional, cujos preços estão atrelados ao dólar. Pior, engessados a um dólar que não estava tão havia cinco anos (em relação a outras moedas fortes), o que torna ainda menos atrativos os produtos argentinos.
A Argentina não atrai dólares (ou paga caro para fazê-lo), de resto, porque o mercado exige um ajuste fiscal (equilíbrio das despesas públicas) crível, ajuste fiscal dificultado pela recessão de três anos (sem crescimento, a arrecadação do governo também não cresce). Mas a Argentina não cresce porque as tentativas de ajuste fiscal pioram a recessão, e a economia não cresce porque parque produtivo não é competitivo.
Trata-se de um círculo vicioso infernal que se tornou ainda mais crítico em 1999, quando o Brasil, um dos grandes parceiros comerciais argentinos, desvalorizou o real. A Argentina perdeu seu grande cliente -pois os produtos argentinos ficaram caros no Brasil. A crise ficou mais aguda e, para evitar o calote e/ou a fuga de investidores, os argentinos foram ao FMI. Por meio de uma acordo do fundo, obtiveram um pacote de ajuda financeira de US$ 39,7 bilhões, a chamada "blindagem financeira". Sem apresentar bons resultados fiscais nem sinais de crescimento, a turbulência argentina voltou em fevereiro.
Cavallo assumiu em março a economia e ganhou superpoderes do Congresso. Empurrou para frente o pagamento de dívidas que não honraria. Mas os juros que vai pagar são mais altos. Se o mercado não acreditar que a economia argentina vai dar sinais de vida em breve, a crise volta a ferver.
O refinanciamento reduziu as necessidades financeiras no curto prazo, mas provocou uma concentração de vencimentos de cerca de US$ 16,5 bilhões em 2008.
Um dos novos papéis oferecidos pelo governo para trocar pelos títulos antigos, chamado Global 2008, concentra agora US$ 11,5 bilhões da dívida argentina, ou quase 9% do total.
O novo Global 2008 virou a referência para a situação da dívida argentina, desbancando o antigo título FRB, que concentrava pouco menos de US$ 5 bilhões, com vencimento em 2005.
A movimentação da cotação dos novos Global 2008 será um dos termômetros da saúde financeira da Argentina a partir de agora. "No final das contas, todos os títulos acabam seguindo a movimentação do título de referência", disse à Folha o economista Leonardo Chialva, da consultoria Delphos Investment.
Os novos títulos oferecidos na megatroca somente serão emitidos na terça-feira, mas já vêm sendo negociados no chamado "grey market" (transações antecipadas, com concretização no dia da emissão) desde seu lançamento, há duas semanas.
Na última sexta-feira, o Global 2008 estava cotado a US$ 81,85, com uma valorização de 4,5% em relação ao seu valor de lançamento, de US$ 78,32. Segundo o economista Gonzalo Rodríguez, do banco Scotiabank Quilmes, a volatilidade do Global 2008 deve ser menor que a do FRB. "As variações não devem ser tão intensas como antes", disse.
A variação do Global 2008 deve impactar também nas cotações dos títulos da dívida dos demais países emergentes. Isso porque, com a nova configuração da dívida argentina, ela representa cerca de um quarto do índice de risco-país (sobretaxas pagas por empréstimos em relação ao que pagam os EUA) dos países emergentes, calculado pelo banco J.P.Morgan -a dívida brasileira representa outro quarto.
Apesar de o Global 2008 ter sofrido, após uma semana de alta intensa, quatro dias de queda na semana passada, os analistas consultados pela Folha descartam uma corrida para a venda desses títulos a partir da próxima semana. "A queda foi resultado das movimentações normais do mercado e da realização de lucros após uma semana de alta. O mercado não tem dúvidas de tanto longo prazo, ninguém vai vender por antecipação", afirmou Javier Finkeman, economista-chefe do banco HSBC.


Texto Anterior: Vizinho em crise: Para analistas, câmbio duplo é ganha-tempo
Próximo Texto: Cronologia: Confira a evolução da conversibilidade
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.