São Paulo, domingo, 17 de junho de 2001

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VIZINHO EM CRISE

Base do novo pacote da Argentina são medidas que reforçam caixa do governo e estimulam crescimento

Ajuste fiscal é foco principal de Cavallo

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O surgimento de uma "nova conversibilidade" ou "conversibilidade ampliada" é sem dúvida o que mais chama a atenção no novo pacote econômico argentino. E a primeira pergunta que surge é: isso significa o começo do fim da conversibilidade? Será que os programas de estabilização com base em âncoras cambiais são a semente de sua própria destruição?
O veredicto será dado pelos mercados, mas a primeira impressão é que o ministro Cavallo está tentando salvar de novo o seu próprio modelo, e não jogando uma pá de cal sobre sua criação.
Engana-se quem vê no pacote o fim da âncora cambial do peso. Parece um detalhe, mas é crucial entender que é um ajuste fiscal, não uma mudança radical de regime cambial que leve a um regime de câmbio flutuante.
Para os que acreditam que só a desvalorização cambial leve ao ajuste da balança comercial (exportar mais e importar menos), o pacote argentino é pífio.
Ao criar um mercado de câmbio separado para o comércio exterior, Cavallo não está tentando perpetuar um sistema dual de câmbio. Como se viu em experiências em outros países (como Paquistão e Índia), a criação de sistemas duais de câmbio serve principalmente para facilitar a transição a um sistema unificado.
No caso argentino, a unificação ocorreria sob uma regra de conversibilidade em que ao dólar soma-se o euro para definir a taxa de câmbio. Ou seja, continuaria valendo o regime de conversibilidade sem livre flutuação.
Aliás, o novo sistema será votado no Congresso argentino nos próximos dias. Ao antecipar-se ao Congresso, Cavallo usa a técnica brasileira de criar fatos consumados de política econômica que o Congresso, depois, é praticamente obrigado a ratificar.
O exame detalhado do pacote revela, por exemplo, que a desvalorização do câmbio para o comércio exterior, de 8%, é reversível, pois depende do que ocorrer na relação entre dólar e euro.
Mais: se exportadores ganham agora 8% a mais por dólar de produto vendido no exterior, Cavallo está retirando volume equivalente de subsídios a exportações. Segundo cálculos do governo argentino, entre dar mais câmbio e tirar subsídios sobrariam no caixa do Tesouro US$ 600 milhões no ano.
Ou seja, o que aparece como um pacote de apoio às exportações é mais um esforço para cumprir as metas e as regras do FMI e do sistema internacional de regulação do comércio exterior.
A outra novidade do pacote é o apelo ao consumo como fonte de crescimento econômico, seguindo a lógica conservadora de que cobrar menos impostos da classe média e dos ricos é a melhor forma de ajudar uma economia a crescer (receita seguida também pelo presidente Bush, nos EUA).
Em resumo: o pacote argentino é mais forte nos estímulos ao crescimento e do reforço ao caixa do Tesouro (ajuste fiscal) do que na mudança do regime cambial e dos estímulos à geração de saldos no comércio exterior. Resta saber se os mercados entenderão as coisas desse modo ou que se trata de mais um esforço para tentar salvar um modelo condenado.


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