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São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA
O Brasil interessa ao Brasil

BENJAMIN STEINBRUCH

Segunda-feira da semana passada, 23h30. O policial militar empunha sua metralhadora apontada para a cabeça do detento Dadá. Tudo indica que vai fuzilá-lo à queima-roupa, mas recua e dá uma ordem:
"Antes que eu me arrependa, sobe com essa fila aí. Sai da minha presença, que você vai pegar o maior boi porque tem a cara do meu filho mais velho!".
Não é uma cena real. Apenas uma das últimas do filme "Carandiru", baseado no livro de Drauzio Varella, sobre a famosa Casa de Detenção de São Paulo, felizmente já desativada e demolida.
"Carandiru", de Hector Babenco, representou o Brasil no 56º Festival de Cannes e não recebeu nenhuma premiação. Foi esculhambado pela crítica do festival internacional e até pela do jornal "Le Monde".
Danem-se Cannes e o "Le Monde". No Brasil, "Carandiru" é um sucesso de bilheteria. Em plena segunda-feira à noite, o cinema do shopping Villa-Lobos, em São Paulo, está quase lotado, com lugares apenas nas duas primeiras filas. Em oito semanas de exibição, o filme já era recordista do ano em público e renda, com 4,2 milhões de espectadores e bilheteria de quase R$ 27,5 milhões, mais que o dobro do valor investido na produção. "Carandiru" repete e supera o sucesso de "Cidade de Deus", filme de Fernando Meirelles, visto por 3,3 milhões de pessoas.
"Carandiru" e "Cidade de Deus" são produtos de uma realidade terrível no Brasil. Seria melhor, é claro, que ela não existisse. Mas, de qualquer forma, o sucesso dos filmes representa também comprovação de uma verdade incontestável: o Brasil interessa ao Brasil.
Num momento em que a economia brasileira está às portas da recessão, essa verdade, até certo ponto banal, precisa ser lembrada. O caminho para tirar o país dessa situação é concentrar esforços naquilo que realmente interessa ao Brasil.
O que interessa ao Brasil é estimular o mercado interno, incentivar investimentos nos setores competitivos sem receio de ser acusado de nacionalista, criar empregos em larga escala e botar a economia para crescer.
Sugeri na semana passada, neste espaço, uma trégua na gritaria pela queda dos juros. Mas, permitam-me observar, sem levantar o tom de voz, que não há por que manter as taxas nos níveis atuais, num momento em que a inflação cai e a atividade econômica voltada para o mercado interno esfria a olhos vistos. No atacado, já houve dois meses de deflação seguidos. Em maio, os preços baixaram 1,68%.
Se ainda há inflação no varejo, também decrescente (em São Paulo, caiu de 2,13% em fevereiro para 0,28% agora), isso obviamente não decorre do excesso de demanda. Ao contrário, a demanda está em queda livre. É muito importante controlar a inflação, mas a manutenção do foco unicamente na busca de uma taxa inflacionária de Primeiro Mundo vai levar o país à recessão, ao desemprego e à pobreza ainda maior.
Poucos especialistas discordam da idéia de que o país, como qualquer outro do Terceiro Mundo, pode conviver com inflação de 10% ou até 12% ao ano. Manter os juros básicos absurdamente altos até que a inflação caia para 5% ou 6% é atitude arriscada em matéria de desenvolvimento.
Trabalhar pelo Brasil que interessa ao Brasil significa reconhecer, como em "Carandiru", a dura realidade do país e, assim, agir para modificá-la e para privilegiar empreendedores obstinados com expansão econômica e com criação de empregos.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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