|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
O Brasil interessa ao Brasil
BENJAMIN STEINBRUCH
Segunda-feira da semana
passada, 23h30. O policial militar empunha sua metralhadora
apontada para a cabeça do detento Dadá. Tudo indica que vai
fuzilá-lo à queima-roupa, mas recua e dá uma ordem:
"Antes que eu me arrependa,
sobe com essa fila aí. Sai da minha presença, que você vai pegar
o maior boi porque tem a cara do
meu filho mais velho!".
Não é uma cena real. Apenas
uma das últimas do filme "Carandiru", baseado no livro de
Drauzio Varella, sobre a famosa
Casa de Detenção de São Paulo,
felizmente já desativada e demolida.
"Carandiru", de Hector Babenco, representou o Brasil no 56º
Festival de Cannes e não recebeu
nenhuma premiação. Foi esculhambado pela crítica do festival
internacional e até pela do jornal
"Le Monde".
Danem-se Cannes e o "Le Monde". No Brasil, "Carandiru" é um
sucesso de bilheteria. Em plena
segunda-feira à noite, o cinema
do shopping Villa-Lobos, em São
Paulo, está quase lotado, com lugares apenas nas duas primeiras
filas. Em oito semanas de exibição, o filme já era recordista do
ano em público e renda, com 4,2
milhões de espectadores e bilheteria de quase R$ 27,5 milhões,
mais que o dobro do valor investido na produção. "Carandiru" repete e supera o sucesso de "Cidade
de Deus", filme de Fernando Meirelles, visto por 3,3 milhões de pessoas.
"Carandiru" e "Cidade de
Deus" são produtos de uma realidade terrível no Brasil. Seria melhor, é claro, que ela não existisse.
Mas, de qualquer forma, o sucesso dos filmes representa também
comprovação de uma verdade incontestável: o Brasil interessa ao
Brasil.
Num momento em que a economia brasileira está às portas da
recessão, essa verdade, até certo
ponto banal, precisa ser lembrada. O caminho para tirar o país
dessa situação é concentrar esforços naquilo que realmente interessa ao Brasil.
O que interessa ao Brasil é estimular o mercado interno, incentivar investimentos nos setores
competitivos sem receio de ser
acusado de nacionalista, criar
empregos em larga escala e botar
a economia para crescer.
Sugeri na semana passada, neste espaço, uma trégua na gritaria
pela queda dos juros. Mas, permitam-me observar, sem levantar o
tom de voz, que não há por que
manter as taxas nos níveis atuais,
num momento em que a inflação
cai e a atividade econômica voltada para o mercado interno esfria a olhos vistos. No atacado, já
houve dois meses de deflação seguidos. Em maio, os preços baixaram 1,68%.
Se ainda há inflação no varejo,
também decrescente (em São
Paulo, caiu de 2,13% em fevereiro
para 0,28% agora), isso obviamente não decorre do excesso de
demanda. Ao contrário, a demanda está em queda livre. É
muito importante controlar a inflação, mas a manutenção do foco
unicamente na busca de uma taxa inflacionária de Primeiro
Mundo vai levar o país à recessão,
ao desemprego e à pobreza ainda
maior.
Poucos especialistas discordam
da idéia de que o país, como qualquer outro do Terceiro Mundo,
pode conviver com inflação de
10% ou até 12% ao ano. Manter
os juros básicos absurdamente altos até que a inflação caia para
5% ou 6% é atitude arriscada em
matéria de desenvolvimento.
Trabalhar pelo Brasil que interessa ao Brasil significa reconhecer, como em "Carandiru", a dura realidade do país e, assim, agir
para modificá-la e para privilegiar empreendedores obstinados
com expansão econômica e com
criação de empregos.
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Crise no ar: Dona da Varig terá nova mudança Índice
|