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Renault e Nissan podem salvar a GM
Pesquisador norte-americano diz que empresa vai bem em alguns mercados, como a China, mas enfrenta problemas nos EUA
Para analista, o presidente da Renault, Carlos Ghosn, é o melhor executivo do setor no mundo e poderá ser útil
à GM, caso o acordo saia
JOSÉ AUGUSTO AMORIM
EDITOR-ASSISTENTE DE VEÍCULOS
Na sexta-feira, a Renault, a
Nissan e a General Motors
anunciaram que podem criar
uma aliança entre elas. Pelos
próximos 90 dias, uma vai estudar a outra com atenção e descobrir os benefícios que alcançariam. O acordo pode salvar a
GM, que perdeu US$ 10,6 bilhões no ano passado.
O presidente da aliança Renault-Nissan, o brasileiro Carlos Ghosn, e Rick Wagoner,
CEO da GM e ex-presidente da
filial brasileira, dizem-se ansiosos para seus times trabalharem juntos e explorarem idéias.
Para Michael Flynn, pesquisador das universidades da Califórnia em Berkeley e Doshisha (em Kyoto, Japão), a GM pode, sim, ser beneficiada, mas
precisa cuidado para não ser a
nova Chrysler, totalmente incorporada a uma empresa estrangeira. Leia, a seguir, trechos da entrevista que Flynn
concedeu à Folha por telefone.
FOLHA - O que o sr. acha do acordo
entre a GM, a Nissan e a Renault?
MICHAEL FLYNN - Ainda é difícil
saber, é preciso ver com muito
cuidado o que cada companhia
vai conseguir e qual será a instrução de governança.
FOLHA - Carlos Ghosn é o melhor
executivo do setor automobilístico?
FLYNN - Neste exato momento,
ele é o executivo líder do setor.
Ele fez um trabalho sólido na
Nissan no Japão, algo que pouquíssimas pessoas achavam
que ele conseguiria. No fim, ele
conseguiu espetacularmente.
Mas é cedo demais para falar
como ele se sairá na Renault.
FOLHA - No Brasil, a Renault nunca
teve lucro. Lançou o novo Mégane
Sedan, mas ainda os concorrentes
são preferidos. Qual o problema?
FLYNN - Só faz um ano que
Ghosn está na Renault [anunciou o plano de reestruturação
em fevereiro]. Não sei se será
uma recuperação espetacular
como a da Nissan, provavelmente não, mas se sairá bem.
FOLHA - Ele vai ser útil para a GM?
FLYNN - Tenho certeza que será
se chegarem a um acordo. Eu
ainda estou cético que isso vá
acontecer. A experiência, da
perspectiva americana, foi um
pouco traumática com a DaimlerChrysler. O sentimento é
que a fusão foi muito boa para a
Daimler e ruim para a Chrysler.
FOLHA - A aliança Renault-Nissan,
com uma tendo ações da outra, é a
melhor maneira de fusão ou uma
mesma montadora deve ser dona
de várias marcas, como a GM é?
FLYNN - Hoje, você deve ter
uma estrutura de gerenciamento integrada. Isso significa
que o modelo Renault-Nissan é
melhor do que criar divisões.
As companhias americanas tiveram esse problema.
FOLHA - Por que a GM não tem coragem suficiente para reconhecer
que uma divisão a está fazendo perder dinheiro e acaba com ela?
FLYNN - Internamente, é difícil.
Começaram a pensar no fim da
Oldsmobile nos anos 80. Por
causa de brigas políticas e compromisso com revendedores,
levaram 20 anos para isso.
FOLHA - O que a GM precisa fazer
para sair dessa crise?
FLYNN - A GM está indo bem
em algumas partes do mundo,
como na China. Eles não vão
bem em seu maior mercado, o
doméstico, onde continuam
perdendo participação. Ela
precisa produzir carros melhores. Ela tinha se concentrado
em picapes, mas, por causa do
preço do combustível, essa fatia
do mercado está caindo. E, antes, os japoneses não eram tão
competitivos quanto agora.
FOLHA - Mas a Ford F-150 continua
sendo o veículo mais vendido.
FLYNN - Sim.
FOLHA - Até quando?
FLYNN - Há duas alternativas.
Ou a GM e a Toyota criam picapes melhores ou, se as vendas
de picapes, utilitários esportivos e vans continuarem a cair,
haverá uma substituição por
carros. A melhor alternativa,
neste momento, seria o Toyota
Camry ou o Honda Accord.
FOLHA - Por que as fábricas asiáticas fazem tanto sucesso nos EUA?
FLYNN - As montadoras asiáticas não fazem tanto sucesso assim. Quatro são exitosas: Toyota, Honda, Nissan e Hyundai.
As outras japonesas têm 1% do
mercado. Em número de vendas, estão longe do sucesso.
FOLHA - Então por que as que fazem sucesso fazem sucesso?
FLYNN - Você precisa voltar à
primeira crise do petróleo,
quando os americanos ficaram
preocupados com o preço e a
disponibilidade de combustível
e começaram a comprar carros
pequenos. Eles preferiam os japoneses aos europeus.
FOLHA - Por quê?
FLYNN - Eles tinham preço e estilo mais atrativos. Quando as
pessoas dirigiam, viam que
eram bons. Oferecer produtos
confiáveis e de boa qualidade
sustentou as três montadoras.
FOLHA - O sr. acredita que a Toyota
vá ser a maior fabricante do mundo?
FLYNN - Há 40% de chance de
conseguir nos próximos cinco
anos. A Toyota está indo muito,
muito bem. Ela e a GM precisam roubar mercado das outras, e, enquanto a GM for competitiva, a Toyota terá trabalho.
FOLHA - A China é uma ameaça?
FLYNN - No longo prazo, sim.
Nos próximos quatro ou cinco,
provavelmente não será. Talvez alguns fornecedores sintam, mas não será uma ameaça
para a indústria do Brasil ou
dos EUA. A China precisa de
tempo para melhorar seu design para conquistar o mercado, e não tenho dúvidas de que
isso acontecerá. São necessários 15 ou 20 anos para que a
China se torne significante como a Coréia se tornou.
FOLHA - Os japoneses também tiveram problemas de qualidade
quando entraram nos EUA.
FLYNN - Isso aconteceu na década de 60, quando a Toyota
entrou nos EUA. A Nissan teve
mais sucesso. O que aconteceu
é que eles "decolaram" cedo
por causa da crise do petróleo.
Já estavam aqui e, ainda que tivessem uma má reputação,
venderam muito. Sem a crise
do petróleo, eu acho que o sucesso da Toyota e da Honda nos
EUA teria demorado mais.
FOLHA - Por que as fábricas européias não conseguem ir aos EUA?
FLYNN - Outra vez, você precisa
voltar à crise do petróleo. Acho
que as européias saíram daqui
não só porque as vendas eram
baixas mas também porque as
regulamentações ambientais
seriam muito caras para elas. A
Renault e a Peugeot saíram
com uma imagem muito ruim.
A Europa é um mercado muito
competitivo, o mais difícil de
ganhar dinheiro, e elas devem
defender o mercado doméstico.
FOLHA - A GM perdeu muito dinheiro pagando à Fiat em 2005?
FLYNN
- Os analistas americanos estimam que tenham sido
2 bilhões, mas o custo total
pode ter sido maior do que isso.
FOLHA - No entanto foi melhor
gastar todo esse dinheiro?
FLYNN - Provavelmente foi. A
Fiat foi uma distração. Eles
conseguiram alguns benefícios
na engenharia, mas não conseguiram muito e não parecia que
iam conseguir. Foi um acordo
mal concebido. A GM vai ser resistente a qualquer tipo de fusão ou muita aproximação com
a Renault e a Nissan porque viu
o que aconteceu com a
Chrysler, que, basicamente, é
propriedade de uma alemã.
FOLHA - É bom ter centros locais,
como a engenharia no Brasil ajudando a Daewoo, já que os carros
são parecidos aqui e na Coréia?
FLYNN - Desde que com cuidado, é uma boa idéia. O problema
de concentrar a engenharia é
que o que o Brasil está fazendo
só o Brasil poderá fazer, e, de
repente, a demanda sobe muito. Você se especializa tanto
que não pode trazer pessoas de
outras divisões, outros países.
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