São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 2006

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Renault e Nissan podem salvar a GM

Pesquisador norte-americano diz que empresa vai bem em alguns mercados, como a China, mas enfrenta problemas nos EUA

Para analista, o presidente da Renault, Carlos Ghosn, é o melhor executivo do setor no mundo e poderá ser útil à GM, caso o acordo saia

JOSÉ AUGUSTO AMORIM
EDITOR-ASSISTENTE DE VEÍCULOS

Na sexta-feira, a Renault, a Nissan e a General Motors anunciaram que podem criar uma aliança entre elas. Pelos próximos 90 dias, uma vai estudar a outra com atenção e descobrir os benefícios que alcançariam. O acordo pode salvar a GM, que perdeu US$ 10,6 bilhões no ano passado. O presidente da aliança Renault-Nissan, o brasileiro Carlos Ghosn, e Rick Wagoner, CEO da GM e ex-presidente da filial brasileira, dizem-se ansiosos para seus times trabalharem juntos e explorarem idéias. Para Michael Flynn, pesquisador das universidades da Califórnia em Berkeley e Doshisha (em Kyoto, Japão), a GM pode, sim, ser beneficiada, mas precisa cuidado para não ser a nova Chrysler, totalmente incorporada a uma empresa estrangeira. Leia, a seguir, trechos da entrevista que Flynn concedeu à Folha por telefone.  

FOLHA - O que o sr. acha do acordo entre a GM, a Nissan e a Renault?
MICHAEL FLYNN -
Ainda é difícil saber, é preciso ver com muito cuidado o que cada companhia vai conseguir e qual será a instrução de governança.

FOLHA - Carlos Ghosn é o melhor executivo do setor automobilístico?
FLYNN
- Neste exato momento, ele é o executivo líder do setor. Ele fez um trabalho sólido na Nissan no Japão, algo que pouquíssimas pessoas achavam que ele conseguiria. No fim, ele conseguiu espetacularmente. Mas é cedo demais para falar como ele se sairá na Renault.

FOLHA - No Brasil, a Renault nunca teve lucro. Lançou o novo Mégane Sedan, mas ainda os concorrentes são preferidos. Qual o problema?
FLYNN
- Só faz um ano que Ghosn está na Renault [anunciou o plano de reestruturação em fevereiro]. Não sei se será uma recuperação espetacular como a da Nissan, provavelmente não, mas se sairá bem.

FOLHA - Ele vai ser útil para a GM?
FLYNN
- Tenho certeza que será se chegarem a um acordo. Eu ainda estou cético que isso vá acontecer. A experiência, da perspectiva americana, foi um pouco traumática com a DaimlerChrysler. O sentimento é que a fusão foi muito boa para a Daimler e ruim para a Chrysler.

FOLHA - A aliança Renault-Nissan, com uma tendo ações da outra, é a melhor maneira de fusão ou uma mesma montadora deve ser dona de várias marcas, como a GM é?
FLYNN
- Hoje, você deve ter uma estrutura de gerenciamento integrada. Isso significa que o modelo Renault-Nissan é melhor do que criar divisões. As companhias americanas tiveram esse problema.

FOLHA - Por que a GM não tem coragem suficiente para reconhecer que uma divisão a está fazendo perder dinheiro e acaba com ela?
FLYNN
- Internamente, é difícil. Começaram a pensar no fim da Oldsmobile nos anos 80. Por causa de brigas políticas e compromisso com revendedores, levaram 20 anos para isso.

FOLHA - O que a GM precisa fazer para sair dessa crise?
FLYNN
- A GM está indo bem em algumas partes do mundo, como na China. Eles não vão bem em seu maior mercado, o doméstico, onde continuam perdendo participação. Ela precisa produzir carros melhores. Ela tinha se concentrado em picapes, mas, por causa do preço do combustível, essa fatia do mercado está caindo. E, antes, os japoneses não eram tão competitivos quanto agora.

FOLHA - Mas a Ford F-150 continua sendo o veículo mais vendido.
FLYNN
- Sim.

FOLHA - Até quando?
FLYNN
- Há duas alternativas. Ou a GM e a Toyota criam picapes melhores ou, se as vendas de picapes, utilitários esportivos e vans continuarem a cair, haverá uma substituição por carros. A melhor alternativa, neste momento, seria o Toyota Camry ou o Honda Accord.

FOLHA - Por que as fábricas asiáticas fazem tanto sucesso nos EUA?
FLYNN
- As montadoras asiáticas não fazem tanto sucesso assim. Quatro são exitosas: Toyota, Honda, Nissan e Hyundai. As outras japonesas têm 1% do mercado. Em número de vendas, estão longe do sucesso.

FOLHA - Então por que as que fazem sucesso fazem sucesso?
FLYNN
- Você precisa voltar à primeira crise do petróleo, quando os americanos ficaram preocupados com o preço e a disponibilidade de combustível e começaram a comprar carros pequenos. Eles preferiam os japoneses aos europeus.

FOLHA - Por quê?
FLYNN
- Eles tinham preço e estilo mais atrativos. Quando as pessoas dirigiam, viam que eram bons. Oferecer produtos confiáveis e de boa qualidade sustentou as três montadoras.

FOLHA - O sr. acredita que a Toyota vá ser a maior fabricante do mundo?
FLYNN
- Há 40% de chance de conseguir nos próximos cinco anos. A Toyota está indo muito, muito bem. Ela e a GM precisam roubar mercado das outras, e, enquanto a GM for competitiva, a Toyota terá trabalho.

FOLHA - A China é uma ameaça?
FLYNN
- No longo prazo, sim. Nos próximos quatro ou cinco, provavelmente não será. Talvez alguns fornecedores sintam, mas não será uma ameaça para a indústria do Brasil ou dos EUA. A China precisa de tempo para melhorar seu design para conquistar o mercado, e não tenho dúvidas de que isso acontecerá. São necessários 15 ou 20 anos para que a China se torne significante como a Coréia se tornou.

FOLHA - Os japoneses também tiveram problemas de qualidade quando entraram nos EUA.
FLYNN
- Isso aconteceu na década de 60, quando a Toyota entrou nos EUA. A Nissan teve mais sucesso. O que aconteceu é que eles "decolaram" cedo por causa da crise do petróleo. Já estavam aqui e, ainda que tivessem uma má reputação, venderam muito. Sem a crise do petróleo, eu acho que o sucesso da Toyota e da Honda nos EUA teria demorado mais.

FOLHA - Por que as fábricas européias não conseguem ir aos EUA?
FLYNN
- Outra vez, você precisa voltar à crise do petróleo. Acho que as européias saíram daqui não só porque as vendas eram baixas mas também porque as regulamentações ambientais seriam muito caras para elas. A Renault e a Peugeot saíram com uma imagem muito ruim. A Europa é um mercado muito competitivo, o mais difícil de ganhar dinheiro, e elas devem defender o mercado doméstico.

FOLHA - A GM perdeu muito dinheiro pagando à Fiat em 2005?
FLYNN
- Os analistas americanos estimam que tenham sido 2 bilhões, mas o custo total pode ter sido maior do que isso.

FOLHA - No entanto foi melhor gastar todo esse dinheiro?
FLYNN
- Provavelmente foi. A Fiat foi uma distração. Eles conseguiram alguns benefícios na engenharia, mas não conseguiram muito e não parecia que iam conseguir. Foi um acordo mal concebido. A GM vai ser resistente a qualquer tipo de fusão ou muita aproximação com a Renault e a Nissan porque viu o que aconteceu com a Chrysler, que, basicamente, é propriedade de uma alemã.

FOLHA - É bom ter centros locais, como a engenharia no Brasil ajudando a Daewoo, já que os carros são parecidos aqui e na Coréia?
FLYNN
- Desde que com cuidado, é uma boa idéia. O problema de concentrar a engenharia é que o que o Brasil está fazendo só o Brasil poderá fazer, e, de repente, a demanda sobe muito. Você se especializa tanto que não pode trazer pessoas de outras divisões, outros países.


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