São Paulo, Terça-feira, 17 de Agosto de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Mais vale um emprego na mão do que dois voando

BENJAMIN STEINBRUCH

No Brasil muito se fala em globalização, abertura econômica e fim de protecionismos como caminhos exclusivos e obrigatórios para a volta do desenvolvimento.
Alguma coisa, no entanto, está errada! Quando se viaja para o exterior e se está preocupado em aprender e entender o que está ocorrendo lá fora, nos países mais adiantados, não é nada disso que se vê, não é nada disso que se escuta, não é nada disso que se pratica.
Aqui estou na Europa em conversas com empresários, analistas, editores econômicos e só se fala em subsídios, protecionismo e fortalecimento dos mercados internos. Cada país, cada região, cada segmento, cada cidadão está preocupado com suas atividades, defendendo com valentia seus interesses. O que está acontecendo, então?
Acho que, no mínimo, estamos atrasados na visão do mundo moderno. A grande onda da "abertura total" já passou. Só continuam nessa os desinformados, os preguiçosos ou aqueles que falam uma coisa e praticam outra. A moda é a defesa dos mercados internos, o estímulo à produção local, a manutenção e, se possível, a criação de novos empregos. E, logicamente, um pouquinho de abertura que facilite a conquista de mercados externos, mas não abra as comportas para os que vêm de fora.
Estamos vivendo, aqui na Europa, duas economias: uma real, que tem vacas, novilhos, tomates, beterrabas, e outra que é complementar a essa, mas que só existe no papel. O fenômeno é o mesmo em Portugal, na Espanha, na França, na Inglaterra, na Alemanha e em outros países onde protecionismos e subsídios agrícolas crescem mais ao norte do que ao sul do continente. Em Portugal, por exemplo, o "certificado" da vaca que confere ao agricultor o direito ao subsídio, o "registro" do bezerro em até sete dias (que também confere subsídio), a autorização para o cultivo da beterraba e do tomate (para também conferir subsídio) são práticas corriqueiras. A preocupação maior não é com o aumento da produção, a redução de custos ou os ganhos de produtividade, e sim com o equilíbrio do mercado, administrando-se as relações para que não haja falta nem excessos. O preço da terra, o dos insumos, o custo da mão-de-obra são muito maiores do que os praticados no Brasil, mas a chance de exportarmos para cá, com base no nosso esforço de produzir mais, com qualidade superior e menor preço não existe! É ilusão. Nós só vamos exportar para valer para Portugal e outros países europeus quando houver desajuste na tal economia de papel. Só para ilustração: em Portugal o preço de uma vaca, na economia de papel (aquela que tem subsídios), é de R$ 1.800 + R$ 500 de subsídios por ano. E o preço com subsídio da desmama do novilho com seis meses, também na "economia de papel", é de R$ 1.000! A busca não é por quantidade, qualidade ou preço. O que se procura é o equilíbrio da oferta com a demanda sem muita instabilidade social.
Nós, no Brasil, estamos no jogo contrário, buscando, mesmo à custa de desajustes sociais, produzir quantidade para reduzir o preço, se possível mantendo a qualidade. Não tiramos partido da experiência de Portugal, tão fácil de decifrar. Nem do que ocorre no resto da Europa. Nem dos subsídios indiretos e das barreiras diretas que os Estados Unidos adotam para defender seus produtores.
É claro que na área agrícola essas práticas são as mais gritantes. Mas por outros caminhos o que se faz é a mesma coisa no que toca à mineração, à metalurgia, aos plásticos, aos produtos industrializados e semi-industrializados. Ou nas matérias-primas em que os países mais poderosos conduzem o balé da OMC (Organização Mundial de Comércio), criando punições para os que não baixam a cabeça para a abertura desordenada. Punições, aliás, que nunca recaem sobre as economias poderosas, que criam e administram as próprias regras da globalização.
Continuamos aqui deixando nosso mercado doméstico e os nossos empregos abandonados, em segundo plano, em busca de uma coisa que não vamos encontrar: o mercado livre internacional. Esquecidos de que mais valem os nossos empregos, o nosso mercado interno, a nossa produção na mão do que o mundo voando!


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce. E-mail: bvictoria@psi.com.br

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