São Paulo, Terça-feira, 17 de Agosto de 1999
Texto Anterior | Índice

AVIAÇÃO
Diretor do órgão diz que legislação não impediria concentração decorrente de falência ou associação
Lei não restringe fusão no ar, diz DAC

ISABEL CLEMENTE
da Sucursal do Rio

A concentração do mercado nacional de empresas aéreas nas mãos de uma companhia não será impedida pela lei, se isso acontecer em decorrência da falência ou da associação de empresas menores. O cenário descrito é uma das possibilidades consideradas viáveis pelo DAC (Departamento de Aviação Civil), órgão responsável pela fiscalização do ramo.
Qualquer eventual associação de empresas no país, bem como a formação de um consórcio para operar vôos internacionais, dependem do aval do DAC.
O diretor-geral do órgão, o tenente-brigadeiro Marcos Antônio de Oliveira, 61, diz que os usuários não seriam prejudicados se as atuais grandes companhias -Varig, Vasp, Transbrasil e TAM- se reduzissem a duas.
Sobre a concentração do mercado, o brigadeiro explica: a portaria do antigo Ministério da Aeronáutica sobre o tema dá uma brecha ao considerar que, "em princípio", a participação de uma companhia no mercado não deve superar 50%.
Em entrevista à Folha, o brigadeiro comentou ainda a discussão sobre a participação de grupos estrangeiros no capital de companhias aéreas nacionais -tese da qual discorda.

Folha - Como o DAC chegou aos 2,9% como sugestão de reajuste das tarifas aéreas (proposta encaminhada ao Ministério da Fazenda)?
Marcos Antônio de Oliveira -
Medimos o impacto da alta do combustível e da variação cambial na estrutura de custos das empresas. O peso aproximado do combustível é de 15%. Elas realmente precisam de um realinhamento de 2,9%.

Folha - Essa recuperação não passaria antes pelo enxugamento de custos?
Oliveira -
Isso é muito claro. Na pior das hipóteses, para sobreviver, as empresas têm que equilibrar despesas e receitas. Como é difícil manipular a demanda, têm que mexer nas ofertas e nos custos. É a tarefa que mais dói, porque treinar uma tripulação custa dinheiro e enxugamento sempre passa por corte de pessoal. Outra forma é economizar em tudo, até em lanche de bordo.

Folha - A guerra tarifária deflagrada em 98 foi um erro?
Oliveira -
Pode não ter sido um erro, mas um excesso de audácia das empresas num momento em que viviam crise aguda. Estão todos conscientes de que não foi bom fazer aquela guerra de tarifas. Elas estão agora se ajustando. Várias companhias suspenderam linhas para retomá-las num momento de demanda maior. O cancelamento das promoções faz parte desse momento em que estamos vendo impactos diversos nos insumos da aviação.

Folha - Uma das hipóteses cogitadas pelos próprios executivos do ramo e o governo para fortalecer as empresas é reduzir o número de companhias operando em rotas internacionais, com o fim da sobreposição de vôos oferecidos por elas. O DAC está incentivando isso?
Oliveira -
O DAC, na CLA (Comissão de Linhas Aéreas, da qual as empresas participam), tem mostrado aos empresários os fatores envolvidos nos pedidos de linhas. Hoje, na realidade, as empresas estão encolhendo. O ajuste de rotas será feito pelo mercado. O Estado não deve intervir nesse assunto além das questões que envolvem a proteção do usuário.
Imagino que todos os empresários já tenham feito suas avaliações sobre qual o melhor empreendimento para eles, se é comprar, vender ou se fundir. O mercado está com disposição para discutir o assunto. Pena que pouco se fale sobre as outras 19 empresas de transporte regular do país. São companhias nacionais, autorizadas a voar, que, embora não tenham uma participação tão expressiva, são importantes para manter o regime de competição.

Folha - A portaria que limita a 50% a participação de uma companhia no mercado nacional não restringe as associações (só a Varig tem mais de 46% do mercado nacional, diz o DAC)?
Oliveira -
O próprio DAC está analisando como ficaria o mercado com três empresas ou com duas. E a conclusão é que não muda nada para o usuário. Vamos supor o seguinte: temos quatro grandes companhias, aí três resolvem diminuir suas ofertas até o ponto em que a outra sozinha, dona de 35% do mercado, por exemplo, cresça para mais de 60%. Não podemos obrigar essa que não reduziu a encolher. Por isso que a portaria diz que a participação de uma empresa ou de uma associação na oferta autorizada não deverá ser, em princípio, superior a 50%, porque pode acontecer isso que estou dizendo.
Outra situação: três empresas decretam falência. Uma vai ficar com 100% do mercado. Quem é que quer colocar o seu dinheiro lá para evitar falências? Temos que criar condições de as empresas se fortalecerem. Não podemos, de maneira nenhuma, imaginar que se deve fazer benesse com o dinheiro público para salvar empresas privadas, ainda que seja um setor estratégico. O governo tem é a obrigação de criar as condições. Se as empresas aéreas vão tomar empréstimos no BNDES, têm que chegar lá como outra qualquer e dar ativos em garantias.

Folha - Aumentar as passagens não vai excluir os passageiros conquistados pela guerra tarifária?
Oliveira -
Se as empresas estão se aproximando das tarifas cheias, é porque elas concluíram que o passageiro que voa neste período do ano em determinadas rotas pagará a passagem com ou sem promoção. As promoções podem ser retomadas depois. Por exemplo, eu não tenho como viajar agora com a minha família, mas o empresário tem que viajar. Se o usuário paga de qualquer forma, por que fazer promoção?

Folha - O limite para a participação de grupos estrangeiros no capital das empresas nacionais é, para muitos empresários, uma restrição a possíveis parcerias estratégicas. O DAC é contra aumentar essa participação?
Oliveira -
O funcionário público só tem a obrigação de cumprir a lei e a lei hoje determina que 20% é o máximo. No mercado internacional, a participação estrangeira em empresas de aviação nunca passa de 25%. Estamos alinhados. Além do mais, esse tipo de investimento aqui encontra vários obstáculos, como lucro limitado e impostos elevados. Pode não ser negócio um investidor estrangeiro comprar demais de uma companhia nacional.

Folha - O raciocínio pode ser o inverso: o estrangeiro não entra porque teria nenhum ou muito pouco direito de voto.
Oliveira -
É investimento de muito risco.

Folha - Mas é um investimento na economia real, não é uma especulação. O empresário pode achar que o negócio vai mal por estar mal dirigido.
Oliveira -
Você tem razão, em parte. O simples direito de manipular as empresas na situação atual em que elas estão operaria um milagre? A quantidade de dinheiro para conseguir a posição de mando valeria a pena? As empresas grandes que podem fazer isso, como as norte-americanas, não estão muito interessadas no mercado brasileiro.

Folha - Hoje há grupos estrangeiros entrando nos mais variados setores ditos estratégicos da economia. Telecomunicações, por exemplo. O ramo não é mais do governo nem está totalmente nas mãos de empresários brasileiros.
Oliveira -
Mas há muita controvérsia em relação à privatização das nossas empresas. Existem pessoas que simplesmente não toleram o fato de ter visto banco brasileiro dando empréstimo para estrangeiros comprar nosso patrimônio. Vamos falar de uma empresa vitoriosa, que é a Embraer. O processo de privatização não vendeu um centavo para o capital estrangeiro. Conseguimos manter um controle relativo sobre a empresa, que vai muito bem no mercado internacional.



Texto Anterior: Mercado financeiro: Pouca oferta empurra o dólar a R$ 1,883
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.