São Paulo, sexta-feira, 17 de setembro de 2004

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LUÍS NASSIF

O nacionalismo e a segurança

Nos EUA, uma pequena empresa de tecnologia conseguiu desenvolver um identificador eletrônico de impressão digital. Imediatamente, conquistou uma encomenda de US$ 1 milhão do Pentágono.
No Brasil, a pequena Griaule -empresa incubada na Unicamp- desenvolveu um sistema de identificação digital em larga escala, que foi considerado o oitavo melhor do mundo pelo Nist (uma espécie de Inmetro ampliado dos EUA). Foram 30 dias de processamento contínuo nos Estados Unidos, com um sistema de "clusters" cedido pela Itautec.
O que ela ganhou? Nada. A Polícia Federal adquiriu por US$ 39 milhões um sistema francês de identificação digital. Era o módulo inicial, que permite armazenar apenas 5 milhões de digitais. Se quiser estender para o país inteiro, serão mais US$ 500 milhões. Depois da saída de Luiz Eduardo Soares do Ministério da Justiça, há uma orientação para que as polícias de todos os Estados adquiram a solução francesa. É um pálido exemplo da falta de sintonia entre as políticas industriais do governo e a falta de definição para o sistema de compras e de financiamento.
A Griaule começou seu negócio com um financiamento de R$ 80 mil da Finep -que saiu após dois anos de análise. Desenvolvido o sistema, conseguiu entrar em alguns Estados e vender para empresas privadas. Todo o sistema de identificação digital do Poupatempo é dela, assim como os sistemas de Tocantins e de outros Estados.
Quando a Polícia Federal abriu a licitação, o sistema nem sequer foi considerado. Queria-se um sistema de Primeiro Mundo. Aí a empresa aproveitou uma ida a Washington, em um evento com o Nist, e apresentou o produto para certificação no FBI. O órgão solicitou os testes ao Nist, e a empresa foi habilitada a fornecer ao FBI. Nem isso demoveu a PF de sua decisão. A encomenda piloto da PF está sendo transformada, agora, em uma compra quase obrigatória para que as polícias estaduais se integrem ao sistema de segurança único pensado. Todo o sistema de identificação nacional estará dependendo de tecnologia externa.
Como é que se faz? Se se consegue o produto inovador, não há capital de giro. O financiamento para pesquisas ou está disponível para a academia ou para grandes empresas. Adota-se um modelo invertido do poder de compra do Estado. Nos EUA, há uma política para aquisição preferencial de pequenas empresas sediadas no país. No Brasil, a opção é pelo "Primeiro Mundo", independentemente da análise técnica dos sistemas nacionais.
O nacionalismo não consiste apenas em paradas militares. Há que implementar uma política de compras efetiva. Para evitar o uso de licitações de sistemas para jogadas -como tem ocorrido com freqüência em quase todos os níveis de governo-, poderia se criar um sistema de certificação, tipo do Nist, a ser aplicado pelo Inmetro. E as empresas nacionais certificadas não poderiam ser alijadas de licitações públicas.
O próprio presidente da República compareceu à solenidade em que a PF inaugurou seu equipamento francês -certamente por falta de informação. Mas é uma prova de que o nacionalismo ainda é uma posição muito mais retórica do que efetiva.

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Luisnassif@uol.com.br


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