São Paulo, sexta-feira, 17 de setembro de 2004

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Comércio livre não resolve sem reformas, diz OMC

ALAN BEATTIE
FRANCES WILLIAMS
DO "FINANCIAL TIMES"

Os governos não colherão os benefícios da liberalização comercial caso não administrem bem os demais setores de suas economias, de acordo com a principal publicação anual da OMC (Organização Mundial do Comércio).
O Relatório Mundial de Comércio 2004, divulgado ontem, argumenta que boas políticas macroeconômicas, infra-estrutura confiável e um mercado doméstico funcional são necessários para que os países concretizem os ganhos de eficiência econômica possibilitados pela redução das barreiras comerciais.
O relatório reflete a frustração da OMC quanto ao fato de que a liberalização comercial seja muitas vezes alardeada como uma panacéia para a pobreza e o crescimento lento, em vez de ser parte integrante de um processo mais amplo de reformas.
"Não podemos deixar que as pessoas acreditem que o comércio é a única coisa capaz de ajudar a aliviar a pobreza", disse Supachai Panitchpakdi, diretor-geral da OMC. Se as Metas do Milênio, que incluem a redução da pobreza, não forem atingidas até a data-limite, 2015, "espero [...] que essas pessoas não venham a nos acusar", afirmou Panitchpakdi.
O relatório aponta que, em muitos dos países em desenvolvimento, o aumento nos custos do comércio gerado por estradas inadequadas, portos ineficientes e burocracia sufocante excede o efeito das barreiras tarifárias vigentes. Os países africanos têm os mais elevados custos de frete do mundo, cerca de duas vezes superiores à média internacional.
A organização argumentou igualmente que, embora a cooperação internacional pudesse ser útil no que tange à remoção das barreiras comerciais, não fazia muito sentido levar adiante os esforços multilaterais quando os diferentes países discordavam fortemente quanto aos prováveis desfechos. "Nem sempre é verdade que, no plano internacional, mais cooperação seja melhor do que menos cooperação."
Questionado sobre a ameaça das atitudes supostamente protecionistas de John Kerry, o candidato democrata à presidência dos EUA, Panitchpakdi disse que os benefícios do comércio externo tinham amplo apoio entre os dois grandes partidos americanos. "As pessoas usam todo tipo de retórica em suas campanhas, mas, quando se elegem, é preciso respeitar as regras do jogo."
A Unctad, principal organização de promoção do desenvolvimento na ONU, disse que os mercados de capital liberalizados haviam prejudicado a competitividade de muitos países em desenvolvimento, ao alimentar instabilidade nas taxas de juros e desencorajar o investimento produtivo.
Embora alguns países em desenvolvimento, especialmente a China, tenham conseguido administrar com sucesso as taxas de câmbio, a fim de estimular o desempenho comercial, o relatório diz que não é viável para a maioria das nações e que existe o risco de uma espiral competitiva de desvalorizações, que seria muito prejudicial. "As tentativas de muitos países para manter suas moedas subvalorizadas podem terminar em uma corrida rumo ao fundo, tão prejudicial para as economias mundiais quanto a que aconteceu nos anos 30", alerta o relatório.
Apontando que a necessidade de evitar desvalorizações competitivas foi o principal motivo para a criação do FMI, nos anos 40, a Unctad disse que "arranjos multilaterais ou até mundiais são claramente a melhor solução para esse tipo de problema".
O ceticismo do relatório quanto aos benefícios da liberalização comercial caso não haja reformas complementares foi um ponto igualmente enfatizado em um estudo do Banco Mundial em 2003, em relação à experiência mexicana com o Nafta. O estudo alega que o México se beneficiou apenas modestamente do acordo.


Tradução de Paulo Migliacci


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