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Comércio livre não resolve sem reformas, diz OMC
ALAN BEATTIE
FRANCES WILLIAMS
DO "FINANCIAL TIMES"
Os governos não colherão os benefícios da liberalização comercial caso não administrem bem os
demais setores de suas economias, de acordo com a principal
publicação anual da OMC (Organização Mundial do Comércio).
O Relatório Mundial de Comércio 2004, divulgado ontem, argumenta que boas políticas macroeconômicas, infra-estrutura confiável e um mercado doméstico
funcional são necessários para
que os países concretizem os ganhos de eficiência econômica
possibilitados pela redução das
barreiras comerciais.
O relatório reflete a frustração
da OMC quanto ao fato de que a
liberalização comercial seja muitas vezes alardeada como uma panacéia para a pobreza e o crescimento lento, em vez de ser parte
integrante de um processo mais
amplo de reformas.
"Não podemos deixar que as
pessoas acreditem que o comércio é a única coisa capaz de ajudar
a aliviar a pobreza", disse Supachai Panitchpakdi, diretor-geral
da OMC. Se as Metas do Milênio,
que incluem a redução da pobreza, não forem atingidas até a data-limite, 2015, "espero [...] que essas
pessoas não venham a nos acusar", afirmou Panitchpakdi.
O relatório aponta que, em muitos dos países em desenvolvimento, o aumento nos custos do comércio gerado por estradas inadequadas, portos ineficientes e
burocracia sufocante excede o
efeito das barreiras tarifárias vigentes. Os países africanos têm os
mais elevados custos de frete do
mundo, cerca de duas vezes superiores à média internacional.
A organização argumentou
igualmente que, embora a cooperação internacional pudesse ser
útil no que tange à remoção das
barreiras comerciais, não fazia
muito sentido levar adiante os esforços multilaterais quando os diferentes países discordavam fortemente quanto aos prováveis
desfechos. "Nem sempre é verdade que, no plano internacional,
mais cooperação seja melhor do
que menos cooperação."
Questionado sobre a ameaça
das atitudes supostamente protecionistas de John Kerry, o candidato democrata à presidência dos
EUA, Panitchpakdi disse que os
benefícios do comércio externo
tinham amplo apoio entre os dois
grandes partidos americanos. "As
pessoas usam todo tipo de retórica em suas campanhas, mas,
quando se elegem, é preciso respeitar as regras do jogo."
A Unctad, principal organização de promoção do desenvolvimento na ONU, disse que os mercados de capital liberalizados haviam prejudicado a competitividade de muitos países em desenvolvimento, ao alimentar instabilidade nas taxas de juros e desencorajar o investimento produtivo.
Embora alguns países em desenvolvimento, especialmente a
China, tenham conseguido administrar com sucesso as taxas de
câmbio, a fim de estimular o desempenho comercial, o relatório
diz que não é viável para a maioria
das nações e que existe o risco de
uma espiral competitiva de desvalorizações, que seria muito prejudicial. "As tentativas de muitos
países para manter suas moedas
subvalorizadas podem terminar
em uma corrida rumo ao fundo,
tão prejudicial para as economias
mundiais quanto a que aconteceu
nos anos 30", alerta o relatório.
Apontando que a necessidade
de evitar desvalorizações competitivas foi o principal motivo para
a criação do FMI, nos anos 40, a
Unctad disse que "arranjos multilaterais ou até mundiais são claramente a melhor solução para esse
tipo de problema".
O ceticismo do relatório quanto
aos benefícios da liberalização comercial caso não haja reformas
complementares foi um ponto
igualmente enfatizado em um estudo do Banco Mundial em 2003,
em relação à experiência mexicana com o Nafta. O estudo alega
que o México se beneficiou apenas modestamente do acordo.
Tradução de Paulo Migliacci
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