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No futuro, Wall Street terá papel menor
Analistas e banqueiros vêem fim de "superbolha" de crédito que durou 30 anos e da "era dourada" do setor financeiro
Crise atual deve reduzir número de bancos de investimento, que precisarão de base maior
de capital para operar
LOUISE STORY
EDMUND L. ANDREWS
DO "NEW YORK TIMES"
A velha Wall Street está
abrindo caminho a uma nova.
Enquanto reacomodações
tectônicas no setor financeiro
americano abalam os mercados
mundiais, muitos especialistas
prevêem que os eventos das 72
horas anteriores prenunciavam um período de dolorosas
mudanças em Wall Street.
As previsões são desanimadoras. Os bancos de investimento serão menores. Seus lucros, mais magros. Os empregos no setor financeiro escassearão. E a dimensão desproporcional que Wall Street veio a
assumir na economia do país
encolherá.
Esse é o caso extremo. Mas
enquanto os investidores tentavam compreender a queda
abrupta de duas das mais poderosas empresas de Wall Street
-o Lehman Brothers, que entrou em colapso, e o Merrill
Lynch, que correu a fechar um
acordo de fusão com o Bank of
America-, até mesmo os otimistas diziam que o futuro
imediato seria difícil. Henry
Paulson, o secretário do Tesouro, e o Federal Reserve (Fed, o
banco central dos Estados Unidos) estão preparando o terreno para que os poucos sobreviventes vigorosos liderem a recuperação do setor, mas permitirão que as empresas mais fracas desabem ou sejam engolidas por rivais.
"Tivemos uma era dourada
para os serviços financeiros e
bancários", disse Kenneth Lewis, presidente-executivo do
Bank of America. "As coisas serão mais difíceis agora. Haverá
menos empresas, e teremos de
ser melhores no que fazemos".
Há um debate acalorado sobre o que o futuro reserva a
Wall Street agora que apenas
dois dos grandes bancos de investimento dos EUA, Goldman
Sachs e Morgan Stanley, se
mantêm independentes. Embora Wall Street já tenha passado por momentos difíceis no
passado e saído deles ainda
maior e mais forte, há quem
questione a capacidade do setor para se recuperar rapidamente, depois de utilizar altos
níveis de alavancagem, ou dinheiro emprestado, para apostar de maneira exagerada em
investimentos de risco. Esses
investimentos se provaram desastrosos. Em todo o mundo,
companhias do setor financeiro reportam mais de US$ 500
bilhões em provisões para perdas e prejuízos associados à crise de crédito, e alguns especialistas acreditam que esse total
possa passar de US$ 1 trilhão.
Decisões equivocadas no
mercado de hipotecas custaram à Merrill Lynch, corretora
cujo nome é sinônimo de Wall
Street para muitas pessoas comuns, mais de US$ 45 bilhões
em prejuízo no ano passado. A
venda do grupo pode representar mais um passo na direção de
uma consolidação mais ampla.
"Em nosso negócio, estamos
todos condicionados a ciclos e
crises, e também estamos condicionados a recuperações relativamente rápidas dos mercados, porque a crise pode ser
identificada e mensurada", disse Donald Marron, presidente-executivo do Lightyear Capital.
"O que é diferente desta vez é
que não se pode fazer qualquer
das duas coisas."
A união entre o Bank of America e o Merrill Lynch em certo
sentido representa um recuo
ao passado. Durante a Depressão, o Congresso separou os
bancos comerciais, que aceitam depósitos e fazem empréstimos, dos bancos de investimento, que subscrevem emissões e negociam títulos.
Os
bancos de investimento tinham autorização para operar
com menos fiscalização, enquanto os bancos comerciais
eram mais acompanhados pelas autoridades.
Mas, depois que o Congresso
revogou as leis da era da Depressão, em 1999, bancos comerciais começaram a invadir
o território de Wall Street. E à
medida que os novos concorrentes geravam uma redução
nas margens de lucros, os bancos de investimento começaram a usar mais de seu capital
para negociar títulos, e a desenvolver mais derivativos financeiros para reforçar os lucros.
Agora, executivos como John
Thain, presidente-executivo do
Merrill Lynch e ex-executivo
do Goldman Sachs, dizem que
os bancos de investimento precisarão de bases de depósitos
vultosas a fim de escorar seu
capital em momentos de crise.
"No futuro, o tamanho importará mais e mais", disse Thain.
Paulson disse a executivos de
Wall Street que não está satisfeito com a redução no número
de bancos de investimento, ainda que a empresa que ele presidia, o Goldman Sachs, seja um
dos dois grandes que podem se
beneficiar da reacomodação no
setor. Paulson afirmou que
uma maior consolidação em
Wall Street poderia elevar o
grau de risco no sistema financeiro, porque os riscos estarão
concentrados em um número
menor de empresas. Mas funcionários do Tesouro crêem
que esse risco ainda assim represente o mal menor, caso a
alternativa seja intervir para
impedir o colapso de empresas
em crise.
Enquanto isso, o Federal Reserve vem expandindo seus canais extra-oficiais de financiamento para aquilo que, esperam seus dirigentes, seja uma
reacomodação ordeira de Wall
Street. Mas o Fed e, em última
análise, os contribuintes poderiam arcar com o custo.
O que parece estar claro para
quase todos em Wall Street é
que a era de lucros operacionais imensos e de transações
bancadas por endividamento
elevado dos bancos é coisa do
passado, ao menos por ora. Isso
vai restringir os lucros de todo
o setor por algum tempo. No
exato momento em que os
americanos encontram dificuldades para reformar suas casas
ou comprar um carro novo, os
maiores protagonistas do mercado de Wall Street se vêem
forçados a conter as somas que
captam de empréstimo.
Wall Street sempre usou dinheiro alheio para reforçar
seus lucros, mas nos últimos
anos o uso de dinheiro emprestado cresceu de maneira explosiva. Os instrumentos do mercado de crédito do setor financeiro cresceram em mais de
150% nos últimos dez anos e
atingiram o total de US$ 15 trilhões no ano passado, de acordo com a Economy.com, do
grupo Moody's, crescendo a um
ritmo duas vezes mais forte que
o da economia mais ampla.
Em seu pico, no ano passado,
os bancos de investimento tomaram de empréstimo em média US$ 32 para cada dólar que
detinham em ativos, de acordo
com pesquisas da Ladenburg
Thalmann. Os empréstimos
ajudaram o setor a registrar lucros recordes, contratar mais
pessoal e pagar bonificações espantosas. E reforçou as ações
financeiras, fazendo delas o
mais forte segmento no índice
S&P 500 de 2001 até o segundo
trimestre deste ano.
"Trata-se de uma bolha nos
serviços financeiros que se provou bastante semelhante a todas as demais bolhas", disse
Olivier Sarkozy, diretor de investimento em serviços financeiros do Carlyle Group, uma
empresa de capital privado.
As empresas de Wall Street já
estão reduzindo seu nível de
endividamento, e as autoridades regulatórias devem criar
novas regras quanto a endividamento, liquidez e níveis de
capitalização. As novas regras,
caso sejam severas, podem forçar Goldman Sachs e Morgan
Stanley a fusões com bancos
que contem com uma base de
depósitos, o que representa
uma fonte firme de capital e
uma proteção contra colapsos.
Os veteranos de Wall Street
estão divididos quanto às dimensões dos problemas do setor. Alguns apontam que Wall
Street tende a passar por uma
desaceleração ou crise aberta a
cada quatro ou cinco anos, e
que em geral se recupera rapidamente. Mas outros argumentam que aquilo que está
acontecendo agora marca o final de uma "superbolha" de
crédito que durou 30 anos e
afetou o setor financeiro tanto
quanto aos consumidores.
Qualquer que venha a ser o
caso, o setor financeiro parece
conformado com a idéia de que
os salários e os lucros serão
mais baixos para todos. "Já que
não podem tomar dinheiro emprestado, terão de promover
cortes", disse Peter Solomon,
presidente do banco de investimento independente que porta
seu nome. "E esses cortes envolverão demissões".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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