São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2008

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ARTIGO

O fim das finanças pouco regulamentadas

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

SÃO TEMPOS dramáticos. Na segunda-feira desta semana, três dos principais bancos de investimentos de Wall Street -Bear Stearns, Lehman e Merrill Lynch- tinham desaparecido como entidades independentes. O grupo de seguros AIG está em sérias dificuldades. O que era, até recentemente, o bravo e novo sistema financeiro dos EUA está se fundindo diante de nossos olhos. O que deu errado? O pior já passou? Quais são as lições para as instituições financeiras? Quais são as lições para os governos? Aqui estão minhas respostas atuais.
O que deu errado? A resposta curta é: Hyman Minsky, da obra-prima "Stabilizing an Unstable Economy" [Estabilizando uma Economia Instável], tinha razão. Um longo período de crescimento rápido, baixa inflação, baixas taxas de juros e estabilidade macroeconômica gerou complacência e aumentou a disposição a assumir riscos. A estabilidade levou à instabilidade.
A securitização inovadora, o financiamento fora dos balanços foram uma grande parte da história. Como Minsky advertiu, a fé indevida em mercados desregulamentados se revelou uma armadilha. É o progresso indevido desfrutado pelos EUA e pelos países da Europa na última década.
O pior já passou? Certamente não. Reverter excessos de tal escala envolve quatro processos gigantescos: a queda dos preços inflados dos ativos a um nível sustentável; a desalavancagem do setor privado; o reconhecimento dos prejuízos resultantes para o setor financeiro; e a recapitalização do sistema financeiro. Para piorar tudo isso, haverá o colapso da demanda do setor privado, conforme o crédito encolhe e a riqueza diminui.
Nenhum desses processos não está nem sequer perto de terminado. Alguns deles mal começaram. Em particular, os preços das propriedades continuam caindo, mesmo nos EUA. De maneira semelhante, o ajuste na economia real, especialmente os inevitáveis aumentos dos índices de poupança familiar nos EUA e no Reino Unido, estão em uma fase incipiente.
Como os resultados são incertos, o medo é generalizado.
A maior questão é se haverá necessidade de resgates pilotados pelo governo dos sistemas financeiros descapitalizados.
Isso está parecendo cada vez mais provável hoje. No mundo atual, os governos socorrem essas economias abaladas de quatro maneiras: oferecem liquidez generosa de última hora, via bancos centrais; assumem enormes déficits fiscais, para compensar a passagem do setor privado para superávit financeiro; substituem a dívida pública por dívida privada, para recapitalizar os sistemas financeiros descapitalizados (muitas vezes depois de uma nacionalização); e podem adotar uma erosão inflacionária no valor da dívida privada (e pública). Tudo isso é provável hoje, incluindo, infelizmente, a última
Quais são, então, as lições para as instituições financeiras?
As portas do estábulo estão sendo fechadas depois que os cavalos fugiram. O Instituto para Finanças Internacionais, por exemplo, produziu um excelente relatório sobre as coisas que a indústria financeira deve fazer (ou deveria ter feito).
Esse relatório se concentra, adequadamente, na administração de riscos (que foi um desastre), na compensação (que foi grotescamente irresponsável), no modelo de originar e distribuir (que estava cheio de irresponsabilidade e fraude) e assim por diante.
Sem dúvida as pessoas escaldadas por esta crise vão levar a sério esses conselhos, por algum tempo. Mas daqui a alguns anos -20, se tivermos sorte, menos de 10, se os estragos forem contidos pelas autoridades- serão águas passadas. Nos sistemas financeiros desregulamentados as crises são inevitáveis, como terremotos em uma área de falha. Só o momento é incerto.
Quais, afinal, são as implicações para os governos hoje? As perguntas são duas: como reestruturar o regulamento para o longo prazo? E quanto de suas ferramentas para crises devem usar agora?
Meu colega John Kay diz que a regulamentação deve ser restrita. Seu argumento se baseia em duas propostas: primeiro, o sistema de pagamentos é a principal função de utilidade financeira; e, segundo, os reguladores não podem prever com sucesso as decisões de enormes instituições dirigidas por pessoas mais bem pagas e mais motivadas que eles próprios.
Kay afirma que os governos nem sequer deveriam fingir que podem estabilizar o sistema financeiro. Em vez disso, precisam tentar "isolar a economia real das conseqüências da instabilidade financeira". O último, ele sugere, pode ser obtido garantindo os pequenos depósitos, criando um regime especial de resoluções para os bancos e tornando o esquema de seguro de depósitos um credor preferido.
Acho a posição de Kay ao mesmo tempo atraente e irreal.
Um motivo importante para essa última opinião é que os governos definem adequadamente a provisão para intermediação financeira e seguro como funções de utilidade essenciais na economia moderna. Outra é que é impossível proteger a economia real de uma ruptura do sistema de crédito. Por isso os governos não podem prometer com credibilidade lavar as mãos em um colapso financeiro. Essa é a lição de pelo menos meio século de história.
Uma maior regulamentação é inevitável, infelizmente, mesmo que condenada a ser imperfeita. Dois passos devem ser dados. Um é procurar regras simples para melhorar a operação do sistema como um todo, sendo óbvia a exigência de capitais contracíclicos. O outro passo, muito mais polêmico, é uma mudança na psicologia da supervisão que se afaste da tese de que as instituições sabem o que estão fazendo. Em particular, deve-se dar muito mais atenção ao comportamento que parece racional para cada instituição, mas não pode ser racional se todas participarem dele ao mesmo tempo. Por exemplo, financiar bolhas de preços da habitação com empréstimos equivalentes a 100% do valor mal avaliado, porque os preços sempre sobem.
Hoje, porém, as autoridades também devem se perguntar se o que elas estão fazendo tornará o sistema mais seguro quando a crise passar. Por esses padrões, a decisão de não salvar o Lehman pareceu certa. Mas também foi arriscada, porque temos de superar a crise. Esperemos que a decisão seja uma parte da solução, e não um agravamento. Eu não apostaria nesse resultado benigno.


Tradução de LUIZ ROBERTO M. GONÇALVES


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