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ARTIGO
O fim das finanças pouco regulamentadas
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
SÃO TEMPOS dramáticos.
Na segunda-feira desta
semana, três dos principais bancos de investimentos
de Wall Street -Bear Stearns,
Lehman e Merrill Lynch- tinham desaparecido como entidades independentes. O grupo
de seguros AIG está em sérias
dificuldades. O que era, até recentemente, o bravo e novo sistema financeiro dos EUA está
se fundindo diante de nossos
olhos. O que deu errado? O pior
já passou? Quais são as lições
para as instituições financeiras? Quais são as lições para os
governos? Aqui estão minhas
respostas atuais.
O que deu errado? A resposta
curta é: Hyman Minsky, da
obra-prima "Stabilizing an
Unstable Economy" [Estabilizando uma Economia Instável], tinha razão. Um longo período de crescimento rápido,
baixa inflação, baixas taxas de
juros e estabilidade macroeconômica gerou complacência e
aumentou a disposição a assumir riscos. A estabilidade levou
à instabilidade.
A securitização inovadora,
o financiamento fora dos balanços foram uma grande parte
da história. Como Minsky advertiu, a fé indevida em mercados desregulamentados se revelou uma armadilha. É o progresso indevido desfrutado pelos EUA e pelos países da Europa na última década.
O pior já passou? Certamente não. Reverter excessos de tal
escala envolve quatro processos gigantescos: a queda dos
preços inflados dos ativos a um
nível sustentável; a desalavancagem do setor privado; o reconhecimento dos prejuízos resultantes para o setor financeiro; e a recapitalização do sistema financeiro. Para piorar tudo
isso, haverá o colapso da demanda do setor privado, conforme o crédito encolhe e a riqueza diminui.
Nenhum desses processos
não está nem sequer perto de
terminado. Alguns deles mal
começaram. Em particular, os
preços das propriedades continuam caindo, mesmo nos EUA.
De maneira semelhante, o ajuste na economia real, especialmente os inevitáveis aumentos
dos índices de poupança familiar nos EUA e no Reino Unido,
estão em uma fase incipiente.
Como os resultados são incertos, o medo é generalizado.
A maior questão é se haverá
necessidade de resgates pilotados pelo governo dos sistemas
financeiros descapitalizados.
Isso está parecendo cada vez
mais provável hoje. No mundo
atual, os governos socorrem essas economias abaladas de quatro maneiras: oferecem liquidez generosa de última hora,
via bancos centrais; assumem
enormes déficits fiscais, para
compensar a passagem do setor
privado para superávit financeiro; substituem a dívida pública por dívida privada, para
recapitalizar os sistemas financeiros descapitalizados (muitas
vezes depois de uma nacionalização); e podem adotar uma
erosão inflacionária no valor da
dívida privada (e pública). Tudo isso é provável hoje, incluindo, infelizmente, a última
Quais são, então, as lições para as instituições financeiras?
As portas do estábulo estão
sendo fechadas depois que os
cavalos fugiram. O Instituto para Finanças Internacionais, por
exemplo, produziu um excelente relatório sobre as coisas
que a indústria financeira deve
fazer (ou deveria ter feito).
Esse relatório se concentra,
adequadamente, na administração de riscos (que foi um desastre), na compensação (que
foi grotescamente irresponsável), no modelo de originar e
distribuir (que estava cheio de
irresponsabilidade e fraude) e
assim por diante.
Sem dúvida as pessoas escaldadas por esta crise vão levar a
sério esses conselhos, por algum tempo. Mas daqui a alguns
anos -20, se tivermos sorte,
menos de 10, se os estragos forem contidos pelas autoridades- serão águas passadas. Nos
sistemas financeiros desregulamentados as crises são inevitáveis, como terremotos em
uma área de falha. Só o momento é incerto.
Quais, afinal, são as implicações para os governos hoje? As
perguntas são duas: como reestruturar o regulamento para o
longo prazo? E quanto de suas
ferramentas para crises devem
usar agora?
Meu colega John Kay diz que
a regulamentação deve ser restrita. Seu argumento se baseia
em duas propostas: primeiro, o
sistema de pagamentos é a
principal função de utilidade financeira; e, segundo, os reguladores não podem prever com
sucesso as decisões de enormes
instituições dirigidas por pessoas mais bem pagas e mais
motivadas que eles próprios.
Kay afirma que os governos
nem sequer deveriam fingir
que podem estabilizar o sistema financeiro. Em vez disso,
precisam tentar "isolar a economia real das conseqüências
da instabilidade financeira". O
último, ele sugere, pode ser obtido garantindo os pequenos
depósitos, criando um regime
especial de resoluções para os
bancos e tornando o esquema
de seguro de depósitos um credor preferido.
Acho a posição de Kay ao
mesmo tempo atraente e irreal.
Um motivo importante para
essa última opinião é que os governos definem adequadamente a provisão para intermediação financeira e seguro como
funções de utilidade essenciais
na economia moderna. Outra é
que é impossível proteger a
economia real de uma ruptura
do sistema de crédito. Por isso
os governos não podem prometer com credibilidade lavar as
mãos em um colapso financeiro. Essa é a lição de pelo menos
meio século de história.
Uma maior regulamentação
é inevitável, infelizmente, mesmo que condenada a ser imperfeita. Dois passos devem ser dados. Um é procurar regras simples para melhorar a operação
do sistema como um todo, sendo óbvia a exigência de capitais
contracíclicos. O outro passo,
muito mais polêmico, é uma
mudança na psicologia da supervisão que se afaste da tese
de que as instituições sabem o
que estão fazendo. Em particular, deve-se dar muito mais
atenção ao comportamento
que parece racional para cada
instituição, mas não pode ser
racional se todas participarem
dele ao mesmo tempo. Por
exemplo, financiar bolhas de
preços da habitação com empréstimos equivalentes a 100%
do valor mal avaliado, porque
os preços sempre sobem.
Hoje, porém, as autoridades
também devem se perguntar se
o que elas estão fazendo tornará o sistema mais seguro quando a crise passar. Por esses padrões, a decisão de não salvar o
Lehman pareceu certa. Mas
também foi arriscada, porque
temos de superar a crise. Esperemos que a decisão seja uma
parte da solução, e não um
agravamento. Eu não apostaria
nesse resultado benigno.
Tradução de LUIZ ROBERTO M. GONÇALVES
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