UOL


São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOCORRO DIVINO

Paróquia de santa Edwiges, em SP, recebe menos cestas básicas

Igreja dos endividados amarga falta de doações

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
Desempregados e devotos se reúnem para missa de santa Edwiges, na zona sul de São Paulo


MAELI PRADO
ADRIANA MATTOS

DA REPORTAGEM LOCAL

A igreja de santa Edwiges, padroeira dos pobres e endividados, tem sofrido as consequências do mesmo problema que faz seus fiéis a procurarem. As dificuldades da economia reduziram o número de doações à paróquia localizada na zona sul de São Paulo, ao lado de Heliópolis, uma das maiores favelas da América Latina.
Tradicionalmente, em 16 de outubro, dia da santa, a igreja atrai centenas de desafortunados. Em um ano de desemprego recorde e centavos contados, a expectativa é que uma multidão de 25 mil fiéis compareça até domingo ao santuário. São 10 mil a mais do que o verificado nos corredores da igreja em 2002.
"Esperávamos menos devotos neste ano. A inadimplência está mais estável, e os consumidores estão empenhados em limpar o nome na praça", diz Emílio Alfieri, economista da ACSP (Associação Comercial de São Paulo).
Antes da crise, diz o padre Alexandre Alves dos Anjos Filho, vigário paroquial, a igreja distribuía 600 cestas básicas por mês.
Hoje, com a queda do poder aquisitivo dos fiéis -que estão doando menos-, são 400 cestas. "A situação é precária. Quanto mais a necessidade aumenta, menos temos para doar", afirmou.
É por isso que a igreja vem se organizando para tentar incrementar as doações. Barraquinhas vendendo produtos -como um CD cantado pelo coral Canto Pastoral de São Paulo, que conta a história da santa- e comidas ajudam a arrecadar fundos para a manutenção da Osse (Obra Social Santa Edwiges).

Ambulantes

As missas também atraem a cada ano mais e mais ambulantes, que se aglomeram nas calçadas vendendo produtos que oferecem uma saída rápida para as dívidas e falta de emprego, como os bilhetes de loteria.
Entre os ambulantes está Maria da Silva, 38, moradora de Heliópolis, que pretende ganhar cerca de R$ 60 por dia nesta semana. Três filhos, divorciada, ela afirma precisar da ajuda divina para encarar as dificuldades.
"Já preenchi muitas fichas para tentar um emprego como faxineira, mas é muita concorrência."
Chorando, subindo as escadas da pequena igreja de joelhos ou carregando velas, os fiéis agradeciam ontem a bênçãos recebidas e clamavam por milagres.

A santa

Edwiges, que nasceu em 1174 na Bavária, região da hoje Alemanha, é a "escolhida" para essas preces porque, casada com o duque da Silésia (região da Polônia), ajudava as famílias de presidiários que não conseguiam pagar suas dívidas com senhores feudais.
É o auxílio que a aposentada Lídia Rodrigues, 55, pedia para o filho: "Ele está devendo, e não é pouca coisa, não".
Até setembro, a ACSP recebeu 2,7 milhões de registros de pessoas com carnês e contas em atraso. O volume é menor do que o registrado em igual período de 2002 (2,8 milhões). Ainda cresceu o número de registros cancelados de pessoas no vermelho.
Além de limpar o nome, os devotos pediam ajuda para conseguir um emprego. Durante as missas que aconteceram ao longo do dia, muitos erguiam suas carteiras de trabalho para serem abençoadas. Todo dia, às 15h, a igreja organiza uma missa pelos desempregados. "Faz uns dez meses que a minha mulher decidiu voltar para a casa dos pais, porque ela também estava desempregada. Venho à igreja todos os dias", relata Zenito Barbosa Silva, 57, há quatro anos "em casa".


Texto Anterior: Luís Nassif: Saúde e desenvolvimento
Próximo Texto: Pela Santa
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.