São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

QUEDA SINCRONIZADA

Combinação entre câmbio administrado da Ásia e déficits americanos pode levar a temido recuo

Mercado teme desaceleração de EUA e China

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

Aumenta a percepção de que o modelo de câmbio administrado asiático e os crescentes déficits norte-americanos poderão levar à tão temida desaceleração brusca das economias da China e dos Estados Unidos.
"Não pode haver desaceleração suave para os Estados Unidos e a China", alertou um relatório recente, intitulado "Mergulho sincronizado", da consultoria Lombard Street Research, badalada no mercado londrino.
Também preocupa o fato de que os desequilíbrios comerciais criados pela combinação desses dois fatores abriram espaço para uma forte retomada de movimentação no mercado de moedas global, que tinha caído bruscamente depois do lançamento do euro.
Segundo relatório do BIS (sigla em inglês para Banco de Compensações Internacionais), a atividade diária no mercado de moedas atingiu US$ 1,9 trilhão, número 35% maior do que o registrado em 2001 (descontada a variação cambial no período). Parte importante desse aumento se deveu à ação dos fundos de hedge.
O relatório do BIS explica que, em parte, esse aumento ocorreu porque retornos em outros mercados, como o de ações e juros, haviam caído muito.
De acordo com Charles Dumas, diretor da Lombard Street, a outra causa para a especulação maior com moedas é explicada pela percepção de investidores de que o dólar teria de se desvalorizar mais. Por conta disso, diz Dumas, investidores começaram a montar posições de venda de dólar e compra de qualquer outro ativo: "Isso levou a forte especulação com ações, commodities e moedas, o que explica o aumento de atividade no câmbio".
Segundo o economista, esse movimento foi até positivo. Contribuiu para contrabalançar a forte pressão feita pelos governos asiáticos contrária à desvalorização do dólar:
"O problema não foi a especulação. Foi o movimento anti-especulativo feito pela China e, mais tarde, pelo Japão".

Desaceleração inevitável
O relatório da Lombard Street, assinado pelo economista Brian Reading, afirma que a decisão de países asiáticos de estabelecerem regimes de câmbio fixo ou administrado visava estabelecer um modelo voltado para exportação, com a manutenção de suas moedas desvalorizadas.
O modelo gerou crescimento forte e um boom de investimentos. A reboque vieram as pressões inflacionárias, principalmente nos preços de alimentos, que levam o governo a tentar conter o ritmo de crescimento.
O temor é que esse processo, em vez de levar a uma desaceleração suave da economia, conduza a uma freada brusca. A maior parte dos economistas aposta na primeira opção, com base em dados recentes que mostram uma redução do nível de investimento e de aumento da base monetária.
Mas são crescentes as análises de que uma freada brusca pode ser inevitável. A Lombard Street diz que a não ser que a China continue crescendo no ritmo atual- o que seria quase impossível -uma queda nos investimentos, que teria forte impacto no PIB (Produto Interno Bruto), está a caminho para 2005.
"Considerando que o investimento está próximo de 50% do PIB, uma queda de 10% tiraria 5% do crescimento", diz o relatório.
Os economistas Morris Goldstein e Nicholas Lardy, do prestigiado Institute for International Economics, também escreveram um artigo para o "Financial Times" sugerindo que aqueles que já comemoram uma desaceleração tranqüila na China deveriam "colocar as champanhes de volta na geladeira". Eles expõem várias razões que justificam uma queda forte do nível de investimento.
A Economist Intelligence Unit mantém seu cenário de desaceleração suave. Mas Robin Bew, economista-chefe da consultoria, afirma que os riscos são muitos. Um dos cenários possíveis para o país, diz ele, é um em que a tentativa do governo de reduzir investimentos em setores específicos, via medidas administrativas, contamine outros segmentos, por meio do desemprego.
"Acho que, no próximo ano, veremos muita instabilidade nas políticas do governo chinês", diz Robin Bew.

Déficits nos EUA
Também crescem as preocupações com a sustentabilidade dos déficits gêmeos- fiscal e em conta corrente-dos EUA.
"Acho que a economia norte-americana está se enfraquecendo mais do que as pessoas acreditam. Para piorar, o ajuste do déficit em conta corrente é inevitável e os seus efeitos tendem a ser duros", diz Dumas.
O temor de economistas é compartilhado pelas autoridades norte-americanas. Robert McTeer, presidente do Fed (Federal Reserve) de Dallas, disse que um ajuste do déficit em conta corrente levaria a uma inevitável desvalorização do dólar, o que poderia precipitar uma crise financeira, se os juros tiverem de subir.
O problema, segundo os economistas da Lombard Street, é que os governos asiáticos têm sustentado as importações norte-americanas, injetando dinheiro no país via compras de títulos do Tesouro dos EUA para evitar que o dólar se desvalorize frente a suas moedas. É um ciclo vicioso.
Se a China sofre uma desaceleração brusca, a demanda cai, forçando um ajuste rápido nas contas externas dos EUA. Isso levaria ao que a consultoria chama de "mergulho sincronizado" das economias chinesa e dos EUA.
Nesse cenário, segundo o diretor de um banco estrangeiro em Londres, há o risco de que investidores voltem a especular, apostando em mais desvalorização do dólar. Isso geraria forte volatilidade nos mercados já inflado de câmbio e commodities, criando mais um risco à economia global.


Texto Anterior: Bahia deseja atrair negros dos Estados Unidos
Próximo Texto: Previdência privada: Resgate menor "emprestará" mais à Receita
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.