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OPINIÃO ECONÔMICA
O Brasil acordou para a OMC
GESNER OLIVEIRA
Os atos terroristas de 11 de
setembro terminaram ironicamente fortalecendo a OMC
(Organização Mundial do Comércio). No dia seguinte ao atentado, muitos analistas previam
uma paralisação das negociações
comerciais. O clima em Genebra
até há poucas semanas era de
grande incerteza quanto à própria viabilidade da 4ª Conferência Ministerial da OMC, em Doha, no Qatar, por questões de segurança.
Porém o risco de um novo fracasso, como na reunião de Seattle,
em 1999, era grande demais em
meio a uma desaceleração global.
Prevaleceu, pelo menos no plano
das intenções, a disposição de
lançar aquela que será a 9ª Rodada de Negociações Multilaterais.
A vida do cidadão comum não
será alterada imediatamente depois de Doha. No entanto o resultado do encontro emitiu um sinal
positivo de continuidade da liberalização e da expansão do comércio mundial. Isso deve repercutir favoravelmente nas expectativas de investidores em benefício
dos países emergentes.
Pela primeira vez desde a criação do sistema multilateral de comércio após a Segunda Guerra
Mundial os países em desenvolvimento atuaram de forma mais
organizada na OMC, sob a liderança de países grandes com passado de fechamento comercial,
como Índia e Brasil. Doha marca,
além disso, o ingresso histórico de
um mercado de mais de 1 bilhão
de pessoas, representado pela
China, com vocação natural para
influir nas próximas negociações.
A multiplicidade de coalizões
em torno dos diversos temas qualifica as visões simplistas que costumam reduzir as negociações a
uma luta entre ricos e pobres.
No grupo dos "ricos", um país
desenvolvido como o Japão constitui aliado contra o abuso do antidumping dos EUA; a Austrália,
por sua vez, integra, como o Brasil, o Grupo de Cairns (de exportadores agrícolas) e é contrária ao
protecionismo da União Européia, que inibe o comércio de produtos primários.
No grupo dos "pobres", há da
mesma forma preocupações diversas e não necessariamente comuns. Contrariamente às posições de países como o Paquistão e
a Índia, não é claro que interesse
ao Brasil postergar a introdução
de temas como o de concorrência
e investimento, cujo início da negociação começaria apenas depois de 2003, por ocasião da 5ª
Conferência Ministerial da OMC.
Poucas vezes na história brasileira a discussão sobre a economia e política mundiais foi tão
importante na opinião pública
nacional. O jargão do comércio
internacional e a infinidade de siglas como Trips, Trims, Gats e outras começam a fazer parte do vocabulário do Congresso, da imprensa e dos meios empresariais.
Chama a atenção igualmente a
participação ativa da delegação
brasileira em torno de uma agenda previamente estabelecida. A
declaração acerca da importância da saúde pública no eventual
licenciamento compulsório de patentes constituiu a principal conquista.
Isso contrasta com a participação relativamente discreta do
Brasil na conclusão da Rodada
Uruguai de liberalização multilateral, na primeira metade dos
anos 90. Em meio à crise de hiperinflação, o país não dispunha de
recursos para se dedicar a uma
agenda de médio prazo no plano
internacional.
Depois de mais de uma década
de abertura comercial e sete anos
de inflação civilizada, a sociedade
brasileira começa a vencer o provincianismo típico dos países continentais e acordar para a necessidade de defender seus interesses
na OMC.
Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
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