São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

O Brasil acordou para a OMC

GESNER OLIVEIRA

Os atos terroristas de 11 de setembro terminaram ironicamente fortalecendo a OMC (Organização Mundial do Comércio). No dia seguinte ao atentado, muitos analistas previam uma paralisação das negociações comerciais. O clima em Genebra até há poucas semanas era de grande incerteza quanto à própria viabilidade da 4ª Conferência Ministerial da OMC, em Doha, no Qatar, por questões de segurança.
Porém o risco de um novo fracasso, como na reunião de Seattle, em 1999, era grande demais em meio a uma desaceleração global. Prevaleceu, pelo menos no plano das intenções, a disposição de lançar aquela que será a 9ª Rodada de Negociações Multilaterais.
A vida do cidadão comum não será alterada imediatamente depois de Doha. No entanto o resultado do encontro emitiu um sinal positivo de continuidade da liberalização e da expansão do comércio mundial. Isso deve repercutir favoravelmente nas expectativas de investidores em benefício dos países emergentes.
Pela primeira vez desde a criação do sistema multilateral de comércio após a Segunda Guerra Mundial os países em desenvolvimento atuaram de forma mais organizada na OMC, sob a liderança de países grandes com passado de fechamento comercial, como Índia e Brasil. Doha marca, além disso, o ingresso histórico de um mercado de mais de 1 bilhão de pessoas, representado pela China, com vocação natural para influir nas próximas negociações.
A multiplicidade de coalizões em torno dos diversos temas qualifica as visões simplistas que costumam reduzir as negociações a uma luta entre ricos e pobres.
No grupo dos "ricos", um país desenvolvido como o Japão constitui aliado contra o abuso do antidumping dos EUA; a Austrália, por sua vez, integra, como o Brasil, o Grupo de Cairns (de exportadores agrícolas) e é contrária ao protecionismo da União Européia, que inibe o comércio de produtos primários.
No grupo dos "pobres", há da mesma forma preocupações diversas e não necessariamente comuns. Contrariamente às posições de países como o Paquistão e a Índia, não é claro que interesse ao Brasil postergar a introdução de temas como o de concorrência e investimento, cujo início da negociação começaria apenas depois de 2003, por ocasião da 5ª Conferência Ministerial da OMC.
Poucas vezes na história brasileira a discussão sobre a economia e política mundiais foi tão importante na opinião pública nacional. O jargão do comércio internacional e a infinidade de siglas como Trips, Trims, Gats e outras começam a fazer parte do vocabulário do Congresso, da imprensa e dos meios empresariais.
Chama a atenção igualmente a participação ativa da delegação brasileira em torno de uma agenda previamente estabelecida. A declaração acerca da importância da saúde pública no eventual licenciamento compulsório de patentes constituiu a principal conquista.
Isso contrasta com a participação relativamente discreta do Brasil na conclusão da Rodada Uruguai de liberalização multilateral, na primeira metade dos anos 90. Em meio à crise de hiperinflação, o país não dispunha de recursos para se dedicar a uma agenda de médio prazo no plano internacional.
Depois de mais de uma década de abertura comercial e sete anos de inflação civilizada, a sociedade brasileira começa a vencer o provincianismo típico dos países continentais e acordar para a necessidade de defender seus interesses na OMC.


Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br


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