São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2001

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LUÍS NASSIF

Um executivo desastrado

Pela repercussão de seus atos sobre as economias nacionais, presidentes de grandes corporações devem dispor da mesma envergadura de homens de Estado. Não podem ser meros executivos, exclusivamente ligados a aspectos financeiros ou contábeis -ainda que a busca de lucros seja seu objetivo principal.
Têm que ter visão estratégica, sensibilidade política para tratar com a comunidade, com os trabalhadores, com as instituições nacionais, especialmente se dirigem corporações internacionais. Nesse caso, mais que representantes de suas corporações, são encarados como representantes de seus países de origem.
Por tudo isso, o presidente da Volkswagen do Brasil, Herbert Demel, é um desastre continuado, sem noção da relevância política do seu cargo, sem nenhuma sensibilidade ou solidariedade em relação ao país com o qual sua empresa mantém décadas de bom relacionamento.
Os feitos do sr. Demel têm sido amplos e variados. Recentemente, em enorme evento da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo, a abertura registrou a cena inesquecível de uma orquestra sinfônica formada por jovens favelados. Ao final da apresentação, o maestro informou que o trabalho provavelmente seria interrompido porque o sr. Demel, recém-assumido no cargo de presidente da VW do Brasil, decretara o fim do apoio da empresa à orquestra. Não só liquidou com a imagem da empresa perante o público como com todo o trabalho prévio de legitimação social da companhia, feito anteriormente.
Depois, veio o episódio do "apagão". O país aturdido com a crise de energia, as expectativas rolando ladeira abaixo, e o sr. Demel aparece nos jornais com declarações desafiadoras, de que, se não se resolvesse o problema da energia, a VW sairia do Brasil.
Agora, no recente episódio da greve dos metalúrgicos, o sr. Demel coloca em risco o maior pacto trabalhista da história do país.
Nos anos 80 os metalúrgicos do ABC consagraram o novo sindicalismo, inicialmente adotando um estilo aguerrido para se impor. A crise do ABC levou a um fantástico processo de amadurecimento, no qual os metalúrgicos passaram a entender, com clareza, que o seu destino e o da região estavam ligados ao destino das empresas. A partir dessa constatação, definiu-se o pacto e houve um trabalho construtivo de consolidação, em bases realistas e civilizadas.
Para qualquer empresa moderna, trata-se de um patrimônio político-administrativo dos mais relevantes. Quando se atinge esse grau de amadurecimento, facilita-se a implantação de programas de qualidade, de melhoria produtiva, de racionalização dos acordos trabalhistas, de flexibilidade nas relações de trabalho -e, por flexibilidade, não se entenda apenas o trabalhador fazer sacrifícios em momentos de crise, mas ser recompensado em momentos de crescimento.
O sr. Demel chega em um momento em que está ameaçada a imagem da VW, de líder absoluta do mercado. Por mais que haja necessidade de redução de custos, sua falta de visão estratégica e sua afobação expuseram perante a opinião pública a fragilidade da empresa. Os prejuízos para a imagem da VW foram óbvios. Se a matriz se dispuser a uma pequena pesquisa de opinião para avaliar o "custo" de imagem dessa truculência, poderá descobrir por que os auditores são ótimos em sua função, mas um desastre quando colocados acima do seu nível de competência.
Culminou com a truculência de anunciar cortes radicais de pessoal e fechar as portas para qualquer negociação civilizada com o sindicato. Pior para ele, melhor para o país: nesse entrevero todo, foi intocável a posição do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e de seu presidente, Luiz Marinho, com superior demonstração de amadurecimento e de visão moderna das relações trabalhistas.
Grandes corporações tendem a se estratificar, a ser dominadas pelos interesses corporativistas de cúpula. Só isso pode explicar a manutenção do sr. Demel como presidente de uma subsidiária com a importância estratégica da VW do Brasil.
É ruim para o Brasil, para as relações com a Alemanha e, especialmente, para a sua própria empresa, a Volkswagen.


Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail: lnassif@uol.com.br<BR>


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