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ANÁLISE
Um mundo em desequilíbrio
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
As viagens internacionais de
líderes buscam gestos simbólicos. Ninguém espera que o presidente Barack Obama retorne
da China com acordos novos e
importantes.
Mas devemos esperar que,
longe das câmeras, Obama e
seus anfitriões se envolvam em
um diálogo franco sobre as políticas em vigor. Porque o problema do desequilíbrio no comércio internacional está a caminho de se agravar. E há um
confronto potencialmente destrutivo pronto a explodir, a não
ser que a China se corrija.
Consideremos o retrospecto.
A maior parte das grandes
moedas mundiais "flutuam"
diante das demais. Ou seja, seus
valores relativos se movem para cima ou para baixo a depender das forças de mercado. Isso
não significa necessariamente
que os governos mantenham
políticas cambiais de pura abstenção: os países ocasionalmente limitam fluxos de capital, quando há uma corrida à
sua moeda (como a Islândia em
2008) ou tomam medidas que
desencorajem influxos de "hot
money" quando temem que os
especuladores estejam entusiasmados demais com as suas
economias (exatamente o que o
Brasil vem fazendo). Mas hoje a
maioria dos países tenta fazer
com que o valor da moeda, no
longo prazo, acompanhe os
fundamentos econômicos.
A China é a grande exceção. A
despeito de imensos superávits
comerciais e do desejo de muitos investidores de participar
do seu rápido desenvolvimento
-forças que deveriam ter impulsionado o yuan-, Pequim
optou por manter sua moeda
fraca. E o fez em larga medida
trocando yuans por dólares.
Nos últimos meses, a China
executou uma política que, na
prática, implica em desvalorizar sua moeda à custa de seus
parceiros comerciais, ao manter a taxa de câmbio entre o
yuan e o dólar fixa ainda, que o
dólar tenha caído acentuadamente diante das demais grandes moedas. Isso deu aos exportadores chineses crescente
vantagem competitiva diante
de seus rivais, especialmente os
produtores em outros países
em desenvolvimento.
O que torna a ação chinesa
especialmente problemática é
o estado deprimido da economia mundial. O dinheiro barato
e o estímulo fiscal parecem ter
evitado uma grande depressão.
Mas as autoridades econômicas não foram capazes de gerar
gastos suficientes, públicos ou
privados, para atenuar o desemprego em massa. E a política de câmbio fraco da China
exacerba o problema, porque
remove demanda do resto do
mundo e a encaminha aos exportadores chineses, mais
competitivos artificialmente.
E por que esse problema deve se agravar? Porque, ao longo
dos 12 últimos meses, a verdadeira escala do problema chinês vinha sendo mascarada por
fatores temporários. No futuro,
devemos ver tanto o superavit
comercial chinês quanto o deficit dos EUA dispararem.
É esse, ao menos, o argumento de estudo do Graduate Institute, em Genebra. Ele aponta
que, nos últimos meses, os desequilíbrios comerciais -tanto
o superavit chinês quanto o deficit dos EUA- foram muito
mais baixos do que alguns anos
atrás. Mas, argumentam, "essa
melhora em termos de desequilíbrio mundial é ilusória
-um efeito colateral transitório do maior colapso do comércio internacional".
De fato, a queda do comércio
mundial em 2008/9 terá lugar
nos livros de recordes. O que
ela refletiu, principalmente, foi
o fato de que o comércio internacional é dominado por bens
industrializados -e diante da
severa crise, consumidores e
empresas adiaram as compras
de tudo que não precisassem já.
Como isso reduziu o deficit comercial dos EUA? As importações de bens como automóveis
despencaram; e o mesmo se
aplica a algumas exportações
americanas; mas como entramos na crise importando muito
mais do que exportávamos, o
resultado líquido foi uma menor disparidade comercial.
Agora, com a crise se atenuando, o processo está se revertendo. Por isso, imagine o
quadro: mês após mês de manchetes que justaporão a disparada no deficit comercial americano e superavit chinês aos
problemas dos desempregados
nos EUA. Se eu fosse Pequim,
estaria muito preocupado.
Infelizmente, os chineses
não parecem compreender: em
lugar de encarar a necessidade
de alterar sua política cambial,
decidiram admoestar os EUA,
aconselhando-nos a elevar taxas de juros e conter déficits
fiscais -ou seja, a tornar ainda
mais graves os nossos problemas com o desemprego.
Tampouco estou certo de
que o governo Obama compreenda. Suas declarações sobre a política cambial chinesa
parecem pró-forma, e lhes falta
qualquer senso de urgência.
Isso precisa mudar. Não me
incomoda que Obama participe
de banquetes e pose para fotos;
é seu trabalho. Mas, nos bastidores, precisa avisar aos chineses que seu jogo é perigoso.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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