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São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Reforçar a defesa comercial

GESNER OLIVEIRA

A exemplo de outros países em desenvolvimento, como a Índia e a África do Sul, o Brasil deve se tornar mais ativo na defesa comercial. Os países ricos pregam a plena liberdade de comércio, mas praticam a intervenção sistemática em favor de seus produtos.
Não há tempo a perder nem grandes diferenças político-partidárias nessa matéria. O governo Lula deverá dar continuidade e aprofundar as ações do governo FHC. E, mais importante, há um papel a ser desempenhado pelas administrações estaduais.
No plano federal, os ministros da Agricultura, Roberto Rodrigues, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, anunciaram na última terça-feira ações contra os subsídios dos EUA à produção de algodão e dos incentivos da União Européia à exportação de açúcar refinado. No Estado de São Paulo, o governo Alckmin divulgou na quinta-feira a criação de um Conselho Estadual de Comércio Exterior, sob a coordenação de Roberto Giannetti.
Estudos recentes do Ministério do Desenvolvimento, realizados ainda na gestão FHC, oferecem um quadro da defesa comercial no Brasil. Há três instrumentos principais. O primeiro é a aplicação de uma tarifa antidumping sobre um produto estrangeiro cuja compra por quantia inferior àquilo que poderia ser considerado o valor normal esteja provocando dano à indústria nacional. Segundo o relatório do Departamento de Defesa Comercial da Secretaria de Comércio Exterior (Decom-Secex) daquele ministério, o país abriu 182 investigações dessa natureza no período 1988-2002.
O segundo é a ação contra subsídios não aceitos pela legislação da OMC (Organização Mundial do Comércio), como foi o entendimento do órgão de apelação desse organismo em relação aos incentivos concedidos pelos EUA à indústria siderúrgica daquele país mediante a chamada "emenda Byrd". O Brasil abriu 13 investigações dessa natureza no mesmo período.
Lembre-se de que há subsídios considerados lícitos e que deveriam merecer utilização muito mais frequente por parte do Brasil, como os subsídios verdes, ligados ao ambiente, e os incentivos à pesquisa e ao desenvolvimento regional.
Em terceiro, um país pode lançar mão de salvaguardas para proteger temporariamente um segmento da economia que careça de reestruturação para enfrentar a competição internacional. O Brasil usou menos do que deveria esse mecanismo durante o período mencionado: apenas três vezes, envolvendo as indústrias de brinquedo e de coco.
As ações de defesa comercial ainda estão muito concentradas em alguns segmentos. Das 182 investigações de antidumping mencionadas antes, 73 foram tomadas no segmento de química, petroquímica e transformados plásticos. O ramo da siderurgia vem em segundo lugar, com 50 ações de antidumping.
A frequência de casos de defesa comercial nesses ramos também é maior em outros países em virtude das características estruturais. Na petroquímica, por exemplo, os ciclos de investimento fazem com que haja períodos de crescimento da oferta acima da demanda, gerando elevados excedentes exportáveis. No entanto, seria de esperar uma ação mais abrangente do ponto de vista setorial nos próximos anos. Além disso, a discussão de barreiras técnicas deverá assumir importância crescente.
Reforçar a defesa de um time de futebol custa dinheiro, como muitos clubes estão percebendo às vésperas da temporada de 2003. Com a defesa comercial é a mesma coisa, mas não dá para participar do jogo bruto do comércio internacional sem o devido reforço.
Serão necessários mais recursos humanos e materiais de um Estado sem caixa e obrigado a atender enormes e frequentemente legítimas demandas sociais. A demonstração de ocorrência de dumping e dano à indústria, por exemplo, é complexa e exige dados e capacitação técnica. Daí a absoluta necessidade de engajar o setor privado e as comunidades profissional e universitária para um novo salto na defesa comercial brasileira.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail: gesner@fgvsp.br



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