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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Jogar o jogo

BENJAMIN STEINBRUCH

Em maio do ano passado, o presidente George W. Bush sancionou a "Farm Bill", o mais impressionante pacote de subsídios da história dos EUA. Essa lei entregou, de mão beijada, US$ 17,5 bilhões anuais durante seis anos aos produtores americanos, sejam eles produtivos ou não, com gravíssimas consequências para o Brasil.
Em dezembro de 2001, o Congresso americano aprovou o "fast-track", lei que autorizava Bush a negociar pela "via rápida" acordos comerciais com os países das Américas. A lei trazia restrições inaceitáveis para o Brasil. A principal delas tirava de Bush a autoridade para negociar acordos envolvendo 300 produtos agrícolas considerados "sensíveis" sem antes consultar o Congresso.
No seu último dia na Casa Branca, em janeiro de 2001, Bill Clinton decidiu abrir uma investigação sobre as importações de minério de ferro e aço, sob o argumento de que elas ameaçavam a segurança nacional.
Parecia uma brincadeira americana. Afinal, a mais poderosa nação da Terra, que importa US$ 1,5 trilhão por ano e possui um arsenal nuclear incalculável, não poderia se sentir ameaçada por tão pouco.
Mas eles não brincavam, apenas tratavam de proteger o mercado interno de fornecedores estrangeiros, empurrados por poderosos lobbies empresariais. Esses lobbies sobrevivem na indústria e na agricultura e dificilmente permitirão o acesso ao mercado dos EUA de produtos de vários setores nos quais o Brasil é competitivo, como aço, cítricos, calçados, têxteis e açúcar. Há poucos meses, as importações de aço sofreram restrições por meio de cotas, medida que prejudicou vários países, entre os quais o Brasil.
O que aconteceu na semana passada, quando o governo americano apresentou sua proposta para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), segue rigorosamente essa mesma cartilha protecionista. É mais um capítulo da arrogância dos Estados Unidos em matéria de comércio internacional. Com razão, a gritaria por aqui foi geral. Ficou claro que os melhores produtos brasileiros de exportação terão vida dura nas negociações da Alca.
Para os têxteis, foi oferecida tarifa zero a partir de 2010. Para o aço, o acesso livre começaria em 2005. Nos dois casos, a eliminação de tarifas não representa vantagem para o Brasil, porque as importações são barradas por meio de restrições unilaterais não-tarifárias, como regras antidumping, cotas e subsídios aos produtores locais. E estes devem prevalecer.
Na área agrícola, a proposta americana discrimina o Brasil e os outros países do Mercosul, que teriam apenas 50% de seus produtos com tarifa zero a partir de 2005. Para os países do Caribe, esse índice seria de 85%; para os andinos, 68%; e, para os da América Central, 64%. Além disso, alguns produtos agroindustriais brasileiros, como açúcar e álcool, estariam incluídos na categoria dos "sensíveis", aqueles que só podem sofrer redução tarifária depois de consulta ao Congresso.
Mesmo com as seguidas evidências do protecionismo americano, seria um equívoco voltar as costas para a Alca e adotar a posição pretensiosa de que o acordo não sai sem o Brasil. O comportamento mais adequado é afiar as garras para o duro embate diplomático que será a negociação do acordo continental. A proposta do Mercosul, anunciada no fim de semana, vai nessa direção. O bloco se propõe a liberar 36% do volume de comércio com as Américas em dez anos, proposta considerada modesta pelos EUA.
As três Américas têm 34 países, 800 milhões de habitantes e um cobiçado mercado de US$ 13 trilhões. Seja como for, as propostas de Bush e do Mercosul representam apenas um início de conversa, uma base sobre a qual o Brasil tem a obrigação de travar duelo feroz. Não se poderá aceitar, por exemplo, que a discussão de barreiras não-tarifárias e subsídios fique fora da mesa de negociações do acordo continental, restrita aos debates na Organização Mundial do Comércio, como querem os EUA.
Bem ou mal, as cartas da Alca estão na mesa. Cabe ao Brasil jogar o jogo!


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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