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OPINIÃO ECONÔMICA
Jogar o jogo
BENJAMIN STEINBRUCH
Em maio do ano passado, o
presidente George W. Bush
sancionou a "Farm Bill", o mais
impressionante pacote de subsídios da história dos EUA. Essa lei
entregou, de mão beijada, US$
17,5 bilhões anuais durante seis
anos aos produtores americanos,
sejam eles produtivos ou não,
com gravíssimas consequências
para o Brasil.
Em dezembro de 2001, o Congresso americano aprovou o
"fast-track", lei que autorizava
Bush a negociar pela "via rápida"
acordos comerciais com os países
das Américas. A lei trazia restrições inaceitáveis para o Brasil. A
principal delas tirava de Bush a
autoridade para negociar acordos envolvendo 300 produtos
agrícolas considerados "sensíveis" sem antes consultar o Congresso.
No seu último dia na Casa
Branca, em janeiro de 2001, Bill
Clinton decidiu abrir uma investigação sobre as importações de
minério de ferro e aço, sob o argumento de que elas ameaçavam a
segurança nacional.
Parecia uma brincadeira americana. Afinal, a mais poderosa
nação da Terra, que importa US$
1,5 trilhão por ano e possui um arsenal nuclear incalculável, não
poderia se sentir ameaçada por
tão pouco.
Mas eles não brincavam, apenas tratavam de proteger o mercado interno de fornecedores estrangeiros, empurrados por poderosos lobbies empresariais. Esses
lobbies sobrevivem na indústria e
na agricultura e dificilmente permitirão o acesso ao mercado dos
EUA de produtos de vários setores
nos quais o Brasil é competitivo,
como aço, cítricos, calçados, têxteis e açúcar. Há poucos meses, as
importações de aço sofreram restrições por meio de cotas, medida
que prejudicou vários países, entre os quais o Brasil.
O que aconteceu na semana
passada, quando o governo americano apresentou sua proposta
para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), segue rigorosamente essa mesma cartilha
protecionista. É mais um capítulo
da arrogância dos Estados Unidos em matéria de comércio internacional. Com razão, a gritaria por aqui foi geral. Ficou claro
que os melhores produtos brasileiros de exportação terão vida
dura nas negociações da Alca.
Para os têxteis, foi oferecida tarifa zero a partir de 2010. Para o
aço, o acesso livre começaria em
2005. Nos dois casos, a eliminação
de tarifas não representa vantagem para o Brasil, porque as importações são barradas por meio
de restrições unilaterais não-tarifárias, como regras antidumping,
cotas e subsídios aos produtores
locais. E estes devem prevalecer.
Na área agrícola, a proposta
americana discrimina o Brasil e
os outros países do Mercosul, que
teriam apenas 50% de seus produtos com tarifa zero a partir de
2005. Para os países do Caribe, esse índice seria de 85%; para os andinos, 68%; e, para os da América
Central, 64%. Além disso, alguns
produtos agroindustriais brasileiros, como açúcar e álcool, estariam incluídos na categoria dos
"sensíveis", aqueles que só podem
sofrer redução tarifária depois de
consulta ao Congresso.
Mesmo com as seguidas evidências do protecionismo americano,
seria um equívoco voltar as costas
para a Alca e adotar a posição
pretensiosa de que o acordo não
sai sem o Brasil. O comportamento mais adequado é afiar as garras para o duro embate diplomático que será a negociação do
acordo continental. A proposta
do Mercosul, anunciada no fim
de semana, vai nessa direção. O
bloco se propõe a liberar 36% do
volume de comércio com as Américas em dez anos, proposta considerada modesta pelos EUA.
As três Américas têm 34 países,
800 milhões de habitantes e um
cobiçado mercado de US$ 13 trilhões. Seja como for, as propostas
de Bush e do Mercosul representam apenas um início de conversa, uma base sobre a qual o Brasil
tem a obrigação de travar duelo
feroz. Não se poderá aceitar, por
exemplo, que a discussão de barreiras não-tarifárias e subsídios
fique fora da mesa de negociações
do acordo continental, restrita
aos debates na Organização
Mundial do Comércio, como querem os EUA.
Bem ou mal, as cartas da Alca
estão na mesa. Cabe ao Brasil jogar o jogo!
Benjamin Steinbruch, 49, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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