São Paulo, quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Sem norte


Se num mundo de câmbio fixo o protecionismo já não é a solução ideal, num de taxas flexíveis a proposta é ainda pior

EU PRETENDIA escrever sobre a confusão acerca do retorno do licenciamento prévio das importações, mas o governo, pressionado, voltou atrás rapidamente, percebendo os problemas que essa medida poderia causar. Quisera que a inteligência revelada nesse episódio pudesse de alguma forma contaminar nossos redutos protecionistas. Qual o quê?
Superado o incidente, os suspeitos de sempre -ainda reconhecendo que, quem sabe, talvez, a medida original tenha sido um pouco, mas só um pouco, exagerada- não tardaram a perceber a oportunidade para aumentar sua parcela na renda às expensas do resto da sociedade e têm vindo a público pedir (quando não exigir) maior proteção à indústria. Como de hábito, argumenta-se que a proposta seria de interesse de toda a sociedade; do ponto de vista prático, porém, se um dia adotada, traria ganho apenas para setores diretamente protegidos.
Reconhece-se que o período atual é propício a esse tipo de ideia. Em meio à forte desaceleração global, há a tentação permanente de passar parte dos custos para o exterior, e a Grande Depressão ilustra muito bem o processo. Assim, àquela época não foram poucos os países que recorreram a medidas protecionistas (contra, diga-se, a opinião da maior parte dos economistas) para, supostamente, preservar a atividade doméstica à custa das exportações de outros países, ainda mais porque, num mundo de taxas fixas de câmbio, a única forma de ajuste se daria pela deflação doméstica, processo demorado e custoso.
Tais procedimentos, aliás, foram aptamente descritos como a política de "empobrecer seu vizinho" e, mais importante, apontados também como um dos fatores que agravaram a Grande Depressão, motivo pelo qual no pós-guerra foram criadas instituições (originalmente o Gatt, agora a OMC) justamente para prevenir esse tipo de medida. Concretamente, a adoção simultânea de barreiras protecionistas reduz o volume de comércio internacional sem que nenhum dos países consiga na verdade "exportar" o desemprego, acrescentando a uma situação já complicada todas as perdas de eficiência associadas à não-exploração das vantagens comparativas.
Isso dito, se num mundo de taxas fixas de câmbio o protecionismo já não é a solução ideal, num mundo de taxas flexíveis essa proposta se torna ainda pior. Como vemos no caso brasileiro (e de vários outros países), a deterioração das condições externas (preços de commodities, custo de capital) levou a uma forte depreciação da moeda. E, lembremo-nos, a taxa corrente de câmbio (ao redor de R$ 2,30 por dólar) era vista, há não muito tempo, como a taxa "ideal" por lideranças empresariais e seus economistas de plantão. Não obstante, mesmo depois da maciça desvalorização da moeda, persistem as propostas de limitação às importações.
Ironicamente, se posta em prática, a restrição às importações tenderia a apreciar a taxa de câmbio, não só desfazendo aquilo que a proteção pretendia fazer mas também prejudicando adicionalmente as exportações, na prática reduzindo ainda mais nosso já diminuto comércio internacional.
Isso dito, num mundo de mudanças tão abruptas, chega a ser reconfortante ver a permanência de certas ideias: o câmbio (não importa onde esteja) é sempre insuficiente, a indústria precisa de proteção ininterrupta (para "salvar empregos", é claro) e, mesmo com a taxa real de juros caindo três pontos percentuais entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, a solução para tudo é fazer reuniões quinzenais do Copom. Com liderança desse calibre, a indústria vai longe; apenas na direção errada.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 46, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com



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