São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Remando contra a maré


É muito importante que o Banco Central tenha saído na frente, até porque está na batalha sozinho

O BANCO Central surpreendeu a maior parte do mercado com o aumento de 0,5 ponto percentual na taxa Selic. Essa decisão -correta, no meu entendimento- vai acarretar um intenso debate nos próximos dias. Pelo menos até a próxima semana, quando a divulgação do chamado IPCA-15 vai jogar um pouco de água fria nos críticos da decisão do Copom. De acordo com o economista da Quest Fábio Ramos, que acompanha a evolução dos preços, o número deve ser próximo a 0,57%. Para o mês fechado, a inflação é um pouco mais baixa por conta da redução dos preços de energia elétrica.
Mas a questão da inflação no Brasil de hoje não deve ser vista apenas pelos índices correntes de inflação. Como tenho chamado a atenção há algum tempo, estamos diante de uma inflação de demanda que acaba por facilitar a transmissão para os preços finais dos choques de oferta em itens importantes. Além disso, são crescentes os sinais de superaquecimento em segmentos importantes do mercado de trabalho. Sabemos que o canal do custo da mão-de-obra é muito perigoso quando o pano de fundo já é propício ao aumento de preços.
O fato de termos o Banco Central atento a esse cenário facilita muito a tarefa de controlar a inflação. O comportamento dos mercados no dia seguinte à reunião do Copom mostra isso, com as taxas longas de juro caindo quase 0,2 ponto percentual. De agora em diante, temos que acompanhar com lupa os dados de atividade econômica para podermos definir a duração e a intensidade desse movimento de alta dos juros. É muito importante que o Banco Central tenha saído na frente, até porque está na batalha sozinho, sem a colaboração do resto do governo, que continua executando uma política fiscal irresponsável.
Mas vou deixar de lado as questões da economia para lembrar os dez anos da morte do ex-ministro Sérgio Motta no próximo dia 19. Meu amigo desde a época da universidade, ele merece esta homenagem por legados importantes que deixou para nós, brasileiros. O mais inquestionável deles foi a reforma do mercado de telecomunicações, com a democratização e a universalização do acesso do brasileiro comum ao telefone e à internet. Serjão, como era conhecido, mostrou-nos ser possível sincronizar a ação do Estado com a da iniciativa privada, unindo a eficiência desta com a responsabilidade social esperada daquele.
Ele criou uma regulação que evitou uma divisão entre pobres e elite, para usar o jargão petista, ao impor obrigações sociais às concessionárias privadas em um ambiente de competição na prestação desses serviços. E fez isso sem agredir as cláusulas pétreas da dinâmica privada das empresas de concessão de serviços de telefonia, como mostra o vigor das empresas do setor.
O resultado é que, dez anos depois da privatização, as classes C e D -que estavam excluídas desse mercado nos tempos da Telebrás- têm hoje acesso ilimitado a celulares e a telefones fixos. Devemos nos lembrar que nos tempos do monopólio estatal uma linha de telefone fixo custava mais do que US$ 5.000 e os celulares eram objeto de consumo exclusivo da classe A. Foi, aliás, esse fato que fez Serjão mudar de opinião e perseguir a privatização de nosso mercado de telefonia com toda sua a energia e dedicação. Só por isso merece nosso respeito e precisa ser lembrado nesta data.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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