São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Em ritmo de marchinha forçada


Economia começa a soltar fumaça quando se deixa PIB acelerar para 6%. O que exige paulada no juro. E é irracional

DILMA ROUSSEFF poderá dizer nas semanas finais da campanha que, em 2010, a economia cresceu como nunca antes no último quarto ou terço de século. As estimativas ainda são divergentes, mas as mais precisas entre menos otimistas projetam um crescimento só menor que o de 1986, ano de PIB alucinadamente irreal, fruto da enganação do Plano Cruzado.
Em termos de PIB per capita, pode ser que tenhamos o maior crescimento desde o final dos anos 1970, quando a economia crescia já em marcha forçada, o que nos levou ao infarto do início dos anos 1980.
Não, o país não vai infartar tão cedo, se é que vai. Mas eis que vivemos em 2010 mais um episódio de marchinha forçada. Isto é, um crescimento de um pouco mais de 5% ao ano aciona os alarmes das nossas insuficiências produtivas e logísticas.
Na marchinha, a inflação logo supera 5%; há grita sobre falta de mão de obra -dois aspectos do mesmo problema. Daqui a pouco faltarão máquinas, espaço em estradas, haverá filas na boca dos portos. O trânsito nas cidades maiores começa a parecer o dia em que a Terra parou.
Trata-se da evidência concreta do que os economistas chamam de limite do "PIB potencial", grosso modo a taxa de crescimento a partir da qual a economia começa a soltar fumaça inflacionária, entre outras.
Há vasta polêmica e besteira nos cálculos de PIB potencial. Mas o teste do pudim é comê-lo. Mastigando os dados dos miniciclos da economia no governo Lula, a gente vê que alguma coisa acontece quando o PIB aperta o ritmo de 5% para 6%.
Não se trata de maldição. "Reformas", mudanças em normas e políticas econômicas podem azeitar a máquina, permitir crescimento maior.
Mas faz anos vivemos da mão para a boca. Não há mudança institucional relevante para a economia desde o início do governo Lula 1.
Também não houve erro irreparável de política econômica. Mas nem governo nem mercado notaram que a alta de gastos públicos e juros historicamente baixos levariam o PIB a crescer 8,5% ou até 12% no primeiro trimestre (taxa anualizada).
Sérgio Vale, da consultoria MB Associados, observa que o superavit primário do setor público era de 4% nos 12 meses até setembro de 2008, quando houve o pico de crescimento de 7,1%, antes da crise. Agora em março, estava em 1,95% do PIB. A taxa de juros já subia desde abril de 2008. Nesse ciclo de marchinha forçada, começou a subir só em abril.
Isto é, o caldo do crescimento excessivo já entornou bastante.
Vale notar ainda que o corte de despesas prometido pelo governo federal equivale a apenas 1,6% dos gastos do governo nos 12 meses contados até março. Ou seja, vai fazer apenas coceira na taxa de inflação.
Em suma, as taxas de juros vão subir muito. A MB estima que a Selic chegue a 13% no final do ano. Um desperdício enorme de dinheiro.
Temos um limite evidente de crescimento. Evitamos desarranjos econômicos maiores ao custo altíssimo de pauladas nos juros. Isso é muito irracional. O ruído carnavalesco da marchinha forçada abafa o debate sobre o assunto, mesmo em ano eleitoral, e até na oposição: o comércio cresce 11%, haverá mais 2 milhões de empregos formais, a venda de imóveis e carros é recorde.

vinit@uol.com.br


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