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LUÍS NASSIF
A crise moral do capitalismo
O suplemento do "Financial Times" publicado nesta semana pelo jornal "Valor
Econômico" traz matéria arrasadora sobre a conspiração financeira dos grandes especuladores norte-americanos na última década. E uma crítica particularmente ácida aos gurus e à
mídia internacional -que convalidou todas as maluquices e
passou a aceitar como naturais
taxas de crescimento de dois dígitos e como demonstração de
fracassomania qualquer crítica
a essas projeções.
Poderia enumerar dezenas de
vezes em que se alertou, aqui,
para essa conspiração manipuladora entre gurus, bancos de
investimento, empresas de auditoria e agências de risco.
Se daqui do Brasil dava para
perceber nitidamente essa manipulação, como se explica que
a sempre crítica imprensa norte-americana tenha aceitado esses jogos, supervalorizando os
gurus, atropelando normas básicas de bom senso?
A explicação é que esse jogo
especulativo, como ocorreu com
a crise de 1929, contaminou parte substancial da sociedade norte-americana. E aí se entra em
um ponto fundamental da economia de mercado: a ética de
mercado. A ideologia de mercado dos anos 90 consagrou o
oportunismo e a esperteza como
valores, até o ponto de atropelar
os pilares básicos do mercado: o
sistema de informações, a governança corporativa, a confiança
nos contratos. Desse jogo participaram as firmas de auditoria,
os CEOs, os gurus financeiros e
muitos jornalistas de Wall
Street. Foi um processo amplo e
irrestrito, inclusive para conquistar esse silêncio obsequioso
por parte da mídia norte-americana.
O acerto de contas mal começou, e basta olhar o Japão para
se entender como será complexo. No final dos anos 80, com o
iene forte e a fartura rodeando a
economia japonesa, os valores
do trabalho foram substituídos
por uma ostentação enorme e
por uma gana pelo dinheiro fácil que expuseram o Japão a um
jogo especulativo com sequelas
profundas, que se refletem até
hoje sobre a economia nacional.
Enquanto a economia subiu,
a lambança prosperou, inclusive em cima de endividamento
pesado, confiando no crescimento permanente dos negócios. Quando a economia refluiu, empresários e empresas
foram apanhados no contrapé e
passaram a forjar os demonstrativos para conseguir rolar as
dívidas.
Mais aberta, a economia norte-americana reagirá mais rapidamente a esse processo. Mas se
está longe do epicentro da crise
política e econômica. As revelações sobre os negócios de George
W. Bush com os Rangers, os ganhos financeiros indevidos obtidos, se não são suficientes para
um impeachment, certamente
liquidarão qualquer autoridade
moral do presidente para liderar a recuperação da economia.
Aliás, é mais um exemplo do
personagem que Noel Rosa consagrou em "Falso Moralista".
Ainda não se chegou ao ponto
central da história, que são os
grandes bancos norte-americanos, especialmente os nova-iorquinos. De qualquer modo, o
mundo entra em uma fase de
turbulência com absoluta escassez de estadistas e com a maior
potência nas mãos de um trapalhão medíocre e comprometido
com interesses da pior espécie.
Seria divertido olhar de longe,
não fossem as repercussões sobre a economia brasileira.
Dólar
Operador experiente de mercado, Natan Blanche, da Tendências, matou a charada sobre
o desempenho do dólar. Hoje
em dia, as empresas brasileiras
não conseguem rolar seus compromissos externos. Com isso,
seus papéis são negociados por
até 30% do valor. Por isso, é belíssimo negócio a empresa comprar dólar aqui no Brasil, mesmo que com ágio expressivo,
porque consegue liquidar a sua
dívida com enorme deságio.
O dinheiro sai por vias tortas
por questões de Imposto de Renda e para permitir à empresa,
mais à frente, remeter dólares
oficialmente para quitar sua dívida. Estima-se que tenham sido quitados de US$ 10 bilhões a
US$ 20 bilhões em compromissos externos. O que explica o fato de o dólar presente estar pressionado e o dólar futuro em nível menor.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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