São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 2002

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LUÍS NASSIF

A crise moral do capitalismo

O suplemento do "Financial Times" publicado nesta semana pelo jornal "Valor Econômico" traz matéria arrasadora sobre a conspiração financeira dos grandes especuladores norte-americanos na última década. E uma crítica particularmente ácida aos gurus e à mídia internacional -que convalidou todas as maluquices e passou a aceitar como naturais taxas de crescimento de dois dígitos e como demonstração de fracassomania qualquer crítica a essas projeções.
Poderia enumerar dezenas de vezes em que se alertou, aqui, para essa conspiração manipuladora entre gurus, bancos de investimento, empresas de auditoria e agências de risco.
Se daqui do Brasil dava para perceber nitidamente essa manipulação, como se explica que a sempre crítica imprensa norte-americana tenha aceitado esses jogos, supervalorizando os gurus, atropelando normas básicas de bom senso?
A explicação é que esse jogo especulativo, como ocorreu com a crise de 1929, contaminou parte substancial da sociedade norte-americana. E aí se entra em um ponto fundamental da economia de mercado: a ética de mercado. A ideologia de mercado dos anos 90 consagrou o oportunismo e a esperteza como valores, até o ponto de atropelar os pilares básicos do mercado: o sistema de informações, a governança corporativa, a confiança nos contratos. Desse jogo participaram as firmas de auditoria, os CEOs, os gurus financeiros e muitos jornalistas de Wall Street. Foi um processo amplo e irrestrito, inclusive para conquistar esse silêncio obsequioso por parte da mídia norte-americana.
O acerto de contas mal começou, e basta olhar o Japão para se entender como será complexo. No final dos anos 80, com o iene forte e a fartura rodeando a economia japonesa, os valores do trabalho foram substituídos por uma ostentação enorme e por uma gana pelo dinheiro fácil que expuseram o Japão a um jogo especulativo com sequelas profundas, que se refletem até hoje sobre a economia nacional.
Enquanto a economia subiu, a lambança prosperou, inclusive em cima de endividamento pesado, confiando no crescimento permanente dos negócios. Quando a economia refluiu, empresários e empresas foram apanhados no contrapé e passaram a forjar os demonstrativos para conseguir rolar as dívidas.
Mais aberta, a economia norte-americana reagirá mais rapidamente a esse processo. Mas se está longe do epicentro da crise política e econômica. As revelações sobre os negócios de George W. Bush com os Rangers, os ganhos financeiros indevidos obtidos, se não são suficientes para um impeachment, certamente liquidarão qualquer autoridade moral do presidente para liderar a recuperação da economia. Aliás, é mais um exemplo do personagem que Noel Rosa consagrou em "Falso Moralista".
Ainda não se chegou ao ponto central da história, que são os grandes bancos norte-americanos, especialmente os nova-iorquinos. De qualquer modo, o mundo entra em uma fase de turbulência com absoluta escassez de estadistas e com a maior potência nas mãos de um trapalhão medíocre e comprometido com interesses da pior espécie.
Seria divertido olhar de longe, não fossem as repercussões sobre a economia brasileira.

Dólar
Operador experiente de mercado, Natan Blanche, da Tendências, matou a charada sobre o desempenho do dólar. Hoje em dia, as empresas brasileiras não conseguem rolar seus compromissos externos. Com isso, seus papéis são negociados por até 30% do valor. Por isso, é belíssimo negócio a empresa comprar dólar aqui no Brasil, mesmo que com ágio expressivo, porque consegue liquidar a sua dívida com enorme deságio.
O dinheiro sai por vias tortas por questões de Imposto de Renda e para permitir à empresa, mais à frente, remeter dólares oficialmente para quitar sua dívida. Estima-se que tenham sido quitados de US$ 10 bilhões a US$ 20 bilhões em compromissos externos. O que explica o fato de o dólar presente estar pressionado e o dólar futuro em nível menor.
E-mail - lnassif@uol.com.br



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