São Paulo, terça, 18 de agosto de 1998

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MERCADO TENSO
Riqueza russa caiu pela metade em dez anos, taxa de mortalidade aumentou e os pobres já são 32 milhões
Toda a Rússia "derrete", e não só a moeda

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

Não é apenas a moeda, o rublo, que está derretendo, mas o próprio país que a emite, a Rússia. Os números são prova eloquente, qualquer que seja o ângulo que se escolha.
Se for o econômico, o fato é que "o PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção de bens e serviços em um país) é 50% inferior ao que era dez anos atrás, sob o comunismo", como diz Grigori Yavlinski, um economista ultraliberal que lidera o Yabloko, partido de oposição.
Se se preferir o ângulo da saúde pública, a taxa de mortalidade cresceu 45% entre 1989 e 1994, enquanto a expectativa de vida para homens "caiu para níveis quenianos: de 65 para 58 anos", observa a revista britânica "The Economist", também ultraliberal.
Completa a revista, que nunca morreu de amores pelo comunismo: "(O aumento da mortalidade) significa que, a cada mês, morrem mais de 20 mil russos, que, sob o comunismo, poderiam ter contado com uma vida mais longa".

Dez anos de mudanças
O grave, na nova crise, é que ela não pode mais ser debitada apenas à herança do antigo regime.
Desde que o comunismo ruiu, foram dez anos de reformas que, na avaliação do Banco Mundial, provocaram "profundas mudanças na Rússia" e a transformaram em um país praticamente capitalista.
"Os preços e o comércio foram liberalizados, mais de 70% do PIB é agora gerado no setor privado e, apesar de problemas iniciais, a estabilidade econômica está agora ao alcance", contabilizava o Banco Mundial em seu balanço do final de 1997 sobre a Rússia.

Condições para crescer
Yavlinsky, candidato derrotado à Presidência nas eleições de 1996, mostra, por sua vez, que chegaram supostamente a ser alcançadas todas as pré-condições que os reformistas consideravam necessárias para a volta do crescimento econômico. A saber: uma taxa de câmbio estável, inflação baixa e a reeleição de Boris Ieltsin, o presidente (obtida em 1996).
Fulmina Yavlinsky: "Ainda assim, foi apenas uma armadilha. A estabilização financeira foi alcançada, mas não o crescimento econômico. E, com a reeleição do presidente, em um processo notoriamente injusto, uma espécie de estabilização política foi alcançada, mas não foram feitas reformas políticas. O resultado é o endividamento -pesado e mais custoso a cada dia".

Sem economia, sem impostos
Os problemas não param aí: nos debates sobre o auxílio à Rússia, as organizações financeiras internacionais e mesmo governos ocidentais colocaram como condição para liberar recursos uma substancial melhoria na arrecadação de impostos.
O raciocínio por trás da exigência era lógico: o déficit público só pode ser mesmo enorme em um país em que a arrecadação de impostos é baixíssima (entre 10% e 12% do Produto Interno Bruto, o PIB, enquanto o Brasil, por exemplo, arrecada cerca de três vezes mais).
O déficit russo, de fato, é elevado (7,5% do PIB no ano passado). Mas o problema pode não ser apenas a dificuldade de arrecadar impostos.
"O grande problema não é o fracasso em coletar impostos, mas a ausência de uma economia da qual impostos possam ser extraídos", diz Yavlinksy.
É natural, com todos esses dados, que tenha entrado em colapso a credibilidade do governo, forçando-o a uma desvalorização da moeda e a uma moratória no pagamento da dívida externa.
A consequência política das medidas de ontem só tende a ser mais desconfiança e mais pobreza, em um país em que "32 milhões de pessoas estavam situadas, em 1996, abaixo da linha de pobreza, enquanto muitos outros lares experimentavam insegurança financeira por causa de atraso de pagamentos de salários e pensões por parte do poder público", nas contas do Banco Mundial.
Tudo somado, entre 25% e 35% dos lares russos ou eram pobres ou experimentavam "insegurança financeira".
Está, pois, presente o potencial para distúrbios que ultrapassem o setor financeiro e cambial.
Yavlinsky chega a dizer que a onda crescente de protestos contra o governo, "se não for enfrentada, tem potencial revolucionário".



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