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MERCADO TENSO
Riqueza russa caiu pela metade em dez anos, taxa de mortalidade aumentou e os pobres já são 32 milhões
Toda a Rússia "derrete", e não só a moeda
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
Não é apenas a moeda, o rublo,
que está derretendo, mas o próprio país que a emite, a Rússia. Os
números são prova eloquente,
qualquer que seja o ângulo que se
escolha.
Se for o econômico, o fato é que
"o PIB (Produto Interno Bruto,
medida da produção de bens e serviços em um país) é 50% inferior
ao que era dez anos atrás, sob o
comunismo", como diz Grigori
Yavlinski, um economista ultraliberal que lidera o Yabloko, partido de oposição.
Se se preferir o ângulo da saúde
pública, a taxa de mortalidade
cresceu 45% entre 1989 e 1994, enquanto a expectativa de vida para
homens "caiu para níveis quenianos: de 65 para 58 anos", observa
a revista britânica "The Economist", também ultraliberal.
Completa a revista, que nunca
morreu de amores pelo comunismo: "(O aumento da mortalidade) significa que, a cada mês, morrem mais de 20 mil russos, que,
sob o comunismo, poderiam ter
contado com uma vida mais longa".
Dez anos de mudanças
O grave, na nova crise, é que ela
não pode mais ser debitada apenas
à herança do antigo regime.
Desde que o comunismo ruiu,
foram dez anos de reformas que,
na avaliação do Banco Mundial,
provocaram "profundas mudanças na Rússia" e a transformaram
em um país praticamente capitalista.
"Os preços e o comércio foram
liberalizados, mais de 70% do PIB
é agora gerado no setor privado e,
apesar de problemas iniciais, a estabilidade econômica está agora
ao alcance", contabilizava o Banco Mundial em seu balanço do final de 1997 sobre a Rússia.
Condições para crescer
Yavlinsky, candidato derrotado
à Presidência nas eleições de 1996,
mostra, por sua vez, que chegaram supostamente a ser alcançadas todas as pré-condições que os
reformistas consideravam necessárias para a volta do crescimento
econômico. A saber: uma taxa de
câmbio estável, inflação baixa e a
reeleição de Boris Ieltsin, o presidente (obtida em 1996).
Fulmina Yavlinsky: "Ainda assim, foi apenas uma armadilha. A
estabilização financeira foi alcançada, mas não o crescimento econômico. E, com a reeleição do presidente, em um processo notoriamente injusto, uma espécie de estabilização política foi alcançada,
mas não foram feitas reformas políticas. O resultado é o endividamento -pesado e mais custoso a
cada dia".
Sem economia, sem impostos
Os problemas não param aí: nos
debates sobre o auxílio à Rússia, as
organizações financeiras internacionais e mesmo governos ocidentais colocaram como condição para liberar recursos uma substancial melhoria na arrecadação de
impostos.
O raciocínio por trás da exigência era lógico: o déficit público só
pode ser mesmo enorme em um
país em que a arrecadação de impostos é baixíssima (entre 10% e
12% do Produto Interno Bruto, o
PIB, enquanto o Brasil, por exemplo, arrecada cerca de três vezes
mais).
O déficit russo, de fato, é elevado
(7,5% do PIB no ano passado).
Mas o problema pode não ser apenas a dificuldade de arrecadar impostos.
"O grande problema não é o
fracasso em coletar impostos, mas
a ausência de uma economia da
qual impostos possam ser extraídos", diz Yavlinksy.
É natural, com todos esses dados, que tenha entrado em colapso a credibilidade do governo, forçando-o a uma desvalorização da
moeda e a uma moratória no pagamento da dívida externa.
A consequência política das medidas de ontem só tende a ser mais
desconfiança e mais pobreza, em
um país em que "32 milhões de
pessoas estavam situadas, em
1996, abaixo da linha de pobreza,
enquanto muitos outros lares experimentavam insegurança financeira por causa de atraso de pagamentos de salários e pensões por
parte do poder público", nas contas do Banco Mundial.
Tudo somado, entre 25% e 35%
dos lares russos ou eram pobres
ou experimentavam "insegurança financeira".
Está, pois, presente o potencial
para distúrbios que ultrapassem o
setor financeiro e cambial.
Yavlinsky chega a dizer que a
onda crescente de protestos contra o governo, "se não for enfrentada, tem potencial revolucionário".
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