São Paulo, sábado, 18 de setembro de 2004

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LUÍS NASSIF

A armadilha mediocrizante

Para entender o que está ocorrendo com a proposta do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, de elevar o superávit fiscal para 5,25% e dar autonomia ao Banco Central.
Está-se buscando uma "separação amigável" entre o Brasil e o FMI (Fundo Monetário Internacional), que incluiria a adoção, pelo Brasil, de medidas mais ortodoxas dos que as previstas pelo Fundo.
Não há sinais de que se consiga romper, ainda no governo Lula, com esse círculo vicioso do "stop-and-go" que tem caracterizado sucessivas políticas econômicas brasileiras. Fala-se em excesso de demanda pública em um governo com 5% de superávit primário e infra-estrutura nacional arrebentada. Fala-se em aumento nos juros que não afetam a atividade econômica -nem se indaga então qual é a razão do aumento, se o único motivo para a elevação dos juros é reduzir a demanda agregada. Permite-se a apreciação cambial, mesmo sabendo que o único foco de dinamismo da economia é o setor externo e a grande vulnerabilidade é a externa.
Toda essa retórica furada acaba se impondo pela absoluta descrença dos centros de pensamento inovador na capacidade do governo Lula de romper com o medo. Chega uma hora em que a racionalidade fica alvo tão distante que cansa. É o mesmo processo castrador que marcou o segundo governo Fernando Henrique Cardoso.
Nos últimos meses, ensaiaram-se alguns lances de planejamento estratégico, de visão de futuro. Mas essas idéias não conseguem sair do plano dos conceitos não-alinhavados. Qualquer tentativa de começar a detalha-lhas, criar um contraponto, é imediatamente bombardeada pelo "bunker" da Fazenda e pelos ventríloquos de sempre no mercado e na mídia.
Os centros de pensamento no governo estão manietados. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mantém o mesmo perfil tímido que tinha no governo Fernando Henrique Cardoso. O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) tem massa crítica e vontade, mas falta-lhe respaldo político e canais institucionais.
O NAE (Núcleo de Assuntos Estratégicos), de Luiz Gushiken, é vítima do exclusivismo que caracteriza certo tipo de pensamento acadêmico incrustado no CGE (Centro de Gestão Estratégica) -que, em vez de difundir, guarda ciosamente as idéias.
O CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) poderia cumprir esse papel de novo centro irradiador de idéias modernizantes e de visão estratégica. Mas teria que ser reformulado. A cada sessão, um tema é desfiado e submerge na seguinte. Falta-lhe um comitê operacional que formalize uma estratégia de desenvolvimento. Mantém a vantagem de reunir sindicalistas e empresários interessados em romper o torniquete da política econômica. Mas tem que ir além.
Mas não tem jeito. É sentar e esperar as próximas eleições. E festejar a perspectiva de taxas medíocres de crescimento, como se fosse a ante-sala do espetáculo.
O país continuará avançando e esperando um presidente que consiga acompanhar seu ritmo.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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