|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Com o limão façamos uma limonada
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A transição de poder no
Brasil será feita sob o impacto de uma crise financeira, interna e externa, de grandes proporções. Não tenhamos ilusão sobre
isso. Citarei dois fatos recentes,
demonstrativos inequívocos dessa realidade: o governo está rolando a dívida mobiliária interna
a taxa de juros superior a 50% ao
ano mais correção cambial; a diretoria do Citibank, na apresentação que fez aos analistas de
Wall Street sobre seus lucros no
último trimestre, tomou mais de
três minutos de seu tempo para
realçar o fato de que tinha conseguido reduzir em vários bilhões
de dólares seus empréstimos ao
Brasil.
Já que a crise está entre nós, como um fato que marcará de forma importante os primeiros anos
do próximo governo, não nos resta outra alternativa senão enfrentá-la com realismo e competência. O estado atual da economia
real nos permite isso. Pretendo
usar este meu espaço semanal para refletir sobre alguns dos pontos
que me parecem fundamentais
dessa agenda -ou, como chamei
minha coluna de hoje, para fazer
do limão da crise uma limonada
de crescimento.
Para sistematizar meu raciocínio, vou dividir os passos de uma
ação do governo em três blocos:
no primeiro, coloco as decisões relativas à obtenção de um equilíbrio macroeconômico, que permita a redução das incertezas de hoje; no segundo, as ações necessárias para garantir nossa solvência
durante o período -pelo menos
de um ano- em que vamos estar
fora do mercado internacional de
capitais; finalmente, as ações sobre o lado real da economia que
serão necessárias para aumentar
nossa eficiência produtiva e, com
isso, a capacidade do país de exportar.
Política macroeconômica
Não acredito ser possível sairmos
da crise atual sem uma política
macroeconômica que trate de
maneira eficiente as grandes
questões associadas à crise financeira atual. Não há espaço para
experiências exóticas. Seus principais pontos são: a geração de um
superávit fiscal suficiente para estabilizar a relação dívida pública
interna sobre o PIB e que compense internamente a queda da
poupança externa -que vai
ocorrer com a redução de nosso
déficit em conta corrente; redução
da volatilidade da taxa de câmbio; administração do nível da
atividade econômica para a ocorrência de excedentes de produção
para a exportação, sem que ocorra paralelamente uma pressão sobre a inflação.
Embora exista hoje capacidade
ociosa na economia e excedentes
no mercado de trabalho, é preciso
monitorar o consumo interno e
evitar tensões de preços que permitam um aumento da inflação
por elevação das margens de lucro de determinados setores.
O governo eleito, para dar credibilidade à manutenção do superávit fiscal ao longo de seu
mandato, terá de enfrentar de
maneira institucional questões
difíceis, como a reforma da Previdência Social. Além disso, terá de
reafirmar o cronograma atual
dos pagamentos da dívida dos Estados com o Tesouro Federal.
Ponte para financiar nossa balança de pagamentos: programa
com o FMI
Em 2003, o FMI e outros bancos
multilaterais serão as únicas fontes de recursos em dólares para financiar nossa balança de pagamentos. Portanto é crucial para o
Brasil manter -e se possível ampliar- o programa atual com o
Fundo. Com um governo comprometido com o cumprimento
de suas condicionalidades, certamente teremos uma redução da
expatriação de capitais e menor
pressão sobre as contas externas.
O dinheiro do Fundo e o superávit comercial devem permitir que
isso ocorra. Certamente teremos
de aceitar um superávit fiscal
maior do que os 3,88% previstos
atualmente, em razão do aumento do custo de rolagem da dívida
mobiliária interna. Esse aperto
adicional sobre o Orçamento trará enormes dificuldades políticas
para o novo presidente.
Agenda para a retomada do
crescimento
Paralelamente a essas medidas
conjunturais de enfrentamento
da questão financeira, o novo governo deverá iniciar um ciclo de
reformas microeconômicas, no
sentido de fortalecer nosso sistema produtivo. Para tanto, é preciso entender que a abertura comercial não é um fim em si mesmo -como pensa o malanismo-, mas sim um importante
instrumento para aumentar nossa competitividade sistêmica. Ela
também é um instrumento importante para evitar a ação de setores oligopolizados sobre a formação dos preços internos e para
permitir um aumento em nossas
exportações de manufaturados
de maior valor agregado.
No topo dessa agenda desenvolvimentista está a questão da reforma tributária. Outros itens importantes são as medidas para
uma maior eficiência alocativa
do mercado de crédito interno,
principalmente no financiamento às exportações, e o desenvolvimento de uma política industrial
que permita o aumento da produção interna de setores que pesam na composição de nossas importações.
Essas medidas duras, se administradas com eficiência, devem
permitir que, a partir de 2004,
possamos sair do período de enormes dificuldades que a sociedade
está vivendo.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
Texto Anterior: Para Armínio, é difícil medir otimismo nos EUA Próximo Texto: Energia: Petrobras paga menos pela Pecom Índice
|