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ARTIGO
Classe média industrial pode desaparecer nos EUA
PAUL KRUGMAN
Em 1999, a Delphi, divisão de
autopeças da General Motors, foi transformada em empresa independente. Agora, a companhia pediu concordata. Seu
presidente, Robert Miller, quer
que os trabalhadores da empresa
aceitem cortes drásticos de salários, de uma média de US$ 27 por
hora para, em alguns casos, apenas US$ 10 por hora.
Há dúvidas quanto aos motivos
para que a Delphi e a indústria automobilística norte-americana tenham caído a esse ponto.
Por que os executivos da Delphi
que foram demitidos receberam
grandes pacotes de indenização
em um período no qual a empresa
solicita que os funcionários aceitem cortes de salários?
Por que, quando a General Motors era lucrativa, ela pagava dividendos tão altos, mas não investia
o necessário para garantir as pensões de seus funcionários?
Mas a concordata da Delphi é
mais importante do que um simples caso de fracasso empresarial
e de executivos usufruindo de recompensas indevidas.
Caso a Delphi consiga reduzir
os salários de seus funcionários,
como pretende, e dê o calote nos
pagamentos de pensões dos trabalhadores, o restante da indústria automobilística pode perfeitamente se sentir tentado -ou
forçado- a fazer o mesmo.
E isso porá fim à era na qual os
operários norte-americanos podiam fazer parte da classe média.
Houve uma época em que a economia americana oferecia muitos
bons empregos -empregos que
não faziam os trabalhadores serem ricos, mas davam a eles uma
renda de classe média.
Os melhores desses bons empregos estavam nas grandes empresas industriais, especialmente
no setor automobilístico.
Já faz uma geração que a maioria dos trabalhadores norte-americanos não pode usufruir de uma
parcela do crescimento do país.
Os Estados Unidos são hoje
muito mais ricos do que há 30
anos, mas desde o começo dos
anos 1970 o pagamento do trabalhador médio mal e mal acompanhou a inflação.
O contraste entre o crescimento
da riqueza nacional e a estagnação dos salários vem se tornando
ainda mais extremo recentemente. Em 2004, ano que tanto o governo Bush quanto Wall Street
saudaram como de ascensão econômica, a renda média real dos
homens empregados em período
integral caiu mais de 2% nos EUA.
Agora, os últimos vestígios da
era de empregos bons e abundantes começam a desaparecer.
Compressão de benefícios
Em quase toda parte, o que vemos são empresas comprimindo
salários e benefícios, alegando
que não lhes resta escolha, tendo
em vista a competição mundial.
Portanto, o que devemos fazer a
respeito?
Durante os anos 1990, os otimistas argumentavam que educação
melhor e mais treinamento para
os trabalhadores poderiam restaurar a capacidade da economia
de criar bons empregos.
Miller, da Delphi, usou esse argumento em sua campanha em
defesa de um corte de salários. "O
mundo paga aos trabalhadores do
conhecimento muito mais do que
paga aos trabalhadores industriais", disse. "E esse fenômeno
começa a nos atingir."
Mas esse é o tipo de resposta
que só funcionaria em 1999. Durante a bolha da tecnologia, era fácil acreditar que os "trabalhadores do conhecimento" tinham
bons empregos garantidos.
Mas, quando a bolha estourou,
eles se provaram tão vulneráveis a
cortes e enxugamentos quanto os
operários nas linhas de montagem. E muitos dos empregos bem
pagos que desapareceram foram
terceirizados para a Índia e outras
economias em ascensão.
Hoje, alguns de nós gostam de
enfatizar os efeitos deprimentes
que o sistema disfuncional de
saúde dos Estados Unidos opera
sobre os salários do país.
Grande parte do problema que
a indústria automobilística e outros empregadores que ainda oferecem bons empregos enfrentam
é o custo de cobertura do seguro-saúde, tanto para funcionários
atuais quanto para aposentados.
Se tivéssemos um sistema ao estilo canadense -entusiasticamente apoiado pelas subsidiárias
canadenses das empresas do setor
automobilístico norte-americano-, essa grande compressão
poderia ser evitada por pelo menos algum tempo.
Uma razão a mais para irritação
com os executivos do setor automobilístico é que eles jamais expressaram apoio organizado à
criação de um sistema nacional de
saúde, ainda que um modelo desse tipo claramente interesse às
suas empresas.
E se nem a educação nem a reforma do setor de saúde bastarem
para pôr fim à compressão de salários? Essa é a possibilidade que
faz com que liberais defensores do
livre comércio, como eu, se sintam especialmente nervosos, porque é o momento em que o protecionismo adentra o palco.
Quando os executivos dizem
que precisam cortar salários para
enfrentar a concorrência estrangeira, os trabalhadores têm todo o
direito de perguntar por que eles
não cortam a concorrência estrangeira em vez disso.
Espero que a situação não chegue a esse ponto. Mas não adianta
nada negar os fatos. A classe média operária dos Estados Unidos
vêm sofrendo erosão há uma geração e pode estar a caminho de
desaparecer. Alguma coisa precisa ser feita.
Paul Krugman, economista, é colunista
do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo
foi publicado originalmente no "New
York Times"
Tradução de Paulo Migliacci
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