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Crise global altera tema do Fórum de Davos
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Pela primeira vez em seus 38
anos, o Fórum Econômico
Mundial se viu obrigado a mudar o tema de seu encontro
anual, que se realiza todos os janeiros na cidadezinha suíça de
Davos, encravada nos Alpes e
que, na época, se transforma na
maior concentração de personalidades do planeta. O tema
original era insípido -Juntando os pontos: Catalisando soluções. Agora, será ambicioso:
Moldando o Mundo Pós-Crise.
O encontro de 2009 reunirá
1590 pessoas, entre chefes de
Estado/governo, ministros, altas autoridades, acadêmicos
das grandes grifes universitárias e, principalmente, homens
de negócio, que formam a grande clientela do fórum.
Em e-mail aos participantes,
Klaus Schwab, o presidente do
fórum, explicou: "A presente
crise econômica global mudará
substancialmente o panorama
econômico, dos negócios e político do futuro. Companhias e
governos estão sendo forçados
a reverem seus pressupostos
básicos e a repensarem estratégias à luz da transformação global que está ocorrendo".
Daí a mudança do tema, o
que, no entanto, carrega um perigo: não há a mais leve certeza
de que até 28 de janeiro, quando começa o encontro, o "mundo pós-crise" já terá emergido.
Ontem, ao contrário, ao menos a Europa afundava mais, a
ponto de Ucrânia e Hungria terem sido obrigadas a recorrer
ao FMI. É a primeira vez, nos 15
meses de crise, que países europeus recorrem ao Fundo.
"Muitos países parecem estar experimentando problemas
por causa da repatriação de capital privado por investidores
externos ou pela redução das linhas de crédito por parte de
bancos estrangeiros", afirmou
Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do Fundo.
Em outras palavras, secou
completamente o crédito. Secura, aliás, explicitada pelo
Merrill Lynch, que afirma que o
setor bancário europeu tem
uma insuficiência de fundos
próprios de entre 132 bilhões
e 292 bilhões.
Some-se à falta de fundos
uma profunda desconfiança,
assim explicada pelo jornalista
e novelista John Henry Lanchester na "London Review of
Books": "Ninguém sabe quem
tem qual dívida e, acima de tudo, ninguém sabe quanto valem esses papéis".
Se ninguém sabe, ninguém
empresta para ninguém, o que
ajuda a explicar porque a taxa
em euros para empréstimos
entre bancos continua caindo a
conta-gotas apesar dos megapacotes de ajuda aos bancos. A
média mensal de outubro estava ontem em 5,425%, ainda
acima dos 5,384% de setembro,
quando os pacotes nem estavam no horizonte.
Como o dinheiro não circula,
as empresas vão ficando asfixiadas, a ponto de uma companhia aérea espanhola suspender suas operações, alegando
sérias dificuldades financeiras.
Dificuldades comuns a pessoas físicas e jurídicas: ainda na
Espanha, o atraso nos pagamentos de créditos concedidos
por instituições financeiras subiu para 2,44%, a taxa mais alta
desde maio de 1998. Em um
ano, a inadimplência triplicou.
A indústria tampouco escapa
do sufoco: na Espanha, os negócios industriais diminuíram
4,3% em agosto ante o mesmo
período de 2007, a maior queda
dos últimos cinco meses.
Nesse cenário, fica difícil explicar por que as Bolsas européias tiveram ontem avanços
expressivos. Se a explicação para as últimas quedas, às vezes
fortes, era o risco de recessão
global, agora que ela dá sinais
de que aterrissou na realidade,
o razoável era esperar novos
recuos. A menos que os investidores tenham achado que elas
chegaram ao fundo do poço e
resolveram sair às compras.
O movimento positivo nas
Bolsas tirou-as das manchetes,
mas, em contrapartida, colocou nelas a retração e a estiagem do crédito, as duas faces de
um mesmo problema.
Por isso, o Fórum pode ter se
precipitado ao imaginar que o
mundo já estará no pós-crise
quando seu encontro anual
abrir as portas em janeiro.
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