São Paulo, domingo, 18 de outubro de 1998

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LUÍS NASSIF
O pacto que levou ao FMI

Nas últimas semanas há um clima novo no Planalto. A crise aguçou o sentimento de sobrevivência da equipe ministerial, FHC rompeu o autismo que caracterizou sua ação frente à deterioração das contas externas e firmou-se um pacto onde, pela primeira vez, foi definida uma estratégia pró-ativa de combate à crise.
A definição ocorreu em uma penosa reunião ministerial, alguns dias antes da ida do ministro da Fazenda, Pedro Malan, para a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI). Participaram os principais homens da Fazenda, do Banco Central (BC), mais os irmãos Mendonça de Barros e o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza -esses últimos representando a posição crítica em relação à continuidade do modelo atual.
Desde a eclosão da crise da Ásia, o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, vinha defendendo a tese de que a crise se tornara sistêmica. Portanto, não haveria mais sentido em manter a política atual, de taxas de câmbio elevadas, para atrair capital volátil, aguardando a normalização do mercado de capitais.
Esse foi o teor da longa conversa mantida entre ele e seu irmão José Roberto com FHC, numa noite de sexta- feira, logo após a crise da Rússia.
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Ruptura de mercado Em encontro ministerial ocorrido três semanas antes dessa reunião decisiva, a banda heterodoxa do ministério havia sugerido um caminho alternativo. Se o mercado estava fechado, haveria a necessidade de aproveitar a crise e montar um colchão de liquidez com o FMI que, no mínimo, cobrisse a sangria de recursos externos brasileiros por 12 meses. A ala ortodoxa foi contra. Alegou a impossibilidade de um acordo prévio com o FMI, por parte de um país que ainda dispunha de reservas cambiais. E ainda se apostava em uma recuperação do mercado.
Para a reunião, a banda heterodoxa convidou um brasileiro experiente, que atua no mercado financeiro nova-iorquino, que reafirmou que a crise da Rússia provocara ruptura total no mercado de bônus e de investimentos de curto prazo nos mercados emergentes. Não haveria sentido na manutenção de taxas de juros elevadas por parte do Banco Central, porque, em fases de excessiva desconfiança, quanto maiores os juros, maior a suspeita de calote. Mas a reunião terminou sem conclusões maiores.
Três semanas depois, com as reservas se esvaindo em sangria desatada, ocorreu a nova reunião. A essa altura começava a se esboçar a percepção de que a crise já estava batendo às portas do sistema bancário do Primeiro Mundo. Com isso, o Brasil passaria a ser peça-chave da estabilidade, podendo ser o primeiro país a pleitear ajuda do FMI dentro de um novo modelo de intervenção, fora dos padrões tradicionais.
Dali mesmo o FMI foi contatado telefonicamente. E Malan embarcou para os Estados Unidos com a estratégia definida. A reunião foi importante para homogeneizar pontos de vista. O único recalcitrante foi o diretor de Política Monetária do BC, Francisco Lopes, que persistiu em sua visão de que a crise deveria ser tratada com juros altos -e tratou de expor seu ponto de vista em longa entrevista ao "Estado", no período em que Malan e Gustavo Franco já estavam em fase de negociação com o Fundo. Mas Lopes conseguiu fazer prevalecer seu ponto de vista, de manutenção da política monetária pelo menos até que o conjunto de reformas esteja encaminhada com segurança.
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Proposta inédita Malan seguiu para Washington com duas propostas inéditas para o Fundo. A primeira, a da concessão de um empréstimo "stand by" para um país ainda com reservas cambiais elevadas. A segunda, que esse empréstimo fosse feito com grau de interferência limitada do Fundo. O Brasil se comprometeria com um ajuste fiscal, seguido de queda dos juros.
Mas manteria um grau de liberdade para implementá- lo, sem a necessidade das consultas a cada passo, que caracterizavam os acordos tradicionais do Fundo. E, principalmente, sem submeter ao Fundo os próximos passos de sua política cambial, já que seria uma discussão inócua nesse momento, pois -independentemente da posição da equipe- nenhum passo poderia ser dado antes da obtenção das condições prévias, de equilíbrio fiscal e colchão de liquidez.
A definição do Ministério da Produção selou o pacto final firmado no Planalto.
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E-mail: lnassif@uol.com.br


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