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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Queda nos juros dos EUA não basta para conter crise
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
Os mercados acionários dos
EUA viveram dias de euforia depois do anúncio inesperado de
mais um corte nas taxas de juros.
Outros mercados reagiram com
menos vigor (caso do Brasil, onde
a saída de dólares ainda preocupa),
mas o cenário melhorou muito. Na
Ásia, avanços na criação de um
fundo de saneamento dos bancos
japoneses também deram alento
aos mercados.
O fim da crise, entretanto, ainda
parece distante. O presidente do
Fed (banco central dos EUA), Alan
Greenspan, foi claro: ao anunciar a
decisão-surpresa, disse que a intranquilidade com o sistema financeiro norte-americano era
uma causa fundamental da redução nos juros e, mais importante,
na taxa de redesconto (custo de
empréstimos de emergência para
instituições financeiras em dificuldades). Essa taxa permanecia imóvel desde janeiro de 1996.
Conclusão: a redução emergencial reflete a preocupação das autoridades dos EUA com a saúde do
sistema financeiro doméstico. Para os mais conservadores, este é
um sinal de que o pânico do mercado finalmente atingiu o "templo" (como também é conhecido o
banco central norte-americano).
Coincidentemente, talvez, um
dia antes de o Fed anunciar o corte
nos juros foi publicado um detalhado estudo sobre a saúde financeira dos EUA pela agência de avaliação de riscos Moody"s Investors
Service ("Financial Sector Debt
Surge Raises Questions", de John
Lonski, economista-sênior). O relatório pode ser lido no site da
agência na Internet
(www.moodys.com).
O cenário não é catastrófico, mas
muito preocupante quando se
compara o estouro da bolha especulativa ocorrido no final dos anos
80 com o atual.
Naquela época, houve uma corrida especulativa usando empréstimos que foram canalizados em larga medida para operações no mercado imobiliário, para compra de
empresas e de outros ativos não-financeiros. Ou seja, havia ainda
uma ligação mais direta com alguma coisa do mundo real.
Agora, predomina a "alavancagem" (uso de crédito nos bancos
para gerar novas oportunidades de
captação de recursos financeiros).
A bolha está mais profundamente
amparada em operações entre as
próprias instituições financeiras.
No final dos 80, a crise produziu
um excesso de oferta no lado real
da economia. Agora, o castelo de
cartas está armado em grande estilo no interior dos circuitos financeiros. O exemplo dessa alavancagem recente é o episódio do Long-Term Capital Management: com
apenas US$ 4 bilhões, a turma do
Nobel de economia alavancou
operações penduradas em US$ 116
bilhões de dívidas.
A dívida do setor financeiro privado cresceu, ao longo de 15 anos,
a uma velocidade mais que o dobro da taxa de crescimento da economia. A taxa média, anualizada,
de crescimento de instrumentos
de crédito lastreados em títulos financeiros foi de estonteantes
21,2%.
É uma formidável bolha especulativa, um castelo de cartas cujo
desmonte mal começou. A redução dos juros, nesse contexto, serve menos para prolongar a euforia
(reação inicial dos mercados) e
mais para facilitar, barateando, a
reestruturação patrimonial das
instituições financeiras.
O relatório da Moody"s chama a
atenção para o aperto de crédito
que se abate sobre as empresas
norte-americanas, na medida em
que os investidores adotam uma
postura aterrorizada diante de
qualquer risco.
Mas desde o início do século 20
os economistas que leram a obra
de Keynes sabem que redução de
juros e superação da aversão ao
risco nem sempre andam juntos.
Em situações de crise, os juros
caem e os investimentos não se recuperam.
O economista argentino Guillermo Calvo, que antecipou a crise
mexicana de 1994, declarou, por
exemplo, na última sexta-feira que
o efeito positivo sobre as Bolsas da
queda nos juros é secundário.
Vive-se agora uma crise de crédito e não apenas flutuações de preços nos mercados de capitais.
Nessa crise, a redução de juros
ajuda e é necessária, mas pode não
ser suficiente.
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