São Paulo, domingo, 18 de outubro de 1998

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Queda nos juros dos EUA não basta para conter crise

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

Os mercados acionários dos EUA viveram dias de euforia depois do anúncio inesperado de mais um corte nas taxas de juros. Outros mercados reagiram com menos vigor (caso do Brasil, onde a saída de dólares ainda preocupa), mas o cenário melhorou muito. Na Ásia, avanços na criação de um fundo de saneamento dos bancos japoneses também deram alento aos mercados.
O fim da crise, entretanto, ainda parece distante. O presidente do Fed (banco central dos EUA), Alan Greenspan, foi claro: ao anunciar a decisão-surpresa, disse que a intranquilidade com o sistema financeiro norte-americano era uma causa fundamental da redução nos juros e, mais importante, na taxa de redesconto (custo de empréstimos de emergência para instituições financeiras em dificuldades). Essa taxa permanecia imóvel desde janeiro de 1996.
Conclusão: a redução emergencial reflete a preocupação das autoridades dos EUA com a saúde do sistema financeiro doméstico. Para os mais conservadores, este é um sinal de que o pânico do mercado finalmente atingiu o "templo" (como também é conhecido o banco central norte-americano).
Coincidentemente, talvez, um dia antes de o Fed anunciar o corte nos juros foi publicado um detalhado estudo sobre a saúde financeira dos EUA pela agência de avaliação de riscos Moody"s Investors Service ("Financial Sector Debt Surge Raises Questions", de John Lonski, economista-sênior). O relatório pode ser lido no site da agência na Internet (www.moodys.com).
O cenário não é catastrófico, mas muito preocupante quando se compara o estouro da bolha especulativa ocorrido no final dos anos 80 com o atual.
Naquela época, houve uma corrida especulativa usando empréstimos que foram canalizados em larga medida para operações no mercado imobiliário, para compra de empresas e de outros ativos não-financeiros. Ou seja, havia ainda uma ligação mais direta com alguma coisa do mundo real.
Agora, predomina a "alavancagem" (uso de crédito nos bancos para gerar novas oportunidades de captação de recursos financeiros). A bolha está mais profundamente amparada em operações entre as próprias instituições financeiras.
No final dos 80, a crise produziu um excesso de oferta no lado real da economia. Agora, o castelo de cartas está armado em grande estilo no interior dos circuitos financeiros. O exemplo dessa alavancagem recente é o episódio do Long-Term Capital Management: com apenas US$ 4 bilhões, a turma do Nobel de economia alavancou operações penduradas em US$ 116 bilhões de dívidas.
A dívida do setor financeiro privado cresceu, ao longo de 15 anos, a uma velocidade mais que o dobro da taxa de crescimento da economia. A taxa média, anualizada, de crescimento de instrumentos de crédito lastreados em títulos financeiros foi de estonteantes 21,2%.
É uma formidável bolha especulativa, um castelo de cartas cujo desmonte mal começou. A redução dos juros, nesse contexto, serve menos para prolongar a euforia (reação inicial dos mercados) e mais para facilitar, barateando, a reestruturação patrimonial das instituições financeiras.
O relatório da Moody"s chama a atenção para o aperto de crédito que se abate sobre as empresas norte-americanas, na medida em que os investidores adotam uma postura aterrorizada diante de qualquer risco.
Mas desde o início do século 20 os economistas que leram a obra de Keynes sabem que redução de juros e superação da aversão ao risco nem sempre andam juntos. Em situações de crise, os juros caem e os investimentos não se recuperam.
O economista argentino Guillermo Calvo, que antecipou a crise mexicana de 1994, declarou, por exemplo, na última sexta-feira que o efeito positivo sobre as Bolsas da queda nos juros é secundário.
Vive-se agora uma crise de crédito e não apenas flutuações de preços nos mercados de capitais.
Nessa crise, a redução de juros ajuda e é necessária, mas pode não ser suficiente.



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