São Paulo, domingo, 18 de outubro de 1998

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MERCADO TENSO
Professor da Universidade de Chicago teme volta do protecionismo comercial com agravamento da crise
Ajuste libera câmbio, propõe Sheinkman

Rogério Assis/Folha Imagem
O economista José Alexandre Sheikman, que não vê semelhanças entre a crise atual e a Depressão de 29


SILVANA QUAGLIO
RICARDO GRINBAUM
da Reportagem Local

O ajuste fiscal permitirá ao governo mexer na política cambial. Para o economista carioca radicado nos Estados Unidos, José Alexandre Sheinkman, o Brasil não deve manter a âncora cambial "mais tempo do que o necessário".
Sheinkman acredita que a hora de mexer no câmbio é quando se chegar a um equilíbrio nas contas públicas, com um superávit primário (sem contar gastos com juros), de 2,5% a 3% do PIB.
Na opinião do professor das Universidades de Chicago e Princenton, as duas melhores opções de mudança são opostas: adotar o câmbio flutuante, que varia conforme a entrada e saída de dólares, ou atrelar a moeda nacional ao dólar, como a Argentina."Eu sou menos simpático às soluções muito intermediárias."
Avesso a previsões de desempenho econômico, Sheinkman acredita que existam poucas semelhanças entre a atual crise econômica mundial com a recessão de 1929, mas se preocupa com a volta do protecionismo econômico. "Esse é um perigo. Numa época de piora econômica há sempre o risco de que o protecionismo possa voltar", disse Sheinkman, na seguinte entrevista que deu à Folha:

Folha - Alguns economistas defendem uma desvalorização do Real para permitir uma queda rápida dos juros. O que o sr. acha disso?
José Alexandre Sheinkman -
Os países que fizeram desvalorizações em momento de crise não conseguiram baixar a taxa de juros e tiveram uma grande perda na entrada de capitais. Essa não é uma consideração para se fazer agora. Depois que tivermos uma situação fiscal mais saudável, poderemos rediscutir o sistema cambial.
Folha - O que seria uma situação fiscal mais saudável?
Sheinkman -
Temos um déficit primário de 1% e um déficit nominal muito maior porque nossa conta com juros é muito alta. Nas atuais condições, teríamos que gerar um superávit primário de 2,5% a 3% do PIB. Além disso, precisaríamos de uma situação mais calma lá fora.
Folha - Quais os melhores opções para mudança no regime cambial?
Sheinkman -
Não refleti o suficiente sobre isso, mas sou muito tentado por dois extremos. Uma alternativa é chegar a um ponto em que o país não precisa de moeda própria (como o peso argentino que é atrelado ao dólar). Isso tem funcionado bem para alguns países, mas demanda mudanças fundamentais, como não poder ter um sistema bancário nacional.
A outra possibilidade é ter o câmbio razoavelmente livre, que flutue. Cada um dos regimes tem efeitos diferentes na economia. Tem que haver um debate sobre a adoção do regime cambial no Brasil. Eu sou menos simpático às soluções muito intermediárias.
Folha - O nosso sistema de câmbio está esgotado?
Sheinkman -
A chamada âncora cambial foi importantíssima para a estabilização brasileira. O problema é não usá-la mais do que o tempo necessário. Eu acho que a dependência na âncora cambial sem o ajuste fiscal é insustentável. A estabilidade da nossa moeda tem de ser menos dependente do regime cambial e mais dependente do equilíbrio fiscal.
Folha - Os juros não caem com o ajuste fiscal? Porque mexer no câmbio?
Sheinkman -
Os juros internos caem. Não fico medindo o câmbio real, mas muita gente acha que o câmbio está um pouco valorizado. O que mais ouço é uma valorização em torno de 15%. O governo acredita que as mini-desvalorizações tomarão conta disso. O governo faz desvalorização de 7,5% ao ano. Nesse ritmo em dois anos você realmente elimina o atraso cambial. A questão é: se você quiser eliminar a defasagem de maneira mais rápida, também terá que desvalorizar de maneira mais rápida.
Folha -O sr. acredita que teremos uma recessão mundial?
Sheinkman -
A maioria das pessoas imagina que o mundo inteiro crescerá menos do que em 97, com poucas exceções, como a Alemanha. Hoje não temos razões para predizer que vai se repetir no mundo o que ocorreu na crise de 29. Seriam necessários erros muito graves por parte dos condutores da política econômica na Europa e nos EUA para chegarmos a uma situação parecida.
Folha - O sr. acha que existe o risco de uma volta do protecionismo comercial?
Sheinkman -
Esse é um dos perigos. Nas últimas semanas começou uma polarização nos EUA. A direita, no estilo de Pat Buckanan, aliou-se a sindicatos e está brigando contra a importação do aço. Dizem que o emprego dos norte-americanos está acabando. Mas eles falam isso há muito tempo sem ter nenhum efeito. A economia dos EUA continua crescendo. Numa época de piora econômica há sempre receio de que esse tipo de coisa possa voltar. A história econômica demonstra que o protecionismo teve um papel não trivial na crise dos anos 30.
Folha - Qual o risco da crise japonesa piorar?
Sheinkman -
Há dois anos, o Japão poderia facilmente pagar o custo da reforma do sistema financeiro, se houvesse vontade política. Mas esses problemas pioram com o tempo e o último anúncio é que a reforma, apenas dos bancos, vai custar 14% do PIB. Esse não é um número trivial. Se demorar mais tempo pode chegar ao ponto em que não se vai conseguir resolver isso sem uma crise econômica ainda maior.



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