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OPINIÃO ECONÔMICA
"O brasileiro do ano"
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O ano de 2003 está nas últimas. Todos os assuntos parecem exaustos. Nessas situações,
o colunista sempre pode apelar
para alguns conhecidos golpes
baixos. Pode fazer um "balanço"
do ano. Ou apresentar as suas
previsões para o ano que vem.
Sabemos, porém, que os economistas são extraordinários profetas -mas do passado, só do passado. Fico, portanto, com a primeira opção.
Digito esses parágrafos e paro.
Preciso dizer alguma coisa um
pouco mais provocativa -senão
o leitor me abandona logo, logo.
Em geral, o leitor gosta de sangue.
Vejamos. Já sei. O ministro da Fazenda merece realmente o retumbante título de "brasileiro do
ano"? É o que pensa a revista "Isto É".
Palocci tem méritos indiscutíveis. É equilibrado e sereno. Tem
grandes reservas de paciência.
Ouve (não sei se escuta) críticas
com muita equanimidade. Além
disso, não é economista e, sobretudo, não é economista do PT (só
quem conhece a antiga "entourage" econômica do atual presidente da República sabe do que escapamos).
Mas "brasileiro do ano"? Seus
admiradores apontam sempre
para a melhora dos indicadores
financeiros do país em 2003. No
início do ano, o quadro era periclitante. Desde então, a inflação
foi domada, o risco Brasil caiu, o
real se valorizou, a Bolsa de Valores subiu. Cabe, entretanto, a pergunta: isso basta para proclamá-lo "brasileiro do ano"?
Não vou nem falar de recessão e
desemprego outra vez. Obviamente, a estabilização monetária
e financeira é, na melhor das hipóteses, uma precondição para o
que de fato interessa e ainda não
veio: crescimento econômico, geração de empregos e distribuição
de renda.
Fiquemos no terreno estritamente monetário-financeiro. Precisamos tentar separar o que é
mérito da política econômica do
governo brasileiro daquilo que resulta de uma evolução favorável
do ambiente internacional.
A verdade, leitor, é que a queda
da inflação é um fenômeno mundial. Nos países desenvolvidos, a
inflação anual dos preços ao consumidor é atualmente sempre inferior a 3%. A grande maioria dos
países "emergentes" registra inflação abaixo de 4%. Alguns
apresentam até deflação. Poucos
têm taxa de inflação superior à
brasileira.
Quanto aos demais indicadores
financeiros, a melhora também
foi generalizada em 2003. As Bolsas de Valores subiram em todos
os principais "mercados emergentes", os títulos desses países aumentaram de cotação, os prêmios
de risco caíram.
Por trás disso está uma extraordinária expansão da liquidez internacional. Os principais bancos
centrais do mundo, o dos EUA à
frente, vêm praticando políticas
monetárias expansivas. As taxas
de juro nos principais centros financeiros estão muito baixas,
não raro negativas em termos
reais. Em consequência, os investidores migraram para mercados
e papéis de risco mais alto.
Ninguém sabe quanto tempo
vai durar essa onda favorável. A
experiência mostra que as mudanças nas condições financeiras
internacionais podem ser abruptas e traumáticas, principalmente
aos "emergentes" da periferia.
Melhor seria se "o brasileiro do
ano" estivesse aproveitando a fase propícia para diminuir mais
rapidamente a vulnerabilidade
externa da economia nacional,
problema que o próprio FMI
apontou como ainda não resolvido em documento divulgado nesta semana. Isso significaria -repito pela enésima vez- completar o ajustamento estrutural do
balanço de pagamentos em conta
corrente, introduzir controles preventivos na conta de capitais, administrar o perfil da dívida externa e reforçar o nível das reservas
internacionais do país.
"O brasileiro do ano" dá às vezes a impressão de que ainda não
compreende bem essa questão.
Confrontado com advertências
sobre o risco de uma reversão na
conjuntura financeira mundial,
em debate realizado nesta segunda-feira em São Paulo, o ministro
respondeu que a melhor maneira
de proteger o Brasil contra futuros choques externos é "manter
uma sólida política fiscal, diminuir impostos e permanecer vigilante contra a inflação"...
Em vez de ficar se iludindo com
esses clichês econômicos, Palocci
deveria atentar para o caráter
realmente excepcional da atual
conjuntura financeira internacional. O caso da Venezuela é
ilustrativo. Embora governada
por um "populista furioso", daqueles que babam na gravata e
atemorizam os investidores, a Venezuela tem se beneficiado intensamente do boom financeiro. Os
"spreads" dos seus títulos caíram
cerca de cinco pontos percentuais
em 2003. A Bolsa de Caracas subiu nada menos que 140% em dólares até o início deste mês, a melhor performance entre todos os
principais "emergentes".
Veja, leitor, como o mundo é injusto. Não me consta que alguém
tenha lembrado de proclamar o
presidente Hugo Chávez, ou o seu
ministro das Finanças, de "o venezuelano do ano".
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail: - pnbjr@attglobal.net
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