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São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

"O brasileiro do ano"

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O ano de 2003 está nas últimas. Todos os assuntos parecem exaustos. Nessas situações, o colunista sempre pode apelar para alguns conhecidos golpes baixos. Pode fazer um "balanço" do ano. Ou apresentar as suas previsões para o ano que vem.
Sabemos, porém, que os economistas são extraordinários profetas -mas do passado, só do passado. Fico, portanto, com a primeira opção.
Digito esses parágrafos e paro. Preciso dizer alguma coisa um pouco mais provocativa -senão o leitor me abandona logo, logo. Em geral, o leitor gosta de sangue. Vejamos. Já sei. O ministro da Fazenda merece realmente o retumbante título de "brasileiro do ano"? É o que pensa a revista "Isto É".
Palocci tem méritos indiscutíveis. É equilibrado e sereno. Tem grandes reservas de paciência. Ouve (não sei se escuta) críticas com muita equanimidade. Além disso, não é economista e, sobretudo, não é economista do PT (só quem conhece a antiga "entourage" econômica do atual presidente da República sabe do que escapamos).
Mas "brasileiro do ano"? Seus admiradores apontam sempre para a melhora dos indicadores financeiros do país em 2003. No início do ano, o quadro era periclitante. Desde então, a inflação foi domada, o risco Brasil caiu, o real se valorizou, a Bolsa de Valores subiu. Cabe, entretanto, a pergunta: isso basta para proclamá-lo "brasileiro do ano"?
Não vou nem falar de recessão e desemprego outra vez. Obviamente, a estabilização monetária e financeira é, na melhor das hipóteses, uma precondição para o que de fato interessa e ainda não veio: crescimento econômico, geração de empregos e distribuição de renda.
Fiquemos no terreno estritamente monetário-financeiro. Precisamos tentar separar o que é mérito da política econômica do governo brasileiro daquilo que resulta de uma evolução favorável do ambiente internacional.
A verdade, leitor, é que a queda da inflação é um fenômeno mundial. Nos países desenvolvidos, a inflação anual dos preços ao consumidor é atualmente sempre inferior a 3%. A grande maioria dos países "emergentes" registra inflação abaixo de 4%. Alguns apresentam até deflação. Poucos têm taxa de inflação superior à brasileira.
Quanto aos demais indicadores financeiros, a melhora também foi generalizada em 2003. As Bolsas de Valores subiram em todos os principais "mercados emergentes", os títulos desses países aumentaram de cotação, os prêmios de risco caíram.
Por trás disso está uma extraordinária expansão da liquidez internacional. Os principais bancos centrais do mundo, o dos EUA à frente, vêm praticando políticas monetárias expansivas. As taxas de juro nos principais centros financeiros estão muito baixas, não raro negativas em termos reais. Em consequência, os investidores migraram para mercados e papéis de risco mais alto.
Ninguém sabe quanto tempo vai durar essa onda favorável. A experiência mostra que as mudanças nas condições financeiras internacionais podem ser abruptas e traumáticas, principalmente aos "emergentes" da periferia.
Melhor seria se "o brasileiro do ano" estivesse aproveitando a fase propícia para diminuir mais rapidamente a vulnerabilidade externa da economia nacional, problema que o próprio FMI apontou como ainda não resolvido em documento divulgado nesta semana. Isso significaria -repito pela enésima vez- completar o ajustamento estrutural do balanço de pagamentos em conta corrente, introduzir controles preventivos na conta de capitais, administrar o perfil da dívida externa e reforçar o nível das reservas internacionais do país.
"O brasileiro do ano" dá às vezes a impressão de que ainda não compreende bem essa questão. Confrontado com advertências sobre o risco de uma reversão na conjuntura financeira mundial, em debate realizado nesta segunda-feira em São Paulo, o ministro respondeu que a melhor maneira de proteger o Brasil contra futuros choques externos é "manter uma sólida política fiscal, diminuir impostos e permanecer vigilante contra a inflação"...
Em vez de ficar se iludindo com esses clichês econômicos, Palocci deveria atentar para o caráter realmente excepcional da atual conjuntura financeira internacional. O caso da Venezuela é ilustrativo. Embora governada por um "populista furioso", daqueles que babam na gravata e atemorizam os investidores, a Venezuela tem se beneficiado intensamente do boom financeiro. Os "spreads" dos seus títulos caíram cerca de cinco pontos percentuais em 2003. A Bolsa de Caracas subiu nada menos que 140% em dólares até o início deste mês, a melhor performance entre todos os principais "emergentes".
Veja, leitor, como o mundo é injusto. Não me consta que alguém tenha lembrado de proclamar o presidente Hugo Chávez, ou o seu ministro das Finanças, de "o venezuelano do ano".


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail: - pnbjr@attglobal.net


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