São Paulo, sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Escorpião morde sapo endividado


Grande finança, salva da ruína pelo dinheiro público, volta a especular contra governos e causa tremelique no mercado

PARTE DA grande dívida dos governos do mundo rico foi feita para salvar a maioria das grandes instituições financeiras da ruína. Outra parte, para ressuscitar economias que ficaram em ruínas devido à lambança das grandes instituições financeiras. Agora, bancos, grandes investidores e cia. especulam com a possibilidade de que tais governos não venham a pagar suas dívidas. Esse é o motivo de alguns dos tremeliques dos mercados financeiros nas últimas semanas.
O deficit público dos países da OCDE está em torno de 8,5% do PIB -na OCDE estão América do Norte, a maior parte da Europa, Turquia, Austrália, Nova Zelândia, Coreia e Japão. Num dos tratados fundadores da União Europeia, o deficit máximo permitido era de 3% do PIB. Nos "bons tempos", quem chegava perto disso levava cartão amarelo.
Alan Greenspan, presidente do Fed de 1987 a 2006, a era das bolhas, foi ontem ao Congresso americano dizer que "nunca antes nossa nação teve de enfrentar uma crise fiscal tão formidável como aquela que já se vê no horizonte". O ex-mago da finança americana sugere que o Congresso tome medidas de emergência a fim de controlar os gastos públicos, embora isso seja "politicamente difícil".
O governo de Barack Obama não sabe se continua a gastar a fim de ressuscitar a economia ou se se rende ao protesto crescente contra a dívida, que segundo Congresso e governo irá a 80% do PIB em 2019.
Na mídia financeira e nos relatórios da banca mundial não passa dia sem uma especulação sobre o que será da dívida dos governo de países mais ou menos marginais da Europa, como Grécia, Islândia, Portugal, os desdentados "tigres bálticos" e uns outros do Leste Europeu. Em quase todos esses casos, deficit e dívidas já eram problema mesmo antes da crise. Há boato também sobre os papagaios de países como Espanha e Itália, para não falar do caso mais grave e central do Reino Unido.
A Grécia já disse que "não vai ao FMI", o que para nós soa como o suspiro do enforcado. Agências de risco, cúmplices da bandalha financeira que explodiu em 2008, rebaixaram a nota de crédito do governo grego. Isto é, reforçam a ideia já presente nos mercados de que é mais arriscado emprestar ao governo grego, elevando assim os custos de financiamento da dívida do país.
Mas é difícil acreditar em calote de governo europeu, mesmo periférico, até porque a fuzarca seria fenomenal e afetaria a vizinhança toda. Algum país maior ou um grupo deles tomaria alguma medida a fim de tapar um buraco desses na represa.
De qualquer modo, seja nos EUA, seja na Grécia, as dívidas não vão desaparecer sem dor. É preciso cortar gastos e/ou aumentar impostos, crescer menos. Ou, além de tudo isso, pode-se deixar a inflação comer pelo menos parte da dívida. Para tanto, porém, é preciso convencer os bancos centrais do mundo rico a não bulir com os juros. Ou seja, é preciso deixar os preços escaparem da "zona de conforto", aceitar inflação.
Seria divertido de ver essa outra novidade heterodoxa. Outra novidade, pois a independência do BC dos EUA virou conversa quando Fed e Tesouro montaram um comitê de salvação pública da banca e da depressão, para citar apenas um caso de extravagância.

vinit@uol.com.br


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