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AGRICULTURA
Negócio de US$ 500 mi com a China faz governo assumir existência de soja geneticamente modificada no país
Brasil admite não controlar transgênicos
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um negócio de cerca de US$ 500
milhões com a China obrigou o
governo brasileiro a admitir que
não tem controle sobre a presença
de soja transgênica no Brasil, cujo
plantio está proibido pela Justiça.
A incapacidade em fiscalizar o
cultivo de soja ilegal pôs o país numa situação embaraçosa e pode
levar à perda do mercado chinês.
"O certificado entregue à China
diz que o Brasil só autoriza oficialmente o cultivo de soja convencional, mas que é possível a presença de soja geneticamente modificada [do tipo RR" nos embarques para a China devido à grande fronteira seca do Brasil com
países nos quais é permitido o
cultivo de transgênicos", afirmou
o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, à Folha.
O problema não é exatamente a
proximidade do Brasil com vizinhos que plantam soja transgênica. O plantio da soja modificada já
está sendo feito em fazendas brasileiras, principalmente no sul do
país, e o governo sabe.
"Que nós constatamos a existência de soja transgênica no Brasil, nós já constatamos, tanto que
já fizemos apreensões", disse o diretor do Departamento de Defesa
e Inspeção Vegetal (DDIV), Odilson Ribeiro.
O governo brasileiro diz aos chineses para não se preocuparem
com os grãos transgênicos encontrados no meio da soja exportada
pelo Brasil, pois um parecer elaborado por um órgão oficial mostra que a soja RR, criada pela multinacional Monsanto, é segura para o consumo humano e animal e
não degrada o ambiente.
O parecer anexado ao documento é o comunicado 54 do
CTNBio (órgão responsável pela
análise do risco para a saúde e o
ambiente de organismos geneticamente modificados). É para
chinês ver, pois no Brasil o documento não é aceito como prova
de que não há riscos ao ambiente.
Em 1998, o Greenpeace e o Idec
(Instituto de Defesa do Consumidor) entraram com uma ação popular contra o governo federal
alegando que o CTNBio não tinha
competência legal para emitir o
parecer que liberava o cultivo de
soja transgênica. A Justiça concedeu uma liminar anulando o documento. Essa liminar, ainda em
vigor, proíbe o plantio de soja
transgênica no país.
O secretário de Biodiversidade
do Ministério do Meio Ambiente,
João Paulo Capobianco, e Odilson
Ribeiro afirmam que não existe
estimativa confiável sobre a quantidade de soja transgênica produzida no país. Mas não negam a
presença da soja ilegal.
Ribeiro admite que, mesmo
com a proibição, a população pode estar consumindo soja transgênica. "Pode ser [que haja o consumo interno". Mas nós temos
uma segurança bastante razoável
de que, se houver consumo de
transgênicos no mercado interno,
é residual e tende a diminuir, devido ao credenciamento de laboratórios para fazer análise de produtos", disse o diretor do DDIV.
Capobianco diz que as estimativas sobre o cultivo da soja ilegal
variam conforme o interesse de
quem as publica. Segundo ele, os
grupos interessados na liberação
querem desmoralizar o poder público quando afirmam que a soja
transgênica já é comum no país.
"Eles querem argumentar que,
se está cheio de soja transgênica,
por que o governo não libera de
uma vez", disse o secretário.
A situação que obrigou o Brasil
a entregar um certificado peculiar
ao governo chinês -de que o país
não pode garantir que as exportações estejam livres do produto-
é resultado da falta de uma estrutura adequada de fiscalização.
"Todo o sistema do ponto de
vista ambiental está baseado no
comando e controle. Na prática,
existe uma grande dificuldade de
fazer o controle. Faltam quadros,
recursos e equipamentos", disse
Capobianco.
O manual de fiscalização para
orientar a ação dos fiscais ainda
está em processo de finalização. O
valor das multas para quem planta soja ilegalmente no Brasil também não está estabelecido. A própria colaboração entre Estados e
União para tentar coibir a atividade ilegal precisa ser discutida.
O governo precisou admitir aos
chineses a possibilidade da presença de soja transgênica para
evitar que o produto fosse barrado no porto de entrada após fiscalização. A China já importa soja
transgênica dos EUA e da Argentina, mas faz questão de saber
exatamente o que compra.
Normalmente, os países que exportam para a China passam por
um processo de certificação no
qual fica estabelecido que tipo de
soja está sendo enviado. Uma
missão chinesa, que visitou plantações do país na semana passada,
levou o certificado brasileiro para
analisar se vai aceitá-lo.
No ano passado, a China rejeitou um certificado enviado pela
equipe do ex-ministro da Agricultura Marcus Pratini de Moraes.
Ela exigia que o documento fosse
assinado pelo próprio ministro,
não por técnicos do ministério.
Mesmo que o negócio seja fechado, o certificado será provisório. Em setembro sua validade
vence. Até lá, o país precisará criar
um sistema de certificação que
garanta que a soja brasileira é
convencional. Caso o plantio de
transgênicos seja liberado, seria
apresentado um outro certificado. O que a China não aceitará é
um documento no qual o Brasil
afirma que não sabe exatamente
que tipo de soja está vendendo.
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