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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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AGRICULTURA

Negócio de US$ 500 mi com a China faz governo assumir existência de soja geneticamente modificada no país

Brasil admite não controlar transgênicos

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Um negócio de cerca de US$ 500 milhões com a China obrigou o governo brasileiro a admitir que não tem controle sobre a presença de soja transgênica no Brasil, cujo plantio está proibido pela Justiça.
A incapacidade em fiscalizar o cultivo de soja ilegal pôs o país numa situação embaraçosa e pode levar à perda do mercado chinês.
"O certificado entregue à China diz que o Brasil só autoriza oficialmente o cultivo de soja convencional, mas que é possível a presença de soja geneticamente modificada [do tipo RR" nos embarques para a China devido à grande fronteira seca do Brasil com países nos quais é permitido o cultivo de transgênicos", afirmou o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, à Folha.
O problema não é exatamente a proximidade do Brasil com vizinhos que plantam soja transgênica. O plantio da soja modificada já está sendo feito em fazendas brasileiras, principalmente no sul do país, e o governo sabe.
"Que nós constatamos a existência de soja transgênica no Brasil, nós já constatamos, tanto que já fizemos apreensões", disse o diretor do Departamento de Defesa e Inspeção Vegetal (DDIV), Odilson Ribeiro.
O governo brasileiro diz aos chineses para não se preocuparem com os grãos transgênicos encontrados no meio da soja exportada pelo Brasil, pois um parecer elaborado por um órgão oficial mostra que a soja RR, criada pela multinacional Monsanto, é segura para o consumo humano e animal e não degrada o ambiente.
O parecer anexado ao documento é o comunicado 54 do CTNBio (órgão responsável pela análise do risco para a saúde e o ambiente de organismos geneticamente modificados). É para chinês ver, pois no Brasil o documento não é aceito como prova de que não há riscos ao ambiente.
Em 1998, o Greenpeace e o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) entraram com uma ação popular contra o governo federal alegando que o CTNBio não tinha competência legal para emitir o parecer que liberava o cultivo de soja transgênica. A Justiça concedeu uma liminar anulando o documento. Essa liminar, ainda em vigor, proíbe o plantio de soja transgênica no país.
O secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, e Odilson Ribeiro afirmam que não existe estimativa confiável sobre a quantidade de soja transgênica produzida no país. Mas não negam a presença da soja ilegal.
Ribeiro admite que, mesmo com a proibição, a população pode estar consumindo soja transgênica. "Pode ser [que haja o consumo interno". Mas nós temos uma segurança bastante razoável de que, se houver consumo de transgênicos no mercado interno, é residual e tende a diminuir, devido ao credenciamento de laboratórios para fazer análise de produtos", disse o diretor do DDIV.
Capobianco diz que as estimativas sobre o cultivo da soja ilegal variam conforme o interesse de quem as publica. Segundo ele, os grupos interessados na liberação querem desmoralizar o poder público quando afirmam que a soja transgênica já é comum no país.
"Eles querem argumentar que, se está cheio de soja transgênica, por que o governo não libera de uma vez", disse o secretário.
A situação que obrigou o Brasil a entregar um certificado peculiar ao governo chinês -de que o país não pode garantir que as exportações estejam livres do produto- é resultado da falta de uma estrutura adequada de fiscalização.
"Todo o sistema do ponto de vista ambiental está baseado no comando e controle. Na prática, existe uma grande dificuldade de fazer o controle. Faltam quadros, recursos e equipamentos", disse Capobianco.
O manual de fiscalização para orientar a ação dos fiscais ainda está em processo de finalização. O valor das multas para quem planta soja ilegalmente no Brasil também não está estabelecido. A própria colaboração entre Estados e União para tentar coibir a atividade ilegal precisa ser discutida.
O governo precisou admitir aos chineses a possibilidade da presença de soja transgênica para evitar que o produto fosse barrado no porto de entrada após fiscalização. A China já importa soja transgênica dos EUA e da Argentina, mas faz questão de saber exatamente o que compra.
Normalmente, os países que exportam para a China passam por um processo de certificação no qual fica estabelecido que tipo de soja está sendo enviado. Uma missão chinesa, que visitou plantações do país na semana passada, levou o certificado brasileiro para analisar se vai aceitá-lo.
No ano passado, a China rejeitou um certificado enviado pela equipe do ex-ministro da Agricultura Marcus Pratini de Moraes. Ela exigia que o documento fosse assinado pelo próprio ministro, não por técnicos do ministério.
Mesmo que o negócio seja fechado, o certificado será provisório. Em setembro sua validade vence. Até lá, o país precisará criar um sistema de certificação que garanta que a soja brasileira é convencional. Caso o plantio de transgênicos seja liberado, seria apresentado um outro certificado. O que a China não aceitará é um documento no qual o Brasil afirma que não sabe exatamente que tipo de soja está vendendo.


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