São Paulo, quinta, 19 de fevereiro de 1998

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OPINIÃO ECONÔMICA
O mesmo, mas de outra maneira

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Nesta época do ano, a falta de assunto é massacrante. Com o país à espera do Carnaval, o colunista de economia fica entregue às próprias obsessões, manias e idéias (idéias já é exagero). É um perigo. Estamos em período propício à publicação de excentricidades e abobrinhas.
Poucos escapam. Nem o próprio presidente da República, por exemplo. Anteontem, recebeu uma delegação de empresários no Palácio do Planalto e resolveu fazer algumas considerações sociológicas e filosóficas. Caracterizou o atual período da história mundial, como "a era do pós". E acrescentou: "pós-qualquer coisa (sic.): pós-liberal, pós-marxista e pós-social-democrata".
Bem. A esta altura, anunciar a superação do liberalismo econômico e do marxismo é quase uma homenagem ao Conselheiro Acácio. Por outro lado, "pós-qualquer coisa" insinua um clima de vale-tudo.
Além disso, como registrou a reportagem da Folha, "pós-social-democrata" soa estranho na boca de um presidente que pertence ao PSDB, o Partido da Social Democracia Brasileira. Se é assim, por que não mudar o nome da agremiação para PPSDB, Partido da Pós-Social Democracia Brasileira? Estaríamos diante do caso "sui generis" de um partido que ultrapassaria a social democracia sem jamais ter passado por ela.
Mas não vamos exagerar na crítica. Afinal, um país que já viveu, em governo recente, a "era do pó", deve se dar por satisfeito de ter agora um presidente que proclama, com desembaraço intelectual, a "era do pós".
Em determinado momento, a explanação professoral de FHC converteu-se em uma celebração do "novo" e das novidades do nosso tempo. Segundo ele, não é por acaso que os principais líderes mundiais usam sistematicamente essa expressão. Citou o "new Labour" de Tony Blair e a "new Democracy" de Bill Clinton. Poderia ter citado o "neoliberalismo" de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, já que as "novidades" de Clinton e Blair constituem, pelo menos em parte, uma reação às "inovações" do chamado neoliberalismo.
Ah, a vulgaridade e a superficialidade são as marcas registradas do nosso tempo. Essas constantes referências ao "novo" não passam, em geral, de lances do mais rasteiro oportunismo político. (Desculpem se estou insistindo no óbvio). Todas as correntes querem apropriar-se do prestígio do "novo" e beneficiar-se do preconceito generalizado em favor das últimas novidades, reais ou imaginárias, autênticas ou fabricadas.
Não se leva na devida conta que o "novo", autêntico ou não, pode ser o "ruim" e até o "péssimo". Aqui no Brasil, por exemplo, a celebração idiota do "novo" já nos fez passar por um Collor.
Em matéria de política e economia, o mais comum é a falsa novidade, o velho travestido de "novo". "Eadem, sed aliter", ensinava Schopenhauer. ("O mesmo, mas de outra maneira"). O "neoliberalismo", por exemplo, é uma regressão ao século 19. Nada acrescenta de fundamental ao velho liberalismo. Mais apropriado, volto a dizer, seria chamá-lo de "paleoliberalismo".
A "globalização", outra suposta novidade deste fim de século, não passa de uma nova palavra para fenômenos antigos. Nas décadas que antecederam a Primeira Guerra, o grau de integração internacional dos mercados era, sob muitos aspectos, comparável ou até maior do que o atual. No que diz respeito à circulação internacional de trabalhadores, por exemplo, o processo recente de "globalização" é bem mais limitado do que o daquela época.
Até mesmo os movimentos líquidos de capital, relativamente ao tamanho das economias, eram maiores do que são hoje. Não por acaso, as crises cambiais e financeiras deste final de século, supostamente um produto da inédita "globalização financeira", guardam muita semelhança com as crises de cem anos atrás.
O estudo da história pode não servir para muita coisa. Mas permite, pelo menos, desmascarar certas pretensões da propaganda vulgar.
Seja como for, o fato é que está ficando cada vez difícil defender-se das banalidades "globalizadas". Tudo parece conspirar para o rebaixamento dos nossos padrões de reflexão e sensibilidade.
Se o nosso nível geral continuar nessa queda vertiginosa, acabaremos dando razão à Nietzsche, para quem a chamada história universal não passava, no fundo, de um barulho inconsequente sobre as últimas novidades.


Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@uol.com.br



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