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OPINIÃO ECONÔMICA
Fome Zero para exportações!
RUBENS RICUPERO
O estrago do câmbio é lento,
gradual e seguro, como a
abertura do general Geisel. Tal
qual a experiência de economizar
com a comida do cavalo, reduzindo-lhe a ração, um pouco de cada
vez, para ver no que dá. Quando
parece que o bichinho está começando a se acostumar, infelizmente
ele tem o mau hábito de morrer.
Os apologistas da política econômica escamoteiam ou minimizam
sua inelutável conseqüência, o desastre cambial responsável pela
nossa segunda copa mundial além
da dos juros altos, a da moeda que
mais se apreciou contra o dólar,
"the hardest currency in the
world", conforme o "Financial Times". Afinal, alegam, ele não impediu até agora o aumento (cada
vez menor) da exportação de manufaturas.
O argumento é do mesmo valor
que o da experiência do cavalo: até
o animal esticar as botas, ou melhor, as ferraduras, pode-se alegar
que a dieta está dando certo. O que
não se tem interesse de dizer é que
"os manufaturados vêm registrando desaceleração firme e contínua
desde o início de 2005, reduzindo a
taxa de crescimento acumulada
em 12 meses de cerca de 28% para
pouco mais de 9% em um ano"
(boletim de fevereiro de 2006 da
Funcex).
A explicação está também na
Funcex: já em outubro passado, a
rentabilidade das exportações tinha mergulhado ao nível mais baixo desde que se começou a calcular
o índice, em 1985. Só se consegue
exportar quando o aumento do
preço internacional compensa a
valorização do real: petróleo (aumento de volume de 238% em relação a janeiro de 2005), soja (133%),
minério de ferro (71%) e, para não
faltar o elemento de continuidade
com a economia colonial, os nossos
velhos conhecidos, o açúcar e o café.
A conseqüência, de acordo com a
Funcex, é que "houve inequivocamente aumento da concentração
do crescimento das exportações segundo produtos, a partir de meados de 2004 (...) Quanto mais concentrado o crescimento, menor
tende a ser a taxa de crescimento
total (...) A tendência de aumento
dessa concentração é, assim, sem
dúvida, uma má notícia".
Traduzindo em vernáculo, o aumento das exportações se concentra cada vez em número menor de
produtos primários de baixo valor
agregado e que foram capazes de
aumentar os preços. Se continuar
assim, voltaremos ao tempo em
que todos os produtos brasileiros,
com exceção do café, eram "gravosos", isto é, inexportáveis por causa
do câmbio.
Ricardo Markwald e Fernando
Ribeiro observam que "o surto nas
exportações não foi acompanhado
por nenhuma mudança significativa na estrutura setorial ou na composição (...) A concentração da
pauta pouco se alterou, não houve
incorporação de novos produtos e
a exportação de produtos de alta
tecnologia declinou. Os únicos fatos dignos de destaque são a expansão, muito significativa, das
vendas de combustíveis e derivados e a (menor) de alguns bens de
capital, como os tratores e máquinas agrícolas", cuja demanda interna desabou devido à crise da
agricultura. A conclusão é que "a
forte apreciação cambial (...) a partir de meados de 2004 levanta dúvidas em relação à continuidade
do (ainda breve) surto nas exportações" ("O surto exportador recente", "Revista Brasileira de Comércio Exterior", nš 85).
Se for preciso outro sinal, ei-lo à
mão: em fevereiro, tivemos a primeira queda do saldo, comparado
ao mesmo mês do ano anterior,
desde, pasme, julho de 2001!
É chato ser Cassandra, mas o fato é que ela tinha razão sobre o cavalo de Tróia: quem não quis ouvir
acabou massacrado ou escravizado. Tapar o ouvido para continuar
no baile da ilha Fiscal é semelhante ao que fez o duque de Guermantes, de Proust. Ele se preparava para vestir a fantasia encomendada
para um ansiado baile de máscaras quando duas primas agourentas lhe comunicaram que um seu
parente acabava de morrer. Recusando renunciar a um prazer, o
duque exclama "On exagère, on
exagère" ("exageram") e toca para
o baile.
Aconselha-se a quem quiser fazer
o mesmo que dance perto da porta
de saída. Ou peça ao ministro Patrus Ananias para ir preparando
uma Bolsa-Esmola.
Rubens Ricupero, 69, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto
Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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