São Paulo, sexta-feira, 19 de abril de 2002

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ARTIGO

É hora de pressionar pela assistência aos mais pobres

Reuters - 20.mar.02
Manifestantes protestam durante conferência das Nações Unidas realizada no México, em março


JOSEPH STIGLITZ

A conferência das Nações Unidas sobre o financiamento ao desenvolvimento, em Monterrey, não foi o desastre que muitos temiam. Produziu um coro de reconhecimento dos riscos representados pelo diferencial cada vez mais amplo entre os privilegiados e os excluídos. Os Estados Unidos prometeram substancial aumento em sua assistência internacional. Mas mesmo com esse aumento, ela é muito modesta -mero 0,15% do PIB (Produto Interno Bruto) norte-americano-, e boa parte dessa assistência não é motivada por preocupações humanitárias, mas por considerações geopolíticas.
Pior ainda, no entanto, é a desculpa dada pelo secretário do Tesouro Paul O'Neill para essa mesquinhez. Ele argumenta que para que Washington oferecesse mais assistência, seriam necessárias provas de sua eficiência, dando a entender que essas provas não existem ou no mínimo que ele não as viu. Mas se ele não as viu, é porque não procurou.

Prática
Tive a afortunada oportunidade de ver a assistência ao desenvolvimento em ação: projetos de irrigação nas Filipinas e Nepal, que permitiram aos fazendeiros obter duas ou três colheitas ao ano, em lugar de apenas uma, duplicando ou triplicando suas receitas ínfimas, ou projetos de educação na Colômbia, cujo objetivo era permitir que os filhos de trabalhadores migrantes se transferissem de escola em escola e retomassem seus estudos do ponto em que houvessem parado.
Nem todo o dinheiro é bem gasto, evidentemente. Isso é algo que se pode dizer sempre, seja na esfera pública, seja na privada. Mas estudos do Banco Mundial demonstraram que a assistência a países com ambientes institucionais razoavelmente bons -e há muitos países que atendem a esse requisito- teve efeitos significativos no estímulo ao crescimento e na redução da pobreza.
Um volume considerável de ajuda foi destinado a países onde não há essas condições. Mas a assistência é muitas vezes determinada por considerações políticas e não pelo interesse em promover o desenvolvimento. Pensem no apoio ocidental ao Zaire de Mobutu Sese Seko durante a guerra fria e nos bilhões de dólares enviados à Rússia em 1998 para ajudar o presidente Bóris Ieltsin.
Os fracassos não devem ser considerados derrotas para a assistência ao desenvolvimento. Precisam ser encarados de acordo com o que são -dinheiro gasto, sabiamente ou não, na tentativa de atingir objetivos políticos.
O fato de que estudos estatísticos, que não distinguem entre as duas formas de auxílio, sugerirem que a assistência a países sem o ambiente institucional correto não promove o crescimento fez com que muitos adotassem a opinião de que a assistência deveria ser concedida apenas seletivamente. Acredito, no entanto, que não interessa ao Ocidente -e nem seria moralmente correto- abandonar os países em desenvolvimento, que abrigam alguns dos povos mais pobres do mundo. Já é ruim que eles sofram nas mãos de governos exploradores ou incompetentes ou que vivam em territórios afetados por imensos choques adversos que estão muito além de seu controle.
Existe uma estratégia alternativa: encontrar mecanismos de assistência diferenciados que evitem o governo e concentrem a assistência em projetos que ajudem diretamente os pobres. Em Bangladesh, por exemplo, as agências não-governamentais oferecem microcrédito, que aumenta a renda dos mais pobres e oferece programas para melhorar a saúde das mulheres, aperfeiçoar sua compreensão dos direitos legais de que desfrutam e melhorar a qualidade da educação.
O slogan "comércio, assistência não", às vezes usados por aqueles que relutam em ajudar, seria mais convincente se nações como os Estados Unidos se abrissem inteiramente aos produtos de países em desenvolvimento. Mas, em lugar disso, o que encontramos? Algumas exportações vietnamitas de peixe são prejudicadas porque seu baixo preço prejudica a indústria pesqueira norte-americana. As importações de aço barato produzido com grande eficiência na Ásia são mantidas fora do mercado dos EUA. Quando alumínio russo começou a entrar no mercado norte-americano, o país criou um cartel mundial para limitar as vendas.
O comércio é importante. O generoso esforço europeu de abertura de mercados aos países mais pobres (a iniciativa "Tudo Menos Armas", que, por não ter tratado realmente dos problemas no comércio externo de produtos agrícolas, acabou conhecida como "Tudo Menos Fazendas") precisa ser aprofundado e ampliado para incluir não só as pessoas mais pobres. Se os Estados Unidos se unissem à Europa nessa empreitada, demonstrariam sua seriedade na promoção do livre comércio, e Washington deveria agir o mais rápido possível.
Mas abertura de mercados faz pouca diferença caso os países não disponham de capacidade de produção (por exemplo, não tiverem meios de transporte com os quais conduzir os produtos aos mercados). Igualmente, o mantra de que os países deveriam basear seus esforços no setor privado é ilusório. O investimento estrangeiro é importante, mas ele é destinado de forma relativa para poucos países e de forma relativa a poucos setores. O investimento estrangeiro direto não propicia estradas rurais, saúde e educação -essenciais aos países em desenvolvimento.
A conferência de Monterrey exibiu forte retórica (especialmente devido à recusa de Washington em a assumir compromissos mais sérios sobre a assistência internacional e o comércio), mas não propiciou ação. Dois anos atrás, as sociedades civis de todo o mundo se uniram no Movimento Jubileu, pelo perdão das dívidas dos países pobres. Tiveram sucesso. O que torna as democracias tão boas é que os líderes políticos tenham de responder às demandas populares. É hora de união, uma vez mais, para pressionar pelo comércio internacional mais aberto e pela assistência aos mais pobres.

Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia (2001), é professor de economia e finanças na Universidade Columbia (EUA).

Tradução de Paulo Migliacci


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