São Paulo, sábado, 19 de maio de 2001

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ANÁLISE

Para especialistas, pobres sofrerão aumento de tarifa

ISABEL CLEMENTE
PEDRO SOARES
DANIELA MENDES
DA SUCURSAL DO RIO

Para especialistas em planejamento energético, o plano do governo de reduzir o consumo de energia nas residências tenta mascarar um aumento de tarifa, é autoritário e usa a falsa alegação de que a camada mais pobre da população está sendo preservada.
Economistas e engenheiros da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e da Coppe (Coordenação dos Programas de pós-gradução da UFRJ) se debruçaram ontem sobre o conteúdo do pacote antiapagão. Eles foram unânimes em concluir que uma expressiva camada pobre da população será atingida pelo aumento das tarifas.
A UFRJ fez o cálculo: bastam uma geladeira de uma porta, três lâmpadas, uma TV de 14 polegadas e quatro banhos de quatro minutos em chuveiro elétrico por dia para a faixa de consumo de 200 kWh/ mês ser atingida.
"Quase todo mundo vai ter aumento de tarifa. O consumo de 200 kWh pega uma faixa muito pobre da população", disse o economista Adílson de Oliveira, da UFRJ. O professor Luís Pinguelli Rosa, do Programa de Planejamento Energético da Coppe, concorda. Para ele, a população terá muita dificuldade de reduzir o consumo dentro da faixa estabelecida. "Isso não atinge só a classe média."
O bônus prometido para quem consumir menos de 100 kWh dificilmente será pago, porque, nessa faixa de consumo, a pessoa não tem mais onde cortar, dizem os especialistas. "É o consumo de um morador de favela", compara o professor de energia da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Rogério Rocha.
O professor da Coppe Roberto Schaeffer concorda: esse teto é muito rigoroso. De acordo com Schaeffer, o consumo residencial médio no país é de 180 kWh. Na região Sudeste, sobe para 200 kW/h. É a partir dessa base restrita que vão incidir os cortes de energia e os aumentos de tarifa (em forma de acréscimo) para quem não se enquadrar na redução de 20%.
Para Adílson de Oliveira, da UFRJ, "o corte é de uma violência inaceitável". Muitas pessoas não saberão administrar essa redução, disse. "É um equívoco a ameaça de cortar energia, que tampouco é coerente com a idéia de quem precisa de cooperação."
Para Pinguelli, da Coppe, a decisão do governo "é um absurdo e só pode ser entendida como terrorismo". "É mais ou menos como avançar o sinal e, em vez de receber uma multa, levar uma cacetada na cabeça", completou.
Para Rogério Rocha, da FGV, a intenção do governo, dada a gravidade do problema, foi "dar um susto na população". "Por causa da dificuldade de aplicação, o pacote terá mais um efeito psicológico", disse.
O corte é tão injusto quanto a multa que o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu não aplicar a quem consumisse demais, por considerá-la inadequada, na opinião do coordenador do programa energético da Coppe, Maurício Tolmasquim. Além disso, ele vê, também, falta de clareza nas medidas.
"Os cortes serão consecutivos? A proposta de as pessoas que se encaixam em quadros extraordinários terem de procurar as companhias para relatar seus problemas é absurda e não vai dar certo. Muita gente vai preferir ficar sem luz a entrar na fila para evitar o corte", disse Tolmasquim.
Os economistas também criticam o artificialismo proposto pelo bônus para quem economizar além da meta de 20%.
Para o economista da UFRJ, é uma promoção do tipo "leve menos e pague a mesma coisa". Isso porque quem não economizar paga mais e ainda corre o risco de ser cortado. O professor defende que realmente haja uma aumento da tarifa para regular a demanda, mas que essa medida seja adotada de forma transparente.
A lógica é a seguinte: quem não reduzir o consumo vai pagar mais, portanto, quem conseguir economizar vai pagar o mesmo. "Esse bônus tem mais objetivos políticos que técnicos, para não ficar mal com a população. E acho que, num momento como esse, é fundamental tratar a população com respeito e transparência."
Roberto Schaeffer, da Coppe, reitera que, na prática, o governo aumentou as tarifas, tentando se preservar de um desgaste.



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