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ANÁLISE
Para especialistas, pobres sofrerão aumento de tarifa
ISABEL CLEMENTE
PEDRO SOARES
DANIELA MENDES
DA SUCURSAL DO RIO
Para especialistas em planejamento energético, o plano do governo de reduzir o consumo de
energia nas residências tenta mascarar um aumento de tarifa, é autoritário e usa a falsa alegação de
que a camada mais pobre da população está sendo preservada.
Economistas e engenheiros da
UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro), da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e da Coppe
(Coordenação dos Programas de
pós-gradução da UFRJ) se debruçaram ontem sobre o conteúdo
do pacote antiapagão. Eles foram
unânimes em concluir que uma
expressiva camada pobre da população será atingida pelo aumento das tarifas.
A UFRJ fez o cálculo: bastam
uma geladeira de uma porta, três
lâmpadas, uma TV de 14 polegadas e quatro banhos de quatro
minutos em chuveiro elétrico por
dia para a faixa de consumo de
200 kWh/ mês ser atingida.
"Quase todo mundo vai ter aumento de tarifa. O consumo de
200 kWh pega uma faixa muito
pobre da população", disse o economista Adílson de Oliveira, da
UFRJ. O professor Luís Pinguelli
Rosa, do Programa de Planejamento Energético da Coppe, concorda. Para ele, a população terá
muita dificuldade de reduzir o
consumo dentro da faixa estabelecida. "Isso não atinge só a classe
média."
O bônus prometido para quem
consumir menos de 100 kWh dificilmente será pago, porque, nessa
faixa de consumo, a pessoa não
tem mais onde cortar, dizem os
especialistas. "É o consumo de
um morador de favela", compara
o professor de energia da FGV
(Fundação Getúlio Vargas), Rogério Rocha.
O professor da Coppe Roberto
Schaeffer concorda: esse teto é
muito rigoroso. De acordo com
Schaeffer, o consumo residencial
médio no país é de 180 kWh. Na
região Sudeste, sobe para 200
kW/h. É a partir dessa base restrita que vão incidir os cortes de
energia e os aumentos de tarifa
(em forma de acréscimo) para
quem não se enquadrar na redução de 20%.
Para Adílson de Oliveira, da
UFRJ, "o corte é de uma violência
inaceitável". Muitas pessoas não
saberão administrar essa redução, disse. "É um equívoco a
ameaça de cortar energia, que
tampouco é coerente com a idéia
de quem precisa de cooperação."
Para Pinguelli, da Coppe, a decisão do governo "é um absurdo e
só pode ser entendida como terrorismo". "É mais ou menos como avançar o sinal e, em vez de
receber uma multa, levar uma cacetada na cabeça", completou.
Para Rogério Rocha, da FGV, a
intenção do governo, dada a gravidade do problema, foi "dar um
susto na população". "Por causa
da dificuldade de aplicação, o pacote terá mais um efeito psicológico", disse.
O corte é tão injusto quanto a
multa que o próprio presidente
Fernando Henrique Cardoso decidiu não aplicar a quem consumisse demais, por considerá-la
inadequada, na opinião do coordenador do programa energético
da Coppe, Maurício Tolmasquim.
Além disso, ele vê, também, falta
de clareza nas medidas.
"Os cortes serão consecutivos?
A proposta de as pessoas que se
encaixam em quadros extraordinários terem de procurar as companhias para relatar seus problemas é absurda e não vai dar certo.
Muita gente vai preferir ficar sem
luz a entrar na fila para evitar o
corte", disse Tolmasquim.
Os economistas também criticam o artificialismo proposto pelo bônus para quem economizar
além da meta de 20%.
Para o economista da UFRJ, é
uma promoção do tipo "leve menos e pague a mesma coisa". Isso
porque quem não economizar
paga mais e ainda corre o risco de
ser cortado. O professor defende
que realmente haja uma aumento
da tarifa para regular a demanda,
mas que essa medida seja adotada
de forma transparente.
A lógica é a seguinte: quem não
reduzir o consumo vai pagar
mais, portanto, quem conseguir
economizar vai pagar o mesmo.
"Esse bônus tem mais objetivos
políticos que técnicos, para não ficar mal com a população. E acho
que, num momento como esse, é
fundamental tratar a população
com respeito e transparência."
Roberto Schaeffer, da Coppe,
reitera que, na prática, o governo
aumentou as tarifas, tentando se
preservar de um desgaste.
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