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OPINIÃO ECONÔMICA
Greenspan cada vez melhor
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O agravamento da crise de
confiança no mercado de
ações nos EUA permitiu que a
opinião pública mundial pudesse
comparar a estatura pública dos
dois maiores líderes da sociedade
americana de hoje. De um lado, o
ideológico presidente George W.
Bush, eleito de uma forma conflituosa para conduzir uma nova revolução contra a presença do Estado na economia. Do outro, o
pragmático Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve e voz
de inquestionável qualidade e liderança nos meios econômicos
mundiais de hoje. No espaço de
dois dias, esses personagens fizeram manifestações públicas importantes sobre a crise ética que
atinge as grandes corporações
americanas e seus dirigentes.
As palavras do presidente americano, como sempre, foram vazias e de uma irrelevância abissal
e provocaram um tombo terrível
nas cotações das ações. Um verdadeiro fiasco. A CNN mostrou ao
vivo seu discurso em metade das
telas das televisões ao longo do
mundo enquanto a outra acompanhava, ao vivo, a queda vertiginosa do índice Dow Jones da Bolsa de Nova York. Uma demonstração clara de uma nova postura, muito mais crítica, da imprensa em relação ao sr. Bush.
Já o discurso de Greenspan no
Senado americano, embora não
tenha sido suficiente para interromper a queda das ações, chamou a atenção de todos por sua
concisão e profundidade. Ele mostrou que a maior economia do
mundo continua a recuperar-se
da pequena recessão do ano passado e que, se esse processo não for
interrompido pela crise de confiança dos investidores, tudo estará normalizado, a partir do próximo ano. Declarou ainda que o
FED não elevará os juros do mercado monetário enquanto não
houver confiança total na consolidação dessa recuperação.
Em relação ao ajuste de contas
com as falcatruas contábeis dos
últimos anos, ele foi muito claro
em seu diagnóstico: falta de regulação dos mercados para fazer
frente aos instrumentos desenvolvidos recentemente de busca do
enriquecimento rápido e fácil por
parte dos executivos das corporações americanas. Segundo
Greenspan, a ambição é uma característica histórica dos homens
de mercado e não um traço do administrador de hoje. A diferença
fica por parte das facilidades existentes na regulação dos mercados
para atingir esses objetivos ilícitos.
A visão realista do presidente do
FED em relação à necessidade de
marcos regulatórios claros e atualizados constantemente para se
contraporem à prática de atos incorretos de gestão se opõe à postura ideológica e simplista do presidente Bush. Aliás, o estabelecimento de regras claras sobre a remuneração dos diretores de empresas baseadas nas chamadas
stock options foi torpedeado pela
administração americana atual,
sob o argumento de que se tratava
de uma interferência indevida do
governo nas atividades privadas.
Só agora, depois da porta arrombada, é que o legislativo americano agiu no sentido de regular essa
nova forma de remuneração profissional.
Esses fatos devem servir de reflexão para aqueles que acreditam
ser o arranjo das economias de
mercado o mais eficiente na organização do mundo moderno. A liberdade dos agentes privados na
condução dos negócios deve ser a
dinâmica principal nas decisões
econômicas. Mas a existência de
um aparato regulatório deve sempre estar presente para evitar o
aparecimento de dinâmicas irracionais em alguns momentos,
quase sempre não previsíveis, da
história. Uma das forças do pensamento keynesiano foi exatamente a identificação dessas distorções do funcionamento dos
mercados e da necessidade da
criação de mecanismos institucionais de proteção. Infelizmente,
seus pensamentos e propostas foram distorcidos durante as décadas seguintes ao pós-guerra e acabaram por gerar uma escola de
pensamento econômico chamado
de neo-keynesianismo -que acabou por desqualificar a intervenção do Estado na economia. A
volta do império do mercado e as
ilusões criadas pela ação de Margaret Thatcher e Ronald Reagan
nos anos 80, podem ser identificados como as origens da crise atual.
Se o liberalismo extremado é
uma distorção inerente ao sistema capitalista, a força de uma sociedade democrática como a americana representa um antídoto
muito forte. Os escândalos que estão explodindo nos EUA e Europa
estão criando uma reação muito
forte na sociedade e forçando
uma ação efetiva de correção dos
excessos das últimas décadas.
Nesse sentido, as palavras de
Greenspan no Senado americano
são muito importantes, na medida em que dão credibilidade a essa catarse das forças negativas do
sistema econômico liberal. O novo
marco regulatório, que se discute
atualmente nos Estados Unidos,
vai dar um novo vigor ao sistema
capitalista baseado na propriedade coletiva das empresas. Os custos em termos sociais e econômicos serão enormes, mas não se repetirá a catástrofe dos anos 30
exatamente pela existência de mecanismos de defesa criados, a partir do fim da Segunda Guerra Mundial.
Em um futuro não previsível, quando o arcabouço de proteção que está sendo criado atualmente ficar velho e ultrapassado, talvez uma nova crise como a que estamos vivendo venha ocorrer novamente. Isso é da natureza do sistema de economia de mercado e que foi confundido no passado como uma tendência inexorável ao colapso e a sua autodestruição.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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