São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2002

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LUÍS NASSIF

A Marinha nuclear

Desde o fim do regime militar, qualquer menção aos militares costuma ser depreciativa. E as pesquisas militares acabam sendo analisadas exclusivamente sob a ótica bélica. Foi o que ocorreu recentemente com a informação de que a Marinha estava prestes a dominar o ciclo de enriquecimento do urânio e a começar a fabricar o primeiro submarino atômico. Logo se foi pelo lado da bomba, sem se levar em conta o ângulo tecnológico. No entanto, a contribuição das três forças ao desenvolvimento tecnológico brasileiro tem sido expressiva.
No caso da Marinha, as pesquisas com o enriquecimento de urânio começaram nos anos 80, com o fracasso do acordo com a Alemanha. No meio do acordo, pressões internacionais fizeram a Alemanha voltar atrás na entrega de ultracentrifugadores para o Brasil a tecnologia mais conhecida de enriquecimento do urânio. Em troca, repassou uma tecnologia em desenvolvimento, o jett nozlle, que custou US$ 300 milhões e não enriqueceu nada. Era um sistema perigoso, que trabalhava com amônia sob pressão e era altamente consumidor de energia.
De lá para cá, um trabalho pertinaz, feito com recursos orçamentários, continuidade, bom senso e foco, permitiu o desenvolvimento do sistema brasileiro, que deverá entrar logo no mercado, operando competitivamente.
O jett nozlle consome 23 mil UTSI (Unidade Térmica de Separação Isotóprica). O sistema norte-americano, de difusão gasosa, consome 13 mil. O sistema da Marinha, apenas 500 UTSI.
O relevante na história é que, embora o sistema tivesse começado a ser desenvolvido nos anos 80, a tecnologia é de ponta. A ultracentrifugação é um sistema de alta rotatividade, que roda a uma velocidade estupidamente alta. No sistema alemão, o cilindro roda em cima de um mancal. No Brasil, a Marinha aproveitou pesquisas na Universidade Federal do Rio de Janeiro e construiu o cilindro para rodar em levitação magnética, sem nenhum desgaste.
O mercado mundial de reatores e urânio movimenta mais de US$ 100 bilhões por ano. A USEC, norte-americana, controla 45% do mercado internacional de urânio enriquecido e 75% do norte-americano. Trabalha com o sistema de difusão gasosa, mais oneroso. Na Europa, a França juntou-se à Alemanha, Holanda e Inglaterra e desenvolveu a ultracentrífuga, mais barata, mas que exige máquinas bastante artesanais.
Hoje em dia, o piloto do projeto é desenvolvido no campus da USP. A parte industrial em Aramar, em 17 prédios, e a usinagem no Arsenal da Marinha, no Rio. A comercialização internacional é feita pelas Indústrias Nucleares Brasileiras.
O foco da Marinha não é o comercial, mas a segurança. Até agora, o enriquecimento do urânio era uma novela sem fim. A INB fazia o "yellow cake", mandava para o Canadá, onde era transformado em hexafluoreto, que seguia para a Europa para ser enriquecido. A partir deste mês a INB começou a receber as máquinas. Até início de agosto estará enriquecendo o urânio.
O maior desafio para penetrar no mercado mundial será superar as resistências dos órgãos de inspeção internacional, mais uma das barreiras extratarifárias dos países desenvolvidos contra os países em desenvolvimento. O Brasil é o único país que domina o ciclo nuclear a colocar expressamente na Constituição a proibição de fabricar artefatos nucleares.
No centro tecnológico da Marinha trabalham 1.500 pessoas, cerca de 800 em pesquisa e instalação industrial. As pesquisas acabaram se desdobrando em várias frentes.
Com o domínio da tecnologia, a Marinha desenvolveu sistemas de laser para a Faculdade de Medicina da USP. Já foram desenvolvidas 11 teses de doutorado utilizando o laser.
Será possível desenvolver sistemas de dessalinização no nordeste, com a utilização de pequenos reatores nucleares. Do mesmo modo, será possível desenvolver sistemas de irradiação de alimentos para exportação ou para material farmacêutico. Espera-se que em dez anos se tenha o submarino atômico.
Esse mesmo esforço tecnológico tem sido feito pelo Exército e pela Aeronáutica demonstrando a enorme importância da pesquisa militar para fins pacíficos.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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