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LUÍS NASSIF
A Marinha nuclear
Desde o fim do regime militar, qualquer menção aos
militares costuma ser depreciativa. E as pesquisas militares
acabam sendo analisadas exclusivamente sob a ótica bélica. Foi
o que ocorreu recentemente
com a informação de que a Marinha estava prestes a dominar
o ciclo de enriquecimento do
urânio e a começar a fabricar o
primeiro submarino atômico.
Logo se foi pelo lado da bomba,
sem se levar em conta o ângulo
tecnológico. No entanto, a contribuição das três forças ao desenvolvimento tecnológico brasileiro tem sido expressiva.
No caso da Marinha, as pesquisas com o enriquecimento
de urânio começaram nos anos
80, com o fracasso do acordo
com a Alemanha. No meio do
acordo, pressões internacionais
fizeram a Alemanha voltar atrás
na entrega de ultracentrifugadores para o Brasil a tecnologia
mais conhecida de enriquecimento do urânio. Em troca, repassou uma tecnologia em desenvolvimento, o jett nozlle,
que custou US$ 300 milhões e
não enriqueceu nada. Era um
sistema perigoso, que trabalhava com amônia sob pressão e
era altamente consumidor de
energia.
De lá para cá, um trabalho
pertinaz, feito com recursos orçamentários, continuidade,
bom senso e foco, permitiu o
desenvolvimento do sistema
brasileiro, que deverá entrar logo no mercado, operando competitivamente.
O jett nozlle consome 23 mil
UTSI (Unidade Térmica de Separação Isotóprica). O sistema
norte-americano, de difusão
gasosa, consome 13 mil. O sistema da Marinha, apenas 500 UTSI.
O relevante na história é que,
embora o sistema tivesse começado a ser desenvolvido nos
anos 80, a tecnologia é de ponta.
A ultracentrifugação é um sistema de alta rotatividade, que roda a uma velocidade estupidamente alta. No sistema alemão,
o cilindro roda em cima de um
mancal. No Brasil, a Marinha
aproveitou pesquisas na Universidade Federal do Rio de Janeiro e construiu o cilindro para rodar em levitação magnética, sem nenhum desgaste.
O mercado mundial de reatores e urânio movimenta mais de
US$ 100 bilhões por ano. A
USEC, norte-americana, controla 45% do mercado internacional de urânio enriquecido e
75% do norte-americano. Trabalha com o sistema de difusão
gasosa, mais oneroso. Na Europa, a França juntou-se à Alemanha, Holanda e Inglaterra e desenvolveu a ultracentrífuga,
mais barata, mas que exige máquinas bastante artesanais.
Hoje em dia, o piloto do projeto é desenvolvido no campus
da USP. A parte industrial em
Aramar, em 17 prédios, e a usinagem no Arsenal da Marinha,
no Rio. A comercialização internacional é feita pelas Indústrias Nucleares Brasileiras.
O foco da Marinha não é o comercial, mas a segurança. Até
agora, o enriquecimento do
urânio era uma novela sem fim.
A INB fazia o "yellow cake",
mandava para o Canadá, onde
era transformado em hexafluoreto, que seguia para a Europa
para ser enriquecido. A partir
deste mês a INB começou a receber as máquinas. Até início de
agosto estará enriquecendo o
urânio.
O maior desafio para penetrar
no mercado mundial será superar as resistências dos órgãos de
inspeção internacional, mais
uma das barreiras extratarifárias dos países desenvolvidos
contra os países em desenvolvimento. O Brasil é o único país
que domina o ciclo nuclear a
colocar expressamente na
Constituição a proibição de fabricar artefatos nucleares.
No centro tecnológico da Marinha trabalham 1.500 pessoas,
cerca de 800 em pesquisa e instalação industrial. As pesquisas
acabaram se desdobrando em
várias frentes.
Com o domínio da tecnologia, a Marinha desenvolveu sistemas de laser para a Faculdade
de Medicina da USP. Já foram
desenvolvidas 11 teses de doutorado utilizando o laser.
Será possível desenvolver sistemas de dessalinização no nordeste, com a utilização de pequenos reatores nucleares. Do
mesmo modo, será possível desenvolver sistemas de irradiação de alimentos para exportação ou para material farmacêutico. Espera-se que em dez anos
se tenha o submarino atômico.
Esse mesmo esforço tecnológico tem sido feito pelo Exército
e pela Aeronáutica demonstrando a enorme importância
da pesquisa militar para fins pacíficos.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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