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São Paulo, sábado, 19 de julho de 2003

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LUÍS NASSIF

A próxima ficha

Já começou a cair a ficha da opinião pública acerca dos erros de calibragem das políticas monetária e fiscal a partir de março. Vai levar um pouco mais de tempo para cair a ficha do desastre maior armado pelo Banco Central no primeiro semestre: a valorização do real.
Uma das características do processo de desenvolvimento é a pressão que exerce sobre a balança comercial. Aumentam-se as importações, de bens de consumo e de capital; e reduzem-se as exportações, porque as empresas preferem vender para o mercado interno. Sem dólares, o país pára.
Essa maldição acompanhou o Brasil no segundo governo Vargas, nos governos JK, Jânio e Jango, no governo Castello, nos anos 70, após as duas crises do petróleo e nos anos 80 e 90. Fernando Henrique Cardoso assumiu o governo com superávits comerciais crescentes. Matou-os com o real valorizado e teve que amargar oito anos de crescimento pífio.
No ano passado, a desvalorização cambial trouxe de volta os superávits comerciais, praticamente eliminou o risco da vulnerabilidade externa e deixou o país preparado pelo menos nessa frente crucial-para a retomada o desenvolvimento. Mas o BC deixou o real apreciar de novo. E diz que não é seu papel definir o nível ideal de câmbio.
O que está por trás desse autismo? A visão incrivelmente alienada de que, se sobrevier novo problema cambial, o real se desvalorizará de novo, o superávit comercial retornará, e tudo estará salvo novamente. Descreve-se a próxima crise cambial com palavras tão simples que parece um domingo na montanha-russa do Playcenter.
A conquista do mercado externo -especialmente em produtos não-commoditizados- é trabalho que exige planejamento, persistência, criação de relações comerciais confiáveis. A cada valorização excessiva do real esse trabalho vai por água abaixo. Alguns exportadores conseguem prender a respiração por algum tempo, na esperança de que o câmbio melhore. Quando fica claro que o câmbio não vai melhorar, ele pula fora do barco.
Na próxima e inevitável desvalorização cambial, todo trabalho realizado anteriormente terá morrido. Terá havido a quebra da confiança pelo importador, pela não-continuidade das exportações, a desmontagem das estruturas de comércio exterior de muitas empresas, a retomada do mercado pelo concorrente estrangeiro.
Há que começar seriamente a repensar esse modelo de BC que se criou. No futuro, a composição da diretoria, assim como do CMN (Conselho Monetário Nacional), terá que contemplar pessoas com visões diferentes da economia e com conhecimento sobre o mundo real. São ferramentas para entender a realidade. E esse pessoal não consegue entender sequer como se dão os processos de criação de um mercado exportador, não dispõe de informações sobre os processos de formação de preços das empresas.
O homem da planilha -tipo Ilan Goldfajn ou seu sucessor- terá que retomar seu lugar correto, o de assessor, o sujeito para dimensionar na planilha as decisões de quem saiba formular de verdade, dispondo de visão ampla de país.

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luisnassif@uol.com.br


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