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DESENVOLVIMENTO
Para economista licenciado do banco estatal, propostas podem não levar a nada e criam debate "histérico"
Projeto do BNDES é estéril, diz funcionário
CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO
O projeto de investimentos levado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ao presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, cujos pontos
principais, prevendo investimentos de R$ 280 bilhões em quatro
anos, foram divulgados ontem
pela Folha, abriu polêmica dentro
do banco.
O economista Eriksom Teixeira
Lima, 46, que trabalhou nas áreas
de infra-estrutura, planejamento
e agricultura do banco, disse que
estudos internos já consideraram
inviáveis vários dos projetos, especialmente os de interligação de
bacias e de transposição de águas.
Lima, no BNDES desde 1984,
disse que a discussão dos projetos
pode não levar a nada e despertará paixões regionais, provocando
um debate "estéril e histérico".
O economista afirmou que o
programa parece "a velha história
dos militares [regime militar] nos
anos 70" e que o Brasil não precisa
de um "New Deal", uma alusão ao
programa de investimentos públicos do governo dos EUA para
gerar empregos na depressão econômica dos anos 30.
Lima é formado em economia
pela Unicamp e está licenciado do
BNDES até setembro de 2004 para
fazer mestrado. Simpático ao PT,
já trabalhou em projetos do partido. Em junho, foi um dos economistas do BNDES a assinar o documento "Agenda Interditada",
com críticas à condução da política econômica do governo petista.
O BNDES não quis comentar
sua entrevista à Folha.
Folha - O que o sr. acha de um plano de investimento em infra-estrutura do BNDES?
Eriksom Teixeira Lima - Que há
necessidade de fazer investimentos, não há dúvida. Existem vários
pontos de estrangulamento na
economia que exigem investimento em infra-estrutura. Porém,
grande parte dessas obras que estão relacionadas não atendem as
prioridades, em alguns casos,
nem mesmo de longo prazo.
Folha - Quais as obras discutíveis?
Lima - Dispensáveis. As obras de
transposição do rio Tocantins e
de interligação da bacia do rio
Amazonas com o rio Orinoco e da
bacia do Amazonas com o rio da
Prata. A construção de um corredor hidroviário Buenos Aires-Venezuela é completamente dispensável. Não atende a nenhuma necessidade de integração, na medida em que já existe a integração
por via marítima de toda a região
e via hidroviária de Buenos Aires
até o rio Paraguai. A ligação do
Paraguai com o Amazonas e depois com a Venezuela vai ligar nada a coisa nenhum. Isso só do
ponto de vista econômico. Do
ponto de vista ambiental, é um
desastre absoluto.
Do ponto de vista de uma integração política e econômica, é
corretíssima essa valorização da
América do Sul como um bloco
econômico. Temos que avançar
nisso. Agora, do ponto de vista de
integração física, hidroviária, temos o mar. Por via terrestre, temos um problema grave. Temos a
Amazônia, que não é o melhor lugar para ter transporte terrestre.
Folha - Considerando a necessidade de investir na infra-estrutura
do país e de reativar a economia,
seriam essas as prioridades?
Lima - Primeiro uma coisa: tem-se falado em um "New Deal" para
o Brasil. Acho que não é o caso.
Não estamos na situação do "New
Deal". Segundo, se formos pensar
pelo menos essas três primeiras
obras [interligações e transposição do Tocantins] como geração
de empregos, elas não têm sentido. São muito intensivas em capital e programadas para lugares
onde não temos mão-de-obra. O
desemprego está nas grandes cidades, não na Amazônia.
Vai gerar uma corrida de mão-de-obra que não tem sustentabilidade no longo prazo nessas regiões. Do ponto de vista de geração de empregos, nada. Do ponto
de vista de impactos positivos para a economia, aumento da competitividade externa e melhoria da
capacitação interna das empresas,
o efeito é absolutamente zero.
Folha - A transposição do Tocantins seria viável, considerando
também o problema ambiental?
Lima - O único caminho do rio
Tocantins para o São Francisco
que vi até hoje ser defendido, pelo
próprio vice-presidente do banco
[Darc Costa] em um texto da sua
época da ESG [Escola Superior de
Guerra], era revertendo o curso
do rio do Sono. O rio do Sono passa no meio do deserto do Jalapão
[reserva biológica no Tocantins].
Tem efeitos ambientais sérios.
A segunda questão é que o São
Francisco tem um antigo problema de assoreamento. Então, se jogar tanta água lá, vou ter que
transportar essa água rapidamente. Será que inundar o semi-árido
do Nordeste é uma solução? Será
que o problema é falta de água ou
concentração excessiva de água?
Todos os estudos que tenho visto
que tentam dar soluções que gerem empregos apontam para a retenção das águas das chuvas na
região. O pessoal fala: primeiro
retém a água, depois, distribui essa água, que não adianta só reter
com essa estrutura fundiária.
Folha - Há possibilidade de viabilizar a engenharia financeira para
a execução desses projetos?
Lima - Grande parte desses investimentos não tem retorno econômico interessante do ponto de
vista privado. Isso gera alguns
problemas de engenharia financeira. O BNDES vai aportar R$ 100
bilhões? Ele precisa ter retorno
desses R$ 100 bilhões. Se não tem
retorno privado, como retorna o
dinheiro do BNDES? O mesmo
para o dinheiro dos fundos de
pensão, R$ 80 bilhões. E para o setor privado? O BNDES já fez dezenas de estudos, estou no banco há
19 anos. Vários desses projetos foram apontados como inviáveis.
Todas essas transposições foram
definidas como inviáveis.
Folha - Há risco de que o anúncio
de que essas obras serão feitas desvie a atenção de outros projetos
considerados essenciais?
Lima - Isso acontece. É a velha
história dos militares na década
de 70. Eu crio um grande plano,
de Brasil gigantesco, cria-se uma
confusão na sociedade, discussão
de ambiente, uma barafunda. Você não cria uma unidade de investimentos urgentes, que é fundamental. Esse é o primeira problema. O segundo é que vai despertar
paixões regionais monumentais.
Se você fala mal de Sepetiba no
Rio, vão dizer que você é a favor
de São Paulo. Ou seja, você cria
um debate estéril e um debate histérico, porque você começa a despertar paixões. E tem mais: a
competitividade das indústrias
brasileiras não está sendo melhorada por esses investimentos.
Ou seja, está fora de foco. Não só
isso, como todas as discussões, todos os seminários feitos nos últimos oito a dez anos no BNDES,
estão sendo postos de lado.
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