São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A velhinha e o terremoto na Paulista

Hoje em dia, as pessoas não querem saber de terremotos, das promessas de campanha. É o ceticismo em marcha

EM TODOS os anos de eleições presidenciais, a Universidade Nacional de Brasília promove o ciclo de debates "Fórum Brasil em Questão", destinado a levantar propostas para os candidatos. Ontem, participei de um deles, com fraca adesão de alunos. Têm sido assim todos os seminários deste ano. Em 2002, cada seminário era assistido por uma média de 2.000 alunos entusiasmados. Em 1994, o Fórum não havia sido criado. Se existisse, também despertaria entusiasmo. Foram dois anos riquíssimos, que se prolongaram pelo ano seguinte.
Em 1995 e 2003, praticamente todos os setores, pensadores e analistas tiraram suas propostas da gaveta, limparam o bolor e apresentaram ao público. Em 1995, havia um sopro de racionalidade empurrando o novo governo, uma massa crítica de novos conceitos e propostas. O período terminou com a doença e a morte de Sérgio Motta. O segundo governo FHC, até pelo acúmulo de problemas e desgastes, foi de ouvidos moucos a qualquer proposta.
Quando Lula foi eleito, já despido da fantasia de bicho-papão e disposto a ouvir, os trabalhos foram novamente desengavetados e começaram a circular. Mês após mês se via, de fato, um governo disposto a ouvir, ouvir e... ouvir. Criou-se o CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), com suas reuniões amplas, muitas figuras expressivas foram atraídas para seus debates, mas não havia nenhuma forma de institucionalização capaz de transformar debates em propostas, propostas em ação. No fim, prevalecia o padrão Malan-Palocci de gestão. Depois, com os sucessivos escândalos atingindo o governo, Lula deixou de representar esperança de mudança ou inovação.
Na campanha, há, de um lado, o candidato Lula tendo como bandeira -pelo menos aquela percebida pela opinião pública- a estabilidade, a manutenção do status quo. Do outro, o candidato Geraldo Alckmin, ainda sem bandeira, mas personificando, igualmente, a estabilidade das regras de jogo. Não que manutenção de regras de jogo não seja relevante. Mas decididamente é um antiprograma de governo.
Com isso, todo o imenso acervo de projetos, programas, diagnósticos produzidos ao longo da última década continuam na gaveta. E as reuniões para discutir o futuro perdem interesse porque, na campanha, haverá uma disputa entre quem será o candidato mais estável e imobilista.
No fundo, parece que as pessoas preferem o imobilismo a novas surpresas frustradas. Lembro bem, no final do governo Figueiredo, um boato de terremoto na avenida Paulista. A televisão foi entrevistar o povo e filmou uma senhora já bastante idosa. Quando o repórter lhe informou que o terremoto havia sido alarme falso, sua reação foi de profundo desapontamento. Nem me lembro de suas palavras, mas era algo do tipo: "Mas não acontece nada de novo neste país".
Hoje em dia, as pessoas não querem saber de terremotos, do falso novo, das promessas de campanha. É o ceticismo em marcha. A partir de 1º de janeiro, é possível que voltem as esperanças, com a opinião pública começando a contagem regressiva para 2009 ou, quem sabe, ao menos torcendo por um terremoto na avenida Paulista.


Blog: www.luisnassif.com.br
@ - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Previ tem parte do capital de 3 empresas envolvidas no negócio
Próximo Texto: Exportadores terão CPMF "virtual", confirma Mantega
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.