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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Plano B para a Argentina
LUCIANO COUTINHO
O medo de um desfecho terrível explica a tenaz resistência do governo argentino. A população, sabendo que será a vítima principal, também não quer a
implosão do sistema cambial.
Compreende-se, assim, como o
sistema político engoliu o amarguíssimo programa de "déficit zero" impensável meses atrás. Este
é, realisticamente, contraproducente e infactível, pois agravará
ainda mais a recessão que já se
vem aprofundando.
Pendurado por um fio e graças
à ousadia do Ministério da Economia, que forçou por todos os
meios o anúncio de um pacote de
ajuda externa, o sistema se acalmou nesta semana, precariamente, numa posição muito frágil. A
sangria de reservas e depósitos
parou momentaneamente à espera do anunciado apoio. Mas a situação é tênue e, se a ajuda demorar, a degringolada poderá vir
já nesta próxima semana.
Em outro córner, a banca internacional permanece cética. A
grande maioria, justificadamente, não acredita mais na sustentabilidade do sistema cambial da
Argentina. O déficit externo em
conta corrente ganhou dimensão
estrutural, dada a sobrevalorização da taxa de câmbio e o pesado
fluxo de remessas para o serviço
da massa de dívidas acumuladas.
De outro lado, a solvência da dívida doméstica, dolarizada, também ficou insuportável a médio
prazo em decorrência de juros
elevadíssimos. Nessas condições,
não faz nenhum sentido empenhar mais crédito para salvar um
doente terminal. Apenas os bancos mais comprometidos (JP Morgan e os espanhóis) -para salvarem a própria pele- defendem
uma grande operação de salvamento. Empenharam-se por isso
na campanha de lobby político
em prol do apoio à Argentina.
O governo Bush aparentemente
mudou sua posição inflexível. Depois de ter decidido "deixar quebrar para depois ajudar", o Tesouro americano sinalizou ao
Fundo Monetário Internacional
que deveria dar uma "última
chance" à Argentina. Um novo
pacote financeiro está sendo urdido e pode ser anunciado nos próximos dias. O FMI despejaria cerca de US$ 6 bilhões aos quais se
somariam US$ 2 bilhões do BID e
do Bird, US$ 2,5 bilhões dos bancos privados e mais recursos dos
governos do G-7 (destacando-se
uma contribuição substancial da
Espanha). No total, seria algo
próximo a US$ 13 bilhões. Não há,
contudo, motivo para comemorações.
O diagnóstico dos bancos não
mudou, e o ceticismo permanece.
Para o governo dos EUA, há uma
dose impalatável de moral "hazard" envolvida nessa operação.
Se for apenas para manter, artificialmente, um sistema moribundo, é muito provável que venha a
se inviabilizar a montagem do
pacote de ajuda. Será o caos.
De outro lado, se formulado como um suporte efetivo para mudar o sistema monetário e para
criar um novo regime cambial, é
possível que o apoio se concretize
em escala convincente. Mas, neste
caso, o novo acordo será trabalhoso e sua formulação, controversa, dadas as diferenças entre
as visões da equipe do FMI e do
governo americano. O Fundo
quer garantias estritas de cumprimento de duras metas fiscais (o
que é um equívoco nas atuais circunstâncias, pois agravará a recessão), e o Tesouro dos EUA exige que os novos recursos fiquem
congelados na forma de "reservas
argentinas" para não dar porta
de saída aos bancos privados (dos
quais exige dinheiro novo).
Um desenho plausível da mudança teria os seguintes contornos: 1) sobrevida (possível ?) do
"status quo" até as eleições de outubro, 2) preparação de um regime de flutuação do peso, com desvalorização controlada, evitando-se um "overshooting" agudo, o
que exigiria forte restrição quantitativa da liquidez e juros inicialmente bastante elevados sobre
ativos em pesos, 3) manutenção
de algum grau de conversibilidade, viabilizado pelo aporte de recursos externos em grande escala,
4) reestruturação negociada das
dívidas externa e interna com
"writte off" e ampliação de prazos; 5) os ganhos com essas reestruturações permitiriam ao Tesouro argentino absorver parcialmente o forte impacto negativo
da depreciação cambial sobre a
situação patrimonial das famílias
e empresas (as dívidas privadas
seriam refinanciadas com taxa de
câmbio arbitrada, prazos alongados e juros sustentáveis). Esse é o
plano B, possível, doloroso sem
dúvida, mas menos ruim do que
uma quebradeira caótica. A intensidade das perdas e dos sacrifícios pode estar sendo, a esta hora,
calibrada na frieza dos gabinetes
do FMI e do Departamento do
Tesouro.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985/88).
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