São Paulo, domingo, 19 de agosto de 2001

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TURBULÊNCIA

Intenção é abater parte da dívida de US$ 1,25 bi; companhia aérea registrou prejuízo recorde no primeiro semestre

Varig põe parte da empresa à venda

RICARDO GRINBAUM
DA REPORTAGEM LOCAL

A Varig negocia a venda de um pedaço da empresa para fazer caixa e abater parte de sua dívida, de US$ 1,25 bilhão. Na semana passada, a companhia anunciou que teve prejuízo recorde no primeiro semestre -R$ 509 milhões. Agora, a empresa busca sócios.
"Precisamos recompor o capital da empresa", diz Ozires Silva, 70, presidente da Varig. "Já temos conversas em curso, com a velocidade possível."
Além de negociar com investidores, a Varig quer inverter sua delicada situação financeira com duas outras iniciativas. Uma delas é buscar no governo ajuda de emergência e mudanças na regulamentação do setor, que começarão a ser discutidas nesta semana.
Outra medida é o desenvolvimento de duas empresas, de logística e de manutenção, atividades tradicionais da companhia. A Varig pretende vender pedaços das empresas e usar o dinheiro para abater dívidas.
Criador da Embraer, Ozires Silva conta que enfrentou problemas ainda mais difíceis para manter de pé a fabricante de aviões.
"Às vezes me pergunto por que estou sofrendo tudo isso de novo. Não sei se posso ter duas vitórias na vida, mas acredito que dá para repetir a história", diz Silva na seguinte entrevista à Folha:
 

Folha - Os resultados da Varig pioraram com a desvalorização. A empresa corre risco de quebrar?
Ozires Silva -
Não, mas a empresa enfrenta as consequências de problemas que se acumularam ao longo de muitos anos. Nos seus 75 anos de história, a Varig enfrentou os mais variados tropeços dos mercados nacional e internacional. Além disso, no Brasil ainda não sopraram os ventos da desregulamentação do transporte aéreo, como já aconteceu em outros países há bastante tempo.
Não é que a Varig não erre. Mas a empresa enfrenta problemas conjunturais que afetam também outras companhias. A Transbrasil e a Vasp enfrentam dificuldades grandes. Muita gente fala da TAM, mas ela apresentou prejuízo de R$ 100 milhões no primeiro trimestre. A TAM não divulgou os resultados do segundo trimestre. Não desejo insucesso, obviamente, mas pode ser que eles voltem a ter prejuízo no segundo trimestre. O que demonstra que vivemos um quadro de emergência.

Folha - O que precisa ser feito?
Silva -
O transporte aéreo precisa entrar no diapasão do mercado internacional. Tem que haver convergência da legislação doméstica com a externa, para garantir igualdade de condições para competição. A tributação nos EUA sobre as companhias aéreas é igual a um quarto da brasileira. Enquanto o combustível deles não é tributado, o nosso tem 33% de imposto. As coisas ainda estão se agravando com essa desvalorização de 30% do real.

Folha - Tem gente no governo falando em intervenção nas companhias aéreas. O que o sr. acha?
Silva -
Intervenção seria caminhar para trás. O que é preciso é verificar as condições em que as companhias estão operando, abrir o diálogo com o governo e estabelecer condições competitivas. Empresas como a Varig e a TAM, por exemplo, têm índices técnicos de padrão internacional. O desempenho operacional é reconhecido internacionalmente.
Temos um patrimônio técnico de empregos, de talento, de gente especializada, que não deixa a desejar ao das companhias estrangeiras. Não justifica, portanto, que a gente entregue a rapadura. Dizer simplesmente que as empresas são mal administradas é uma resposta simplista e errada.

Folha - O governo deve fazer um programa de ajuda às empresas?
Silva -
Não sei se devemos chamar esse negócio de ajuda do governo. Mas deveria ter um programa de emergência para estabelecer condições de competitividade para o sistema aéreo. Temos que competir com empresas que vêm ao Brasil e não pagam imposto lá fora. Outra questão é desregulamentar o mercado. Lá, as companhias podem voar para onde quiserem e aqui dependemos de autorização das autoridades.

Folha - Que medidas o governo poderia tomar neste momento?
Silva -
Os jornais dizem que o governo vai nos convocar para uma reunião. Estou me preparando para levar todos os pontos e eles vão dizer o que pode ser feito e o que não pode ser feito. A regra básica é que seria necessário ter a nossa legislação doméstica convergindo, de forma tão equilibrada quanto possível, com a internacional. Devemos discutir também medidas de emergência para fazer frente às dificuldades do momento, mas prefiro não adiantar o que será debatido.

Folha - Como estão as conversas para a fusão da Varig e da TAM nas operações internacionais?
Silva -
As conversas ainda estão muito em torno do cafezinho. Temos conversado. Conversava muito com o Rolim a esse respeito, dizendo que o mercado internacional não é brincadeira. Não sei quais são os resultados da TAM no mercado internacional, mas creio que não estão no azul.
Um dos problemas do mercado internacional é a necessidade de ter grande volume. Nosso volume é pequeno, embora o faturamento internacional da Varig seja pouco maior do que o doméstico, o que já nos dá uma dimensão internacional importante. Se pegarmos esse pequeno tráfego internacional e dividir por duas, três, quatro, cinco empresas, é a divisão da escassez. De modo que um papo de uma única empresa no mercado internacional foi o que a grande maioria dos países europeus fez. Isso mostra que, no mercado internacional, é preciso ter no máximo uma companhia.

Folha - Qual a estratégia da Varig para não sofrer problemas como os da Transbrasil?
Silva -
Uma das estratégias é fazer parcerias. Estamos preparados para aceitar a participação de capitais externos, domésticos ou internacionais, no limite que a lei permitir. No caso do capital estrangeiro, o limite legal é de 20%. No fundo, o que precisamos agora são práticas competitivas, que estão sendo conversadas com o governo, e recomposição do capital da companhia. Já temos conversas em curso, com a velocidade possível, mas não posso adiantar porque assinamos memorando de confidencialidade.



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