|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Barriga no balcão
BENJAMIN STEINBRUCH
Pedro, filho de um amigo,
passou lá em casa na semana
passada todo faceiro com a nova
jaqueta preta que comprara numa loja de grife da Vila Madalena, em São Paulo. "Paguei R$ 120
em três vezes sem juros", disse,
convencido de que fizera um
grande negócio. Uma semana antes, havia deixado de comprar a
mesma jaqueta, na mesma loja,
por R$ 300.
Ao adquirir sua jaqueta, Pedro
foi testemunha do desesperado
esforço de venda feito pelo comércio em julho. Para se livrar de estoques que entopem as prateleiras, as lojas ofereceram descontos
de até 60% em roupas de inverno.
As ofertas e descontos reaqueceram o consumo? Não, infelizmente. O primeiro número consolidado sobre as vendas em julho, divulgado pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo,
mostra uma queda de 5,7% em
relação ao mesmo mês do ano
passado. O pequeno aumento de
faturamento decorrente das liquidações antecipadas de inverno nem de longe foi suficiente para compensar a queda -que continua- nos demais setores, como
móveis, eletrodomésticos, veículos
e outros bens duráveis e não-duráveis, inclusive alimentos.
Brasília mantém-se insensível a
essa situação da economia real.
Economistas e burocratas do governo não têm idéia do que ocorre de fato nos negócios. Quem sabe da realidade são aqueles que
estão na ponta, lutando no dia-a-dia, com a barriga no balcão. Esses, sim, constatam a timidez do
consumidor, a acumulação de estoques não vendidos, a inadimplência elevada e a pressão dos
fornecedores para enviar novas
remessas de produtos. As grandes
redes varejistas não têm mais onde guardar mercadorias. Por isso,
adiam autorizações de embarques e esperam em geral a última
semana do mês para confirmar
pedidos, na tentativa de jogar o
faturamento para o mês seguinte.
O que se passa na ponta do consumo impacta de forma negativa
toda a cadeia produtiva: armazéns de transportadoras e indústrias lotados, ritmo lento de produção, redução do consumo de
matérias-primas, adiamento de
planos de investimentos e desemprego. Só quem exporta, mesmo
com o câmbio piorado, ainda
consegue compensar parte do estrago.
A esta altura, 2003 já está perdido para a produção. Agora, é pensar em 2004, mas as providências
precisam começar agora. A fim de
que não se perca também o primeiro trimestre do ano que vem,
há que reativar o consumo do varejo nos últimos meses do ano. A
redução dos estoques, com boas
vendas em novembro e dezembro,
abriria caminho para que, no início do ano, as encomendas à indústria sejam reiniciadas e a economia seja reaquecida.
Políticas de arrocho temporárias são compreensíveis, mas têm
hora para terminar. Nada justifica o conservadorismo quase
doentio na manutenção de juros
reais elevados e superávits fiscais
acima do necessário. A política de
não gastar é equivocada. O governo tem a obrigação de gastar
bem, em setores prioritários para
o crescimento e a custos adequados -não há razão para que o
investimento público continue a
ser mais caro que o privado.
Sensibilidade para a situação
real do Brasil não se demonstra
com discursos, mas com atitudes.
Faria muito bem ao governo um
contato com aqueles que esfregam no dia-a-dia a barriga no
balcão.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
Texto Anterior: Saiba mais: Investir em ações envolve grau de risco mais alto Próximo Texto: Crise no ar: Comitê de vices vai dirigir a Varig Índice
|