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São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Barriga no balcão

BENJAMIN STEINBRUCH

Pedro, filho de um amigo, passou lá em casa na semana passada todo faceiro com a nova jaqueta preta que comprara numa loja de grife da Vila Madalena, em São Paulo. "Paguei R$ 120 em três vezes sem juros", disse, convencido de que fizera um grande negócio. Uma semana antes, havia deixado de comprar a mesma jaqueta, na mesma loja, por R$ 300.
Ao adquirir sua jaqueta, Pedro foi testemunha do desesperado esforço de venda feito pelo comércio em julho. Para se livrar de estoques que entopem as prateleiras, as lojas ofereceram descontos de até 60% em roupas de inverno.
As ofertas e descontos reaqueceram o consumo? Não, infelizmente. O primeiro número consolidado sobre as vendas em julho, divulgado pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo, mostra uma queda de 5,7% em relação ao mesmo mês do ano passado. O pequeno aumento de faturamento decorrente das liquidações antecipadas de inverno nem de longe foi suficiente para compensar a queda -que continua- nos demais setores, como móveis, eletrodomésticos, veículos e outros bens duráveis e não-duráveis, inclusive alimentos.
Brasília mantém-se insensível a essa situação da economia real. Economistas e burocratas do governo não têm idéia do que ocorre de fato nos negócios. Quem sabe da realidade são aqueles que estão na ponta, lutando no dia-a-dia, com a barriga no balcão. Esses, sim, constatam a timidez do consumidor, a acumulação de estoques não vendidos, a inadimplência elevada e a pressão dos fornecedores para enviar novas remessas de produtos. As grandes redes varejistas não têm mais onde guardar mercadorias. Por isso, adiam autorizações de embarques e esperam em geral a última semana do mês para confirmar pedidos, na tentativa de jogar o faturamento para o mês seguinte.
O que se passa na ponta do consumo impacta de forma negativa toda a cadeia produtiva: armazéns de transportadoras e indústrias lotados, ritmo lento de produção, redução do consumo de matérias-primas, adiamento de planos de investimentos e desemprego. Só quem exporta, mesmo com o câmbio piorado, ainda consegue compensar parte do estrago.
A esta altura, 2003 já está perdido para a produção. Agora, é pensar em 2004, mas as providências precisam começar agora. A fim de que não se perca também o primeiro trimestre do ano que vem, há que reativar o consumo do varejo nos últimos meses do ano. A redução dos estoques, com boas vendas em novembro e dezembro, abriria caminho para que, no início do ano, as encomendas à indústria sejam reiniciadas e a economia seja reaquecida.
Políticas de arrocho temporárias são compreensíveis, mas têm hora para terminar. Nada justifica o conservadorismo quase doentio na manutenção de juros reais elevados e superávits fiscais acima do necessário. A política de não gastar é equivocada. O governo tem a obrigação de gastar bem, em setores prioritários para o crescimento e a custos adequados -não há razão para que o investimento público continue a ser mais caro que o privado.
Sensibilidade para a situação real do Brasil não se demonstra com discursos, mas com atitudes. Faria muito bem ao governo um contato com aqueles que esfregam no dia-a-dia a barriga no balcão.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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