São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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NEODESENVOLVIMENTISMO

Empresário cobra diretrizes do governo para o crescimento

Antônio Ermírio quer plano de metas como na era JK

Renato Stockler/Folha Imagem
O empresário Antônio Ermírio de Moraes, presidente do Votorantim, no centro de São Paulo, onde se localiza a sede do grupo


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O empresário Antônio Ermírio de Moraes, 76, presidente do grupo Votorantim, teme que a incipiente retomada da economia brasileira seja minada por uma política econômica ortodoxa mais preocupada com a rigidez monetária do que com o crescimento do país.
Para Ermírio de Moraes, o governo deveria reunir os empresários e definir, a partir de agora, um novo plano de desenvolvimento para o país, uma espécie de plano de metas de Juscelino Kubitschek (1956-61). "O governo precisa, agora, fazer um plano de metas como fez o governo Juscelino", disse o empresário, na quinta-feira, um dia depois de o Copom (Comitê de Política Monetária) aumentar a taxa básica dos juros de 16% para 16,25%.
Um dos industriais mais importantes do país, ele reflete a preocupação crescente de empresários, sindicalistas, economistas e políticos de que o Brasil perca essa nova oportunidade de dar um novo choque de desenvolvimento, aproveitando-se da onda de crescimento mundial. "O momento certo é agora. Ninguém mais tem medo do PT."
 

Folha - A economia está mesmo a todo o vapor?
Antônio Ermírio de Moraes -
Está crescendo, sem dúvida nenhuma, graças a Deus, e espero que continue crescendo. Mas o governo precisa, agora, fazer um plano de metas como fez o governo Juscelino Kubitschek. O governo Juscelino definiu a meta de fazer 50 anos em 5 e fez. Partiu para o desenvolvimento. O Juscelino chamava os empresários e dizia o que queria. Se não quiser fazer, então que ceda o seu lugar. Eu tenho que sentir que, se amanhã eu não quiser trabalhar, alguém vem me substituir. E é preciso que todo mundo saiba disso. Não podemos seguir nessa passividade. As metas não podem ser levianas. Têm de ser conscientes. Já está na hora de o governo se pronunciar sobre isso. O setor agrícola é mais organizado e sabe suas metas, mas a nossa área industrial não tem nada. O Brasil precisa estabelecer metas para o alumínio, para o aço, para o níquel, o zinco, enfim, para tudo. Não só de metalurgia mas em todas as áreas. O país tem de ter uma meta, e essa meta tem que ser sagrada. Todos têm que ficar sabendo quais são essas metas e é assim que se cresce de maneira organizada. Nunca o governo perguntou o que estamos fazendo. Está faltando a regra do jogo.

Folha - Por que o sr. defende essa política desenvolvimentista?
Ermírio de Moraes -
Porque hoje, no Brasil, é muito mais fácil ganhar dinheiro no meio financeiro do que na produção. Se eu quiser trabalhar dez minutos por dia no mercado financeiro, eu ganho mais do que produzindo. Mas isso não traz nada para o Brasil. Nós precisamos fazer um programa de metas de produção para tudo. Agora, cabe ao governo definir essas metas. Se eu achar que é mais fácil ganhar dinheiro no meio financeiro, eu vou esquecer a parte industrial, e aí vai faltar mercadoria. Se faltar, o preço sobe. O que está faltando é o governo demonstrar interesse em promover reuniões com os empresários e estabelecer metas de produção em todos os setores.

Folha - Isso não poderia ser interpretado como intervenção do governo?
Ermírio de Moraes -
Não que ele vá intervir, mas ele precisa saber o que vai acontecer no país. Por enquanto, não sabe. Eles não estão sabendo de nada. Ninguém perguntou para mim até hoje o que eu vou produzir, qual é o nosso plano de trabalho. Se você não quiser produzir nada, continua sem produzir nada. O governo não sabe se eu produzo amendoim ou alumínio. Se eu tenho algum plano para produzir arroz ou se tenho um plano industrial. O governo tinha que saber, incentivar aqueles que querem investir. Se não for um empresário sério, se não for produzir nada, o governo não pode deixar. É isso que falta. Está faltando governança.

Folha - O sr. acha que o Brasil está caminhando para o desenvolvimento sustentável?
Ermírio de Moraes -
É muito bonito falar em desenvolvimento sustentável. A frase é muito bonita, mas o que é desenvolvimento sustentável? Poucos sabem.

Folha - O sr. acha que o governo está muito passivo?
Ermírio de Moraes -
Acho que o governo está alheio a esse negócio. O governo tem que ser o fator decisivo e dizer o quanto cada setor deve produzir. Precisa definir as metas e perguntar o que os empresários estão precisando para atingi-las. E depois fazer a seguinte pergunta: Vocês têm competência ou são aventureiros?

Folha - Como reunir os empresários?
Ermírio de Moraes -
Reúne por setores. Não vai reunir todo mundo porque aí dá confusão. No governo Juscelino, por exemplo, se fez isso. No governo Fernando Henrique também. No governo Fernando Henrique se sabia o que estava acontecendo. Ele chamava o empresário para saber o que se estava fazendo. É bem verdade que no segundo mandato do governo Fernando Henrique o negócio andou meio devagar. O governo tem que estar interessado em saber o que é o Brasil. Quem vai fazer o Projeto Brasil é o governo. Não somos nós. Está faltando essa direção geral. Nós precisamos de uma decisão clara do que o governo deseja.

Folha - Qual é a sua avaliação do governo Lula?
Ermírio de Moraes -
Para mim, o governo tem sido até uma grata surpresa. De uma maneira geral, não se pode reclamar do governo. O que falta apenas é uma coordenação maior no setor de produção. Há um divórcio entre o governo e a área produtiva. Um país com o tamanho do Brasil ter um PIB que soma apenas 1% da produção do mundo é vergonhoso. Isso é ridículo. Eu trabalho como um mouro há 55 anos, e isso é uma coisa que me desespera. O Brasil tem tudo. O clima é bom, o povo é trabalhador, e o que está faltando? O que falta é coordenação por parte do governo. Está tudo descoordenado, cada um faz o que quer, ninguém quer saber.

Folha - A quem caberia esse papel?
Ermírio de Moraes -
O governo é quem sabe. Esse papel não deve ser apenas de um ministro mas de vários. Tem, por exemplo, a parte energética, a parte dos transportes e a parte de produção. O governo deveria reunir os empresários e perguntar por que ele não está aumentando a produção. O empresário tem de apresentar seus problemas. Ninguém sabe o que está acontecendo. Está mais ou menos ao deus-dará. O governo precisa anunciar o seu projeto de crescimento para o país. Não se pode deixar cada um fazer o que quer. Se deixar e não cobrar, nós vamos todos aplicar no setor financeiro, que dá muito mais dinheiro do que aplicar no setor de produção. E aí será um desastre para a nação.

Folha - O que o sr. achou da idéia de pacto proposta pela CUT?
Ermírio de Moraes -
Eu não acredito nesse negócio de pacto. Tem que partir do governo. Saber o que eles querem. Aí depois você vai discutir as ações a serem tomadas. O governo é que tem que falar. Não é o Antônio Ermírio, não é o Luiz Marinho [presidente da CUT] e ninguém mais. É o governo. Está todo mundo aplicando no mercado financeiro porque é muito mais fácil você aplicar no mercado financeiro do que trabalhar para produzir. O mercado financeiro dá um dinheirão. É só ver os balanços dos bancos. Se eu quiser trabalhar dez minutos por dia, ganho muito mais no mercado financeiro do que trabalhando aqui dez horas por dia para produzir o que for.

Folha - O que o sr. achou do aumento de juros do Copom?
Ermírio de Moraes -
Já era sabido que ia aumentar, mas não vai ficar só nisso. O aumento foi pequeno, mas é lamentável os juros continuarem subindo.

Folha - Quais são seus planos de investimento?
Ermírio de Moraes -
É continuar crescendo. O que a Votorantim ganha ela reinveste. Até 2007 eu sei tudo que vou investir.

Folha - Qual sua avaliação sobre o ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho?
Ermírio de Moraes -
Um dos pontos altos do governo é a gestão da Fazenda. Eu estive com o Palocci uma única vez, mas tive uma excelente impressão dele. Trata-se de um homem sério, ponderado e prudente.

Folha - Por que o sr. acha que agora é a hora de o governo fazer um plano de metas como da era JK?
Ermírio de Moraes -
O momento certo é agora. Aquele medo do PT que todo mundo tinha já passou. Ninguém mais tem medo do PT.


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