São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

As eleições de 1966

Meu amigo Nelsinho Nicolau é candidato a prefeito de São João da Boa Vista. Grande homem público, em 1974 foi um dos prefeitos paulistas eleitos pelo MDB, peças relevantes da resistência democrática da década.
Em 1965, com 15 anos, saí seis meses de Poços de Caldas para estudar fora. Quando voltei, parecia que a cidade tinha acabado. Era o caçula do Grupo Gente Nova, nosso grupo de ação social e política. Os mais velhos se formaram no científico, ao mesmo tempo em que me formava no ginásio, e se mandaram para São Paulo e Belo Horizonte. Os Maristas acabaram com o 3º científico e o pessoal do 2º científico foi estudar em São João.
No início do ano seguinte, os Maristas acabaram com o 2º, duas semanas antes do início das aulas, e nossa turma ficou na mão. Com dona Adélia, temível diretora do Instituto Educacional de São João da Boa Vista, meu pai conseguiu vaga para os 12 órfãos dos Maristas.
Em São João, abria-se um mundo novo, uma efervescência política inimaginável para os de fora. A cidade tinha uma base histórica forte do velho Partidão. Entre os integrantes, meu primo Ademir Gebara -que eu não conhecia pessoalmente-, emérito agitador, mas que já tinha se mudado para Campinas para cursar história. Para atazanar o Acácio -que era ligado ao Comando de Caça aos Comunistas-, o Cido inventou que eu tinha sido enviado para São João para substituir o Ademir na agitação. E eu era "maoísta". Não tinha a menor noção nem sobre o que era isso, e as revistas de turismo na Rússia que o farmacêutico Zé Lopes me deu, como peça de doutrinação, não me causaram a menor emoção.
De qualquer modo, as lorotas do Cido ajudaram-me a me enturmar logo na cidade. Aí conheci o Nelsinho, que me convidou a entrar na campanha para prefeito de seu pai, Durval Nicolau. Durval era um médico do INPS, militante do partidão que, com o irmão Miguel Nicolau, havia sido expulso da cidade em 1964. Fazendeiros, armados de metralhadora, arrancaram-no do leito do hospital da cidade, onde convalescia de uma cirurgia.
Agora, retornava à cidade, candidato a prefeito, enfrentando três políticos abonados da Arena. As reuniões de campanha eram em uma casa antiga, na avenida Getúlio Vargas, os velhos militantes do Partidão, nós, os estudante secundaristas, e um pessoal simples, vindo dos bairros mais distantes da cidade.
Foi uma campanha heróica, para a qual tive a honra de compor o hino -fraquinho, mas cantado com muito empenho e devoção pelos nossos companheiros. Ficávamos até de madrugada percorrendo os bairros da cidade, com direito, ao final do período, a sair com as biscatinhas da noite -alienadas, porém muito bonitinhas.
No dia das eleições, houve a boca-de-urna. Depois, as apurações na sede social do Palmeiras. Encerrada a contagem, Durval havia vencido por 57 votos. Saíamos em passeata, eufóricos, para comemorar na praça.
Foi lá, pelo rádio, que ouvimos a notícia de que a polícia havia fechado o local para recontagem de votos. E o resultado da recontagem era a vitória da Arena por oito votos.
Lembro-me até hoje do Ercílio berrando, berrando sem parar, um choro, um ronco que vinha do fundo da alma. Reunimo-nos na sede da campanha para saber o que fazer. O farmacêutico Zé Lopes acabou demovendo o grupo de uma reação maior. Com o conformismo de quem previa uma longa ditadura pela frente, recomendava paciência para as próximas eleições.
Não votei nas eleições de 1966, porque tinha 16 anos. Tirei o título de eleitor dois anos depois, votei em Nelsinho em 1974, já morando em São Paulo, e sem acompanhar a campanha. Mas mantive o título em São João até 1985, quando o transferi para São Paulo, para votar em Fernando Henrique Cardoso contra Jânio Quadros.
Por mais eleições em que tenha votado, por mais caminhos que tenha percorrido, jamais me esquecerei da primeira batalha política de um moleque de 16 anos, que tem o mesmo sabor da primeira namorada.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Lições contemporâneas - Maria da Conceição Tavares: Despedida do debate macroeconômico
Próximo Texto: Antônio Ermírio quer plano de metas como na era JK
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.