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LUÍS NASSIF
As eleições de 1966
Meu amigo Nelsinho Nicolau é candidato a prefeito de São João da Boa Vista.
Grande homem público, em
1974 foi um dos prefeitos paulistas eleitos pelo MDB, peças relevantes da resistência democrática da década.
Em 1965, com 15 anos, saí seis
meses de Poços de Caldas para
estudar fora. Quando voltei,
parecia que a cidade tinha acabado. Era o caçula do Grupo
Gente Nova, nosso grupo de
ação social e política. Os mais
velhos se formaram no científico, ao mesmo tempo em que me
formava no ginásio, e se mandaram para São Paulo e Belo
Horizonte. Os Maristas acabaram com o 3º científico e o pessoal do 2º científico foi estudar
em São João.
No início do ano seguinte, os
Maristas acabaram com o 2º,
duas semanas antes do início
das aulas, e nossa turma ficou
na mão. Com dona Adélia, temível diretora do Instituto Educacional de São João da Boa
Vista, meu pai conseguiu vaga
para os 12 órfãos dos Maristas.
Em São João, abria-se um
mundo novo, uma efervescência política inimaginável para
os de fora. A cidade tinha uma
base histórica forte do velho
Partidão. Entre os integrantes,
meu primo Ademir Gebara
-que eu não conhecia pessoalmente-, emérito agitador,
mas que já tinha se mudado para Campinas para cursar história. Para atazanar o Acácio
-que era ligado ao Comando
de Caça aos Comunistas-, o
Cido inventou que eu tinha sido
enviado para São João para
substituir o Ademir na agitação. E eu era "maoísta". Não tinha a menor noção nem sobre o
que era isso, e as revistas de turismo na Rússia que o farmacêutico Zé Lopes me deu, como
peça de doutrinação, não me
causaram a menor emoção.
De qualquer modo, as lorotas
do Cido ajudaram-me a me enturmar logo na cidade. Aí conheci o Nelsinho, que me convidou a entrar na campanha para prefeito de seu pai, Durval
Nicolau. Durval era um médico
do INPS, militante do partidão
que, com o irmão Miguel Nicolau, havia sido expulso da cidade em 1964. Fazendeiros, armados de metralhadora, arrancaram-no do leito do hospital da
cidade, onde convalescia de
uma cirurgia.
Agora, retornava à cidade,
candidato a prefeito, enfrentando três políticos abonados
da Arena. As reuniões de campanha eram em uma casa antiga, na avenida Getúlio Vargas,
os velhos militantes do Partidão, nós, os estudante secundaristas, e um pessoal simples,
vindo dos bairros mais distantes da cidade.
Foi uma campanha heróica,
para a qual tive a honra de
compor o hino -fraquinho,
mas cantado com muito empenho e devoção pelos nossos
companheiros. Ficávamos até
de madrugada percorrendo os
bairros da cidade, com direito,
ao final do período, a sair com
as biscatinhas da noite -alienadas, porém muito bonitinhas.
No dia das eleições, houve a
boca-de-urna. Depois, as apurações na sede social do Palmeiras. Encerrada a contagem,
Durval havia vencido por 57
votos. Saíamos em passeata, eufóricos, para comemorar na
praça.
Foi lá, pelo rádio, que ouvimos a notícia de que a polícia
havia fechado o local para recontagem de votos. E o resultado da recontagem era a vitória
da Arena por oito votos.
Lembro-me até hoje do Ercílio berrando, berrando sem parar, um choro, um ronco que vinha do fundo da alma. Reunimo-nos na sede da campanha
para saber o que fazer. O farmacêutico Zé Lopes acabou demovendo o grupo de uma reação maior. Com o conformismo
de quem previa uma longa ditadura pela frente, recomendava paciência para as próximas
eleições.
Não votei nas eleições de 1966,
porque tinha 16 anos. Tirei o título de eleitor dois anos depois,
votei em Nelsinho em 1974, já
morando em São Paulo, e sem
acompanhar a campanha. Mas
mantive o título em São João
até 1985, quando o transferi para São Paulo, para votar em
Fernando Henrique Cardoso
contra Jânio Quadros.
Por mais eleições em que tenha votado, por mais caminhos
que tenha percorrido, jamais
me esquecerei da primeira batalha política de um moleque
de 16 anos, que tem o mesmo
sabor da primeira namorada.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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