São Paulo, terça-feira, 19 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Flecha lançada

BENJAMIN STEINBRUCH

Diz um provérbio chinês que três coisas jamais voltam: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida. Não sei se é realmente chinês, mas esse pensamento se aplica perfeitamente ao Brasil dos últimos dez anos.
Foi um período em que a economia mundial correu a galope. Os EUA viveram a exuberância irracional de que falou Alan Greenspan, a China queimou etapas em seu avanço para a economia de mercado, a Coréia do Sul e a Rússia se recuperaram de suas crises financeiras, o México viveu uma lua-de-mel com o mercado americano, por causa do Nafta, e até a pacata Europa apresentou taxas relativamente altas de crescimento econômico.
Enquanto isso, aqui no Brasil, vivemos uma das piores décadas do século 20 em matéria de desenvolvimento. O PIB (Produto Interno Bruto) cresceu apenas 2,4% ao ano, em média, de 1994 a 2003, e a renda per capita, insignificante 1% ao ano.
É possível que os historiadores encontrem muitas razões para explicar esse comportamento retraído da economia brasileira. Mas certamente nenhum deixará de incluir entre essas razões a timidez da política econômica, que foi usada para promover a estabilidade de preços como se ela fosse um fim, e não um meio.
O Brasil poderia ter navegado no mesmo barco de China, México, Rússia e Coréia do Sul. Mas não o fez por uma razão simples: quem estava no poder assumiu unicamente o discurso conservador da ortodoxia monetária e seguiu à risca receitas recessivas voltadas para o controle fiscal. Todos sabem que o espaço daqueles que pregavam uma política desenvolvimentista foi se encurtando ano a ano no governo passado, até que praticamente todos foram colocados para fora do poder, persistindo apenas os que rezavam pela bíblia do Consenso de Washington.
Tudo isso parece conversa antiga. Cansamos de ler críticas semelhantes a essas ao governo Fernando Henrique Cardoso, que adotou a cartilha neoliberal e repudiou idéias de intervenção na economia para estimular investimentos. Mas a insistência se justifica porque o governo Lula corre o risco de caminhar na mesma direção, ainda que o discurso seja diferente.
A administração da economia no governo Lula tem sido inegavelmente competente, elogiada pelo mundo. Após o estouro da bolha da economia mundial, em 2001, e do trauma eleitoral que espalhou desconfiança sobre o Brasil, em 2002, o país precisava dar provas de seriedade e austeridade. Ocorre que, aos poucos, todas as vozes do desenvolvimentismo -e são muitas no governo Lula- foram sendo colocadas no banco de reservas do time da economia.
Quem dá as cartas na política econômica é a linha dura ortodoxa. Houve mudanças nos últimos meses, quando começaram a aparecer medidas para estimular o crescimento da produção, como a redução de alguns impostos. Mas esses avanços se deram por concessão dos duros, nunca por proposição direta da ala desenvolvimentista, que tem espaço reduzido tanto para voz quanto para voto dentro da equipe econômica. Sugestões práticas para acelerar o crescimento, como redução de juros, corte na TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) e mudanças na meta de inflação e superávit fiscal, são ignoradas solenemente pela ala dominante.
Não pode ser assim. A despeito de problemas como a alta do petróleo, a economia mundial está outra vez em crescimento, puxada pelos EUA e pela China. A economia brasileira também cresce em ritmo razoável, o otimismo voltou a dominar as opiniões e o setor privado mostra disposição de investir.
Sem que haja equilíbrio na escolha daqueles que têm voto e voz no governo, corre-se o risco de que tudo isso venha a se perder pela mesma razão que se perdeu no governo passado: excesso de conservadorismo.
Passadas as eleições, será hora de esfriar a cabeça e retomar o bom senso. Peças representativas dos desenvolvimentistas precisam voltar a ter espaço entre as que realmente influem no jogo da economia. Para que o país não venha a perder, por conservadorismo ou inapetência, outra oportunidade de ouro de se firmar como nação séria e prospera.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Novas altas da Selic deverão inibir crediário
Próximo Texto: Balança: Comércio externo cresce em outubro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.