São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2006

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Governo quer que BC leve juro real a 5%

Meta seria para o final de 2007 em eventual 2º mandato, chamado de "desenvolvimentista" na intimidade do Planalto

"Carta-branca" que Meirelles teria obtido por escrito de Palocci no atual mandato não se repetiria numa nova administração petista


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva for reeleito, como indicam as pesquisas, buscará forçar em seu segundo período uma redução de juros muito mais intensa do que a atual, de forma a levá-los, ao final de 2007, ao civilizado patamar de 5% ao ano, em termos reais (descontada a inflação), segundo a Folha apurou.
O juro nominal seria então de cerca de 9% ao ano, já que a previsão do mercado financeiro para a inflação de 2007 é de 4,2% e a meta oficial do Banco Central é de 4,5%. Hoje, os cerca de 9% correspondem aos juros reais, já considerando a redução decidida ontem pelo Banco Central. O juro nominal foi para 13,75%.
Continuam sendo as maiores taxas do mundo, à frente dos 6,2% da Turquia e dos 4,8% da China, os países que vêm a seguir no ranking dos juros.
Esse nível de juros é tido, no governo, como o único grande obstáculo remanescente para o "espetáculo do crescimento", prometido pelo presidente Lula em maio de 2003 e que até agora esteve longe de ser encenado. Se, de fato, tudo funcionar como pretende a equipe econômica e os juros baixarem para níveis "compatíveis com o mundo", como disse o próprio Lula na sabatina promovida ontem pela Folha, o crescimento será de 5% ao ano em cada um dos quatro anos do segundo mandato, segundo cálculos do governo.
Também haverá indução maior ainda para um realinhamento do câmbio (mas, neste caso, não há números disponíveis). O real sobrevalorizado está prejudicando setores inteiros voltados para a exportação, o que se refletiu diretamente na votação de Lula no primeiro turno: em regiões ou mesmo Estados inteiros em que há problemas relacionados ao nível do câmbio, o candidato oposicionista Geraldo Alckmin superou Lula.
A segunda gestão Lula já está sendo carimbada, na intimidade do Palácio do Planalto, como "desenvolvimentista", em oposição ao excesso de ortodoxia que é atribuído ao ministro da Fazenda anterior, Antonio Palocci, que foi a principal figura do governo nos três primeiros anos de Lula-1.
O governo calcula que o rigor ortodoxo causou perda de três pontos percentuais no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção econômica de um país) no período 2003/06.

BC independente
Foi tamanha a ortodoxia que o próprio presidente demorou muito tempo para descobrir que Palocci havia dado independência não apenas informal ao Banco Central. Autorizou o presidente do BC, Henrique Meirelles, a contratar seus auxiliares com uma cláusula de independência por escrito.
Só quando Lula queixou-se dos juros altos, depois da queda de Palocci, é que Meirelles, para se justificar, contou dos contratos com cláusula de independência. Permitiam o que o próprio governo agora considera um absurdo: os diretores do BC sentiam-se tão independentes que não trocavam idéias antes das reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), o que define os juros. Cada um levava sua própria posição para o encontro formal.
A queixa que a Folha ouviu no próprio governo é a de que nem o Fed (banco central norte-americano), cuja independência está assentada na legislação, adota tal comportamento. A fixação dos juros passa, sim, por conversas permeadas pela argumentação técnica, acima de tudo, mas também por considerações de ordem política, em especial as necessidades de crescimento econômico. Para garantir que o "espetáculo do crescimento" de fato ocorra a partir do ano que vem, o governo conta com a mudança fundamental ocorrida no círculo mais íntimo do presidente.

Harmonia
Agora, há harmonia plena, segundo a Folha ouviu, entre os ministros Tarso Genro (Relações Institucionais e, como tal, responsável pela negociação política), Guido Mantega (Fazenda, que passará a ter mais ingerência no Banco Central) e Dilma Rousseff (Casa Civil, uma espécie de gerente ou coordenadora administrativa).
Antes, José Dirceu (Casa Civil) e Palocci, na Fazenda, trocavam cotoveladas o tempo todo. Dirceu era um crítico da ortodoxia que Palocci defendeu até ser defenestrado por envolvimento na violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Mas era um crítico pouco ativo porque Palocci era ou pretendia ser o avalista do próprio presidente ante o empresariado e os mercados financeiros.
A nova "troika" de comando, ao contrário, é tida, toda ela, como mais à esquerda, mais próxima do que era o PT antes de chegar ao governo. A diferença é que, antes, usava-se muito o termo "socialistas", agora trocado para "desenvolvimentistas".
O que não significa que o segundo período será marcado por experiências ou "mágicas", termo que Lula sempre usa para descartar alterações bruscas de rumo.
Na visão governista, facilita o trabalho harmônico o fato de que, ao contrário de Palocci e Dirceu, nem Tarso, nem Mantega, nem Dilma demonstram pretensões presidenciais para 2010.
É verdade que Tarso Genro chegou a ser indicado candidato presidencial do PT em 1997 (para a eleição de 1998), hipótese que naufragou rapidamente. É razoável supor que tenha ambições, mas elas ficam aguadas pelas derrotas dele próprio e do PT do Rio Grande do Sul, Estado de Tarso (e também de Dilma).


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